Cheguei à casa de Rita com a sensação de ter dentro do peito o brilho de todas as estrelas. Lógico que minha cunhada percebeu a diferença, afinal elas não pareciam nada sutis. O sorriso esfuziante, o caminhar leve, os suspiros perdidos... Deixei a minha resposta seguir dentro da simplicidade que o momento oferecia: “estou bem”. Seu olhar questionador era um prelúdio do que viria a seguir, contudo, naquela noite, não havia réplicas a serem dadas. Sempre existiria o dia seguinte.
A agitação dos meus filhos não atrapalhava a minha felicidade. Seus gritos, as risadas exageradas, as brigas costumeiras entre os três. No entanto, a Nicole foi a única que realmente prestou atenção em mim, me perguntou o motivo da minha alegria. Engraçado como as mulheres – até mesmo as inocentes – são sensíveis. Outra vez, a resposta veio c
Fábio. Esse era o nome do meu marido, o pai dos meus filhos e do meu destino. Fábio, Fábio, Fábio. Durante muito tempo, não consegui pronunciá-lo sem que a culpa acompanhasse as palavras.Parado na minha frente, indefeso e inseguro, seus lábios revelavam sua doença. Minha mente misturava as informações do presente com as imagens do nosso passado. Um filme antigo mostrava nossos melhores momentos: o casamento, as crianças, o futuro e tudo aquilo que parecia suspenso, ou melhor, retirado de nossas vidas.Fábio repetia as palavras do médico, porém, as questões que se formavam em minha mente me impediam de assimilar o relato. Por quê? Ele sairia ileso daquela doença? E os nossos filhos? Eles precisavam de um pai, precisavam do Fábio. A impotência pesava em meu estômago, assim com a raiva, o nojo, o arrependimento e, por fim, a vergonha. C
Gustavo Eu acompanhei a fuga de Fabiana, enquanto tentava entender o que havia acontecido. Em menos de um minuto, ela me deu um beijo que nunca mais seria esquecido, entregou-me um envelope e saiu da minha vida.A percepção de que algo estava errado me ocorreu no momento que recebi a mensagem dela. A forma como suas palavras foram obscuras, deixaram meu corpo em alerta, porém, nunca poderia imaginar que o nosso encontro cimentaria o término da relação. Até a sua chegada, os cenários divergentes ganhavam vida: seu marido reagindo como um homem apaixonado; sua insegurança com o futuro; o medo... mas nada comparado ao meu coração destruído pela sua ausência.Fabiana era a mulher certa para construir um futuro ou, como dizem por aí, minha alma gêmea. Não havia dúvidas e compreend
Precisei dos serviços de uma babá, uma vez que não levaríamos as crianças ao jantar. Quando chegamos à casa dos meus pais, todos já nos esperavam. Fábio e eu tínhamos combinado de contar somente após a refeição, para isso tentamos não transparecer o nosso medo. Necessitávamos de um pouco da calmaria, antes da turbulência se instalar.Além da minha família, Sérgio, o único parente próximo ao Fábio, também se encontrava presente. Há quase cinco anos os pais do meu marido tiveram suas vidas interrompidas em um acidente de carro. Todos ficaram devastados diante da escolha do destino, um dia estavam ao nosso lado, no outro, enterrados. Mesmo que a compreensão dos fatos fosse evidente, falta de controle sobre vida ou morte, a revolta da perda nos acompanhou durante um tempo. E quem somos nós para julgar esses e
Minha imaginação não fez jus aos acontecimentos, muito menos ao meu despreparo em lidar com as dificuldades. A primeira fase do tratamento foi dividida em três ciclos com duração de cinco dias cada um. Naquele período, Fábio ficou internado para receber a medicação através de um cateter inserido no início da quimioterapia. Durante aqueles dias, fiquei ao seu lado, o ajudei a enfrentar os efeitos colaterais angustiantes, mas, apesar dos sintomas que derrubavam seu ânimo, manteve-se forte. Em nenhum momento reclamou, nem mesmo uma simples menção ou expressão de dor. Meu marido possuía determinação, era destemido o suficiente para enfrentar sua doença de cabeça erguida.Aproveitamos nossos momentos juntos, para matar o tempo relembrando o início do namoro, o susto com a gravidez e o medo de nossos pais. Recordamos hist&oacu
— Então é aqui que você se esconde? — Virei-me num rompante, quando a voz profunda do meu irmão Alexandre me atingiu, o semblante austero dando a premissa daquele encontro.— Bom, como você me encontrou, acho que não estou escondida — O tom jocoso tentava abrandar a fera que se postou na minha frente. — Você não quer se sentar? — Ofereci um espaço no banco.— Você vem sempre aqui? — Ignorou meu convite e ficou na minha frente, tampando a visão mais bonita e preferida do dia, o pôr-do-sol.— Sim, quase todos os sábados. Como me achou?— A mamãe me contou. Por acaso está esperando alguém? Estou atrapalhando algum encontro? — Seu deboche não combinava com as mãos cerradas ao lado do corpo.— Não estou entendendo, Alexandre. Eu venho aqui para pensar
A cirurgia do Fábio durou pouco mais de uma hora. Nossa família, até mesmo os meus dois filhos mais velhos, mantiveram-se na sala de espera do hospital. Permitir que as crianças participassem desse momento tão crucial demandou vários questionamentos e incertezas de minha parte. Entretanto, eles possuíam o direito de saber a verdade sobre o pai.Dentre o meu parco conhecimento, sempre acreditei que alguns assuntos não necessitariam fazer parte da vida das crianças, que suas energias deveriam ser relegadas às brincadeiras e ao crescimento. Porém, com o tempo, percebi que não era bem assim, eles precisavam entender desde cedo que nem tudo se resumia a um parque de diversão. Por essa razão, não escondi nada, eles nunca viveram na escuridão diante da doença do pai.Na realidade, serei sincera, meus filhos eram a minha sustentação, a minha f&ea
GustavoDurante quase um ano, os relatórios do detetive amenizaram a saudades de Fabiana. Através deles, tive o conhecimento de como sua vida se voltara para o bem-estar do marido e dos filhos. O emprego abandonado, a felicidade presa a um mundo paralelo e a doença dizimando o corpo do Fábio. Pautado num egoísmo estúpido, peguei-me enciumado em alguns momentos, quando as fotos dela no “nosso” restaurante desapareceram. Contudo, a realidade desse absurdo me batia com violência quando as imagens da debilidade do marido apareciam no montante. Colocar-me no lugar dele deixava um sabor amargo na língua. Imaginar a morte, a solidão dos filhos e mulher, trazia o discernimento de volta. A minha dor pela distância entre mim e Fabiana não se comparava com o padecimento do Fábio.Por essa razão, quando a notícia do falecimento chegou até mim
GustavoFabiana estava “pronta” para se entregar de corpo e alma ao nosso amor. Como sabia? Durante todos os meses que vieram após o velório, eu ainda a “vigiava”. Ela havia sofrido muito com a perda, ao ponto de quase se entregar por completo, contudo, a terapia lhe trouxera de volta à vida, e para mim.Não vou negar que o término da espera me deixou aliviado, nem preciso dizer que não tinha a intenção de desistir. No entanto, aguardar por sua volta havia sido uma tortura. Em alguns momentos, quase cedi à tentação e fui procurá-la, mas refutava a ideia sempre que surgia, pois através dos relatórios e das fotos que o detetive me enviava, consegui enxergar o quanto ainda sofria. E o retorno, antes do tempo, afetaria essa recuperação.No começo não entendi muito bem qual seria o tratamento dela. E, para