RAEL- Você não dormiu, né? - A Aninha entrou na cozinha com o Rian nos braços.Eu tinha apenas cochilado. Mesmo cansado, não consegui dormir direito. Tudo o que vinha acontecendo até a Lis ser uma suspeita, nada disso saía da minha cabeça.- Pouco só - Coloquei o café na garrafa - Fica com a Rita hoje? Vou levar a Clara pra fazer o exame aí - Falei e ela assentiu colocando o Rian no chão.- Tá feliz? - Ela perguntou divertida e eu sorri, por um momento esquecendo todos os problemas que rodeavam a minha mente.- Papo reto? E como! Tenho nem palavras para descrever, pô. Só que Deus ta me devolvendo tudo que eu perdi, tá ligada?! - Respondi com um sorriso no rosto e ela assentiu sorrindo - Mas bate aquela insegurança, de ser alarme falso sabe? Ou que por ela ser muito nova, possa per... - Não consegui terminar, formou um nó na minha garganta.Meu medo de passar por tudo de novo era grande demais.- Rael, para! - Me olhou - Você não vai passar por tudo de novo! Você mesmo que acabou de d
SORRISOEu sempre tive uma vida maneira, tá ligado? Eu tinha pai, mãe. Eu era feliz pra caralho. Mas a vida é uma filha da puta e sempre arruma um jeito de foder com tudo.Meu pai era o Thales, melhor amigo do Talibã e braço direito no comando do morro. Minha mãe, era uma garota simples aqui do morro mesmo que sempre corria atrás do dela mas acabou se apaixonando pelo traficante, e aí o clichê começa.Brigas, traições e as merdas todas. Mas chegou a notícia que eu tava a caminho e os dois tomaram um rumo certo e ficaram juntos até onde Deus permitiu. E eu fui crescendo né, um menorzinho sagaz e todo risonho.Um dia aí, na mesma invasão que a mulher do Rael morreu o meu pai foi de ralo também. Morreu com tiro certeiro na cabeça.Minha mãe ficou arrasadona pô, e eu? Queria ter morrido junto com ele. Se pá, até no lugar dele. Fiquei malzão mesmo. Quase caí numa depressão fodida, tá ligado? Mas o Talibã não deixou, fortaleceu eu e minha coroa como pude. E com a companhia dele e dos moleq
SORRISONão era nem meio-dia, mas o sol já tava dando moca bonito pô. Nem teve como eu subir de moto com todas as malas, tive que deixar minha moto na boca e ajudar a subir a pé mesmo.- Coloco onde? - Perguntei das malas e o Neguinho colocou a garotinha no chão e deixou uma mochila em cima do sofá.- A Emanuelly vai escolher o quarto dela e da Sofia, e tu leva as malas mais pesadas pra lá - Falou e eu desviei meu olhar para a morena, que já subia as escadas acompanhada da mãe do Neguinho e da garotinha.- Tranquilo, Alípio - Falei e ouvi ele me xingar. Ri e segui elas até a escada logo subindo com duas malas, uma na mão e outra com a alça no ombro.A senhora foi pro último quarto no fim do corredor, e a morena ficou com o quarto do meio. O primeiro da ponta era do Neguinho.Ela abriu a porta e entrou primeiro com a garotinha, e eu entrei logo em seguida colocando as duas malas no chão.- Vou subir pra casa do Rael! Sofia quer ir comigo não? Lá tem criança pra tu brincar - O Neguinho
RAELA Clara fez o exame, e porra, nunca vi alguém mais medrosa que ela. Cheia de medo de agulha pô. Na hora só faltou tirar sangue do meu braço com aquelas unhas dela.- Se foder viu! Maior empata foda tu, Rl! - O Sorriso chegou bolado, parando a moto perto do meio-fio onde eu estava sentado.Levantei batendo a poeira da bermuda.- Porra, sou adivinho não! - Disse e ri. Ele negou cruzando os braços e me encarou.- Fala aí, quando que sai o resultado do exame? - Perguntou enquanto eu subia na garupa.- Daqui à cinco dias - Suspirei - Vou nem dormir nessa espera. Bagulho público é uma merda! - Reclamei.Segurei nos ferinhos e ele acelerou indo pra entrada do morro.- Foda! Mas falar pra tu, se não dormir como vai tirar o plantão? Tem que ficar esperto pô, ainda mais agora - Alertou e eu assenti, enquanto ele enrolou em direção a rua 20.Nessa madrugada nas horas que eu não dormi, aluguei o Sorriso. Contei pra ele o que eu tinha em mente e que ele iria comigo na casa da Lis, pra ver o m
