Minha imaginação não fez jus aos acontecimentos, muito menos ao meu despreparo em lidar com as dificuldades. A primeira fase do tratamento foi dividida em três ciclos com duração de cinco dias cada um. Naquele período, Fábio ficou internado para receber a medicação através de um cateter inserido no início da quimioterapia. Durante aqueles dias, fiquei ao seu lado, o ajudei a enfrentar os efeitos colaterais angustiantes, mas, apesar dos sintomas que derrubavam seu ânimo, manteve-se forte. Em nenhum momento reclamou, nem mesmo uma simples menção ou expressão de dor. Meu marido possuía determinação, era destemido o suficiente para enfrentar sua doença de cabeça erguida.
Aproveitamos nossos momentos juntos, para matar o tempo relembrando o início do namoro, o susto com a gravidez e o medo de nossos pais. Recordamos hist&oacu
— Então é aqui que você se esconde? — Virei-me num rompante, quando a voz profunda do meu irmão Alexandre me atingiu, o semblante austero dando a premissa daquele encontro.— Bom, como você me encontrou, acho que não estou escondida — O tom jocoso tentava abrandar a fera que se postou na minha frente. — Você não quer se sentar? — Ofereci um espaço no banco.— Você vem sempre aqui? — Ignorou meu convite e ficou na minha frente, tampando a visão mais bonita e preferida do dia, o pôr-do-sol.— Sim, quase todos os sábados. Como me achou?— A mamãe me contou. Por acaso está esperando alguém? Estou atrapalhando algum encontro? — Seu deboche não combinava com as mãos cerradas ao lado do corpo.— Não estou entendendo, Alexandre. Eu venho aqui para pensar
A cirurgia do Fábio durou pouco mais de uma hora. Nossa família, até mesmo os meus dois filhos mais velhos, mantiveram-se na sala de espera do hospital. Permitir que as crianças participassem desse momento tão crucial demandou vários questionamentos e incertezas de minha parte. Entretanto, eles possuíam o direito de saber a verdade sobre o pai.Dentre o meu parco conhecimento, sempre acreditei que alguns assuntos não necessitariam fazer parte da vida das crianças, que suas energias deveriam ser relegadas às brincadeiras e ao crescimento. Porém, com o tempo, percebi que não era bem assim, eles precisavam entender desde cedo que nem tudo se resumia a um parque de diversão. Por essa razão, não escondi nada, eles nunca viveram na escuridão diante da doença do pai.Na realidade, serei sincera, meus filhos eram a minha sustentação, a minha f&ea
GustavoDurante quase um ano, os relatórios do detetive amenizaram a saudades de Fabiana. Através deles, tive o conhecimento de como sua vida se voltara para o bem-estar do marido e dos filhos. O emprego abandonado, a felicidade presa a um mundo paralelo e a doença dizimando o corpo do Fábio. Pautado num egoísmo estúpido, peguei-me enciumado em alguns momentos, quando as fotos dela no “nosso” restaurante desapareceram. Contudo, a realidade desse absurdo me batia com violência quando as imagens da debilidade do marido apareciam no montante. Colocar-me no lugar dele deixava um sabor amargo na língua. Imaginar a morte, a solidão dos filhos e mulher, trazia o discernimento de volta. A minha dor pela distância entre mim e Fabiana não se comparava com o padecimento do Fábio.Por essa razão, quando a notícia do falecimento chegou até mim
GustavoFabiana estava “pronta” para se entregar de corpo e alma ao nosso amor. Como sabia? Durante todos os meses que vieram após o velório, eu ainda a “vigiava”. Ela havia sofrido muito com a perda, ao ponto de quase se entregar por completo, contudo, a terapia lhe trouxera de volta à vida, e para mim.Não vou negar que o término da espera me deixou aliviado, nem preciso dizer que não tinha a intenção de desistir. No entanto, aguardar por sua volta havia sido uma tortura. Em alguns momentos, quase cedi à tentação e fui procurá-la, mas refutava a ideia sempre que surgia, pois através dos relatórios e das fotos que o detetive me enviava, consegui enxergar o quanto ainda sofria. E o retorno, antes do tempo, afetaria essa recuperação.No começo não entendi muito bem qual seria o tratamento dela. E, para
Algum depois...Abri os olhos quando o toque insistente do telefone atrapalhou o sono. As horas marcavam um número que deveria ser proibido alguém estar acordado em pleno sábado. Meu Deus, quem poderia ser?, resmunguei.— Alô... — A voz rouca camuflava o meu mau-humor.— Mãe! Eu te acordei? — Ouvi a risada do Alex do outro lado da linha. — Desculpe ligar tão cedo, mas sairemos para uma atividade e não sei que horas voltaremos.— Tudo bem, filho! Você pode. E aí, está se divertindo? — Sentei-me na cama, apoiada nos travesseiros.— Sim, tudo ótimo. Queria estar aí, mãe, para comemorar com você. Feliz aniversário!Meu precioso filho, desde a morte do pai, sempre fez questão de comemorar o meu aniversário ao meu lado. Ele compreendia o quanto aquela data era dif
“Eu voltei.” Sabe por quanto tempo esperei para ouvir aquelas palavras? O quanto imaginei o seu retorno? Muitas, ou melhor, milhares de vezes. E agora, Gustavo se encontrava sentado no meu lugar preferido segurando a minha mão em um cenário digno de cinema... e eu não sabia o que fazer.Os pensamentos embaralhados impediam uma resposta objetiva. Por que não conseguia simplesmente me virar para encarar seus olhos e me entregar? No fundo, eu conhecia o motivo. Por que demorou tanto? Ou melhor, com qual intuito me fez sofrer durante todo aquele tempo, para regressar justamente agora, quando minha vida entrava nos eixos? Por que nunca me ligou? As indagações desenfreadas exigiam respostas, porém, a raiva dominou meu corpo que reagiu com um misto de fúria e pavor, e soltei sua mão como se o toque me queimasse.— Fabiana? — Ele se surpreendeu com o meu gesto. — O que está
Gustavo, se estiver lendo essa carta, significa que deixei sob sua responsabilidade o bem mais precioso que um dia eu tive: minha família. Não tente entender os motivos que me levaram a escrever para você, muito menos se preocupar com os meus sentimentos. Afinal, sendo meio mórbido aqui, provavelmente, já estarei morto mesmo. Brincadeiras à parte, ponderei durante muito tempo como ceder à realidade e compreendi que eu estava partindo, e não eles. Por essa razão, estou bem consciente da decisão que tomei. Confesso que não foi fácil, mas não havia outra escolha a ser feita. O meu tempo está acabando e eu preciso ter a certeza de que você a fará feliz. Na realidade, você tem como obrigação fazê-los felizes (se aceitar o desafio, é claro). Quero que a minha doce e linda Fabiana sorria mais...; que meus filhos cresçam s
Gustavo.— Você tem certeza? — Silvia, minha ex-mulher, me perguntou.— Sim. Agora que o pior já passou e o Mateus está novamente sob os seus cuidados, ficarei um tempo fora.— Vai realmente desistir dela? Por que não a procura mais uma vez?— Eu tive a minha chance e a perdi. Não há motivos para insistir no assunto. — Fui enfático. Reviver aquela conversa não levaria a lugar algum.Depois do meu reencontro desastroso com a Fabiana, desabafei com a pessoa mais improvável possível. No entanto, a minha tristeza exigia uma confissão, e conversar com Silvia acabou fazendo parte das circunstâncias inusitadas da vida.Ela me ouviu com bastante atenção, compreendendo minhas decisões passadas. Culpou-se por ser parte integrante e principal do contexto, mas não permiti mais d