Gustavo
Eu acompanhei a fuga de Fabiana, enquanto tentava entender o que havia acontecido. Em menos de um minuto, ela me deu um beijo que nunca mais seria esquecido, entregou-me um envelope e saiu da minha vida.
A percepção de que algo estava errado me ocorreu no momento que recebi a mensagem dela. A forma como suas palavras foram obscuras, deixaram meu corpo em alerta, porém, nunca poderia imaginar que o nosso encontro cimentaria o término da relação. Até a sua chegada, os cenários divergentes ganhavam vida: seu marido reagindo como um homem apaixonado; sua insegurança com o futuro; o medo... mas nada comparado ao meu coração destruído pela sua ausência.
Fabiana era a mulher certa para construir um futuro ou, como dizem por aí, minha alma gêmea. Não havia dúvidas e compreend
Precisei dos serviços de uma babá, uma vez que não levaríamos as crianças ao jantar. Quando chegamos à casa dos meus pais, todos já nos esperavam. Fábio e eu tínhamos combinado de contar somente após a refeição, para isso tentamos não transparecer o nosso medo. Necessitávamos de um pouco da calmaria, antes da turbulência se instalar.Além da minha família, Sérgio, o único parente próximo ao Fábio, também se encontrava presente. Há quase cinco anos os pais do meu marido tiveram suas vidas interrompidas em um acidente de carro. Todos ficaram devastados diante da escolha do destino, um dia estavam ao nosso lado, no outro, enterrados. Mesmo que a compreensão dos fatos fosse evidente, falta de controle sobre vida ou morte, a revolta da perda nos acompanhou durante um tempo. E quem somos nós para julgar esses e
Minha imaginação não fez jus aos acontecimentos, muito menos ao meu despreparo em lidar com as dificuldades. A primeira fase do tratamento foi dividida em três ciclos com duração de cinco dias cada um. Naquele período, Fábio ficou internado para receber a medicação através de um cateter inserido no início da quimioterapia. Durante aqueles dias, fiquei ao seu lado, o ajudei a enfrentar os efeitos colaterais angustiantes, mas, apesar dos sintomas que derrubavam seu ânimo, manteve-se forte. Em nenhum momento reclamou, nem mesmo uma simples menção ou expressão de dor. Meu marido possuía determinação, era destemido o suficiente para enfrentar sua doença de cabeça erguida.Aproveitamos nossos momentos juntos, para matar o tempo relembrando o início do namoro, o susto com a gravidez e o medo de nossos pais. Recordamos hist&oacu
— Então é aqui que você se esconde? — Virei-me num rompante, quando a voz profunda do meu irmão Alexandre me atingiu, o semblante austero dando a premissa daquele encontro.— Bom, como você me encontrou, acho que não estou escondida — O tom jocoso tentava abrandar a fera que se postou na minha frente. — Você não quer se sentar? — Ofereci um espaço no banco.— Você vem sempre aqui? — Ignorou meu convite e ficou na minha frente, tampando a visão mais bonita e preferida do dia, o pôr-do-sol.— Sim, quase todos os sábados. Como me achou?— A mamãe me contou. Por acaso está esperando alguém? Estou atrapalhando algum encontro? — Seu deboche não combinava com as mãos cerradas ao lado do corpo.— Não estou entendendo, Alexandre. Eu venho aqui para pensar
A cirurgia do Fábio durou pouco mais de uma hora. Nossa família, até mesmo os meus dois filhos mais velhos, mantiveram-se na sala de espera do hospital. Permitir que as crianças participassem desse momento tão crucial demandou vários questionamentos e incertezas de minha parte. Entretanto, eles possuíam o direito de saber a verdade sobre o pai.Dentre o meu parco conhecimento, sempre acreditei que alguns assuntos não necessitariam fazer parte da vida das crianças, que suas energias deveriam ser relegadas às brincadeiras e ao crescimento. Porém, com o tempo, percebi que não era bem assim, eles precisavam entender desde cedo que nem tudo se resumia a um parque de diversão. Por essa razão, não escondi nada, eles nunca viveram na escuridão diante da doença do pai.Na realidade, serei sincera, meus filhos eram a minha sustentação, a minha f&ea
GustavoDurante quase um ano, os relatórios do detetive amenizaram a saudades de Fabiana. Através deles, tive o conhecimento de como sua vida se voltara para o bem-estar do marido e dos filhos. O emprego abandonado, a felicidade presa a um mundo paralelo e a doença dizimando o corpo do Fábio. Pautado num egoísmo estúpido, peguei-me enciumado em alguns momentos, quando as fotos dela no “nosso” restaurante desapareceram. Contudo, a realidade desse absurdo me batia com violência quando as imagens da debilidade do marido apareciam no montante. Colocar-me no lugar dele deixava um sabor amargo na língua. Imaginar a morte, a solidão dos filhos e mulher, trazia o discernimento de volta. A minha dor pela distância entre mim e Fabiana não se comparava com o padecimento do Fábio.Por essa razão, quando a notícia do falecimento chegou até mim
GustavoFabiana estava “pronta” para se entregar de corpo e alma ao nosso amor. Como sabia? Durante todos os meses que vieram após o velório, eu ainda a “vigiava”. Ela havia sofrido muito com a perda, ao ponto de quase se entregar por completo, contudo, a terapia lhe trouxera de volta à vida, e para mim.Não vou negar que o término da espera me deixou aliviado, nem preciso dizer que não tinha a intenção de desistir. No entanto, aguardar por sua volta havia sido uma tortura. Em alguns momentos, quase cedi à tentação e fui procurá-la, mas refutava a ideia sempre que surgia, pois através dos relatórios e das fotos que o detetive me enviava, consegui enxergar o quanto ainda sofria. E o retorno, antes do tempo, afetaria essa recuperação.No começo não entendi muito bem qual seria o tratamento dela. E, para
Algum depois...Abri os olhos quando o toque insistente do telefone atrapalhou o sono. As horas marcavam um número que deveria ser proibido alguém estar acordado em pleno sábado. Meu Deus, quem poderia ser?, resmunguei.— Alô... — A voz rouca camuflava o meu mau-humor.— Mãe! Eu te acordei? — Ouvi a risada do Alex do outro lado da linha. — Desculpe ligar tão cedo, mas sairemos para uma atividade e não sei que horas voltaremos.— Tudo bem, filho! Você pode. E aí, está se divertindo? — Sentei-me na cama, apoiada nos travesseiros.— Sim, tudo ótimo. Queria estar aí, mãe, para comemorar com você. Feliz aniversário!Meu precioso filho, desde a morte do pai, sempre fez questão de comemorar o meu aniversário ao meu lado. Ele compreendia o quanto aquela data era dif
“Eu voltei.” Sabe por quanto tempo esperei para ouvir aquelas palavras? O quanto imaginei o seu retorno? Muitas, ou melhor, milhares de vezes. E agora, Gustavo se encontrava sentado no meu lugar preferido segurando a minha mão em um cenário digno de cinema... e eu não sabia o que fazer.Os pensamentos embaralhados impediam uma resposta objetiva. Por que não conseguia simplesmente me virar para encarar seus olhos e me entregar? No fundo, eu conhecia o motivo. Por que demorou tanto? Ou melhor, com qual intuito me fez sofrer durante todo aquele tempo, para regressar justamente agora, quando minha vida entrava nos eixos? Por que nunca me ligou? As indagações desenfreadas exigiam respostas, porém, a raiva dominou meu corpo que reagiu com um misto de fúria e pavor, e soltei sua mão como se o toque me queimasse.— Fabiana? — Ele se surpreendeu com o meu gesto. — O que está