RAEL- Vou ir no banheiro - Eu disse passando por eles e a Lis já tava cheia de sorrisos pro lado cria.- Leva o tempo que for preciso - O Sorriso soltou dessa, mas para a Lis soou como um flerte.Passei pela porta da cozinha e andei pelo pequeno corredor alí indo até o banheiro. Fechei a porta e peguei meu celular no bolso, desbloqueando o mesmo e logo fui na agenda procurar o número da Ana. No terceiro toque ela atendeu.- Oi Rael, aconteceu alguma coisa? - Perguntou e eu pude ouvir a voz da Rita e de outra criança do outro lado da linha.Não questionei nada, não era o momento. Eu precisava manter o foco.- Nada não, cunhada! Cadê a Rita? Quero falar com ela - Eu disse e andei até a porta, me escorando nela.- Tá aqui brincando com a sobrinha do Neguinho, espera que vou chamar ela - Falou e a linha ficou muda por alguns segundos, até a minha filha falar.- Oi papai, onde você tá? - Perguntou com aquela voz meiguinha dela.- Tô trabalhando, gatinha - Menti - Quero que tu me diga uma
2 horas atrás.NEGUINHOSempre fui muito transparente com o Talibã sobre a minha família. Ele sabia que minha mãe e toda a minha família morava no morro rival, e sabia também que meu primo era de uma outra facção.A uns dois meses atrás, quando ele soube que o Ll tinha tirado o Santa Marta da lama, ficou interessado no moleque e me convenceu a fazer uma proposta.- Trouxe a resposta daquele papo lá, chefe - Falei entrando na endola. O Talibã supervisionava os crias enquanto eles faziam as misturas das drogas e preparavam os saquinhos para a venda.Ele deu uma última olhada nos bagulhos e descruzou os braços seguindo pelo corredor até a sala dele, e eu fui seguindo junto. Abriu a porta e entrou, entrei logo em seguida fechando a porta.- Solta o verbo! - Falou sentando em sua cadeira, colocando o rádio sobre a mesa abaixando o volume. Tirou um cigarro comum da carteira em seu bolso e ascendeu, soprando a fumaça.- O Ll mandou o papo. Disse que vai pular, mas pediu um favor também - Fa
CLARA- Ui, quero - A Martinha falou me roubando um brigadeiro. O Rael tinha comprado pra mim, pois eu estava desejando muito e ele não queria que nosso filho nascesse com rosto de brigadeiro - Como foi o exame lá? - Perguntou com a boca cheia, sentando ao meu lado no sofá.- Horrível! Mas tive que fazer, né - Peguei um brigadeiro dando uma mordida - Só tive pena do Rael, ficou todo arranhado o meu amor - Falei fazendo bico e a Martinha negou com a cabeça rindo, mostrando seus dentes sujos de brigadeiro.- E quando que saí o exame? - Perguntou passando a língua nos dentes para limpar, depois de eu ter indicado que estavam sujos.- Próxima semana - Suspirei pensando no quanto iria demorar, já que cada dia que passava era como se fosse uma semana só.- Ai cara, vai demorar em! Público é o gongo - Levantou uma almofada para pegar o controle remoto que estava em baixo, ligando a tv.- O que vai demorar? - Minha mãe perguntou descendo as escadas.Socorro. - Ai tia, os capítulos de coraçõe
LISBurra, burra!Maldito sorriso! Como que eu fui cair no papinho daquele abusado? Argh, que ódio!Com certeza eles já desconfiam de algo. Não viriam aqui atoa, ainda mais com uma desculpinha esfarrapada.Depois que eles foram embora, rodei a casa toda para procurar alguma coisa revirada. Mas não havia nada bagunçado, estava tudo no mesmo lugar que eu costumava deixar.- Minhas malas! - Pensei comigo mesma, passando as mãos pelos meus cachos um pouco desesperada.Andei até o meu quarto e rodei cama, encontrando elas no mesmo lugar que eu havia deixado hoje cedo. As abri e as roupas estavam intactas, o Rael não tinha mexido em nada. Mas também não havia nada que fosse suspeito alí, apenas as minhas roupas.E talvez fosse paranóia minha, ou sei lá. Eu não seria tão suspeita assim para ser a primeira a desconfiarem de algo, disso sim eu tinha a completa certeza.Já era noite eu estava terminando de arrumar a minha última mala. Na semana que o Gledson saisse, eu iria para o morro com ele