— Qual é o meu papel aqui? — perguntei, sentindo a dor em meu peito se expandir de maneira sufocante.Fukui pareceu surpreso com a minha pergunta, lançando um olhar hesitante para o pai, como se buscasse orientação. Foi um pequeno prazer vê-lo perder o sorriso habitual.— Seu papel? — repetiu Gojou, agora completamente focado em mim. Encarei-o com firmeza, tentando decifrar a expressão pensativa que ele mantinha enquanto descansava o polegar e o indicador sob o queixo. Uma voz interna me alertava para medir bem minhas próximas palavras.— Sim, meu papel. Fui informada de que devo ser a esposa perfeita, que estou aqui apenas para promover o legado dos Morunaga — continuei, mantendo meus olhos nos dele. Lembrei-me claramente de como Gojou havia deixado isso bem claro para mim, me fazendo sentir como nada além de um objeto. — Mas o que devo fazer aqui, dia após dia?Eles pareciam gostar de me provocar com o afeto que Ryuu e eu tínhamos demonstrado. Será que pensavam que eu estava finalme
&Beatrice&Esses artigos não eram novidade para mim. Eu já os havia lido inúmeras vezes. Crescendo sem saber quase nada sobre minha mãe, Elana Carbone, muitas vezes me vi recorrendo à internet em busca de qualquer fragmento de informação. Mas agora, ao reler aqueles recortes, uma inquietação tomava conta de mim. Por que, de repente, estavam sendo enviados para mim, acompanhados de uma nota tão enigmática? Não havia nada de novo ali, nada que já não tivesse visto antes. Nunca tive razões para duvidar da veracidade dessas reportagens, tampouco das circunstâncias da morte de minha mãe. Mas agora, uma semente de dúvida germinava, e eu não sabia se estava preparada para enfrentar o que poderia descobrir.A curiosidade, como uma coceira incômoda, se recusava a desaparecer. Por que essas cartas estavam chegando agora? E o que quer que estivessem insinuando, tinha relação direta com os Morunaga. Eu já suspeitava que Ryuu escondia coisas de mim. Agora, essas notas anônimas sugeriam que os Morun
Enrolada na cama, os lençóis amassados e retorcidos ao meu redor, tentei conter o soluço que rasgava meu peito em silêncio. O telefone estava ao meu lado, desbloqueado, a tela ainda acesa como um lembrete cruel da minha tolice.Fui tão ingênua. Como uma jovem iludida, confiei cegamente em meu pai. Acreditei que ele se importava comigo, que me protegeria dos males de sua vida sombria, que não me abandonaria como fez com minha mãe. No entanto, ao questioná-lo, recebi apenas palavras frias e evasivas, como se a culpa fosse minha por duvidar das suas intenções.A ligação mal durou cinco minutos antes que ele desligasse na minha cara.— Beatrice? — A voz firme de Ryuu cortou o ar, me arrancando do meu torpor. Não ouvi a porta se abrir e, num lamento baixo, percebi que era tarde demais para esconder o meu estado lastimável. — Você estava chorando?Lancei-lhe um olhar incrédulo, incapaz de esconder a dor que contorcia meu rosto. Meus olhos estavam inchados, as bochechas queimando. Não havia
Uma cópia de O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, não era algo que eu esperasse ver nas mãos de Ryuu. No entanto, o estado gasto do livro deixava claro que ele o havia lido muitas vezes. Ao tentar guardá-lo entre os meus, algumas fotos escorregaram das páginas, flutuando até o chão.Duas fotografias. Ambas dobradas, usadas como marcador ou talvez escondidas no livro. Uma delas me chocou imediatamente: era da minha mãe. Eu nunca tinha visto aquela imagem antes. Ela parecia jovem, mas não muito diferente da última foto que eu tinha dela, pouco antes de sua morte. A outra mulher na foto era desconhecida para mim. Tinha cabelos escuros e encaracolados, pele clara, nariz afilado, olhos puxados. Algo nela me lembrava Ryuu. Seria a mãe dele?Minhas mãos tremiam enquanto eu tentava, desajeitada, empurrar as fotos de volta para as páginas do livro, guardando-o apressadamente sobre a cômoda. Quando me deitei ao lado de Ryuu, meu coração batia forte, quase me sufocando.Não consegui tirar d
Assim que entrou, Espósito se livrou do casaco pesado. Seu guarda prontamente estendeu a mão para pegá-lo, seguido do cachecol, que também foi removido em seguida. Por baixo de toda aquela proteção, ele usava uma camisa branca de botões, impecavelmente enfiada em calças passadas que combinavam com o tom terroso de seus olhos, e sapatos de couro marrom escuro. Sem as camadas extras, ele parecia ainda menor, e, paradoxalmente, me fez sentir ainda mais diminuta.— Vou te mostrar o caminho — murmurei, cerrando os dentes enquanto lançava outro olhar desconfiado para os dois guardas que seguiam cada movimento de Espósito.Retornei à poltrona onde estava antes, observando enquanto ele escolhia o sofá oposto para se acomodar. Os guardas permaneciam a poucos passos de distância, as expressões duras e os braços cruzados à frente do corpo. Senti um calafrio percorrer minha espinha sob o peso de seus olhares.— Não sabia que meu casamento com a família Morunaga era de conhecimento geral. Suponho
&Ryuu& As mãos tremiam. O som do sangue pulsando em meus ouvidos abafava tudo ao redor, acompanhando o aperto insuportável que crescia em meu peito. Mal consegui arrastar-me de volta ao quarto, cada respiração mais difícil que a anterior, enquanto a maldição do nome Vincenzo Espósito ecoava em minha mente. Beatrice estava no quarto, observando-me em silêncio. Eu queria que ela saísse, que me deixasse sozinho com minha fúria e dor. Mas as palavras ficaram presas na minha garganta, incapazes de se transformar em um pedido para que ela fosse embora.Comecei a arrancar as roupas do corpo com uma violência que quase rasgava o tecido. Aquele homem, meu avô… Vincenzo Espósito. Um nome que eu aprendi a desprezar desde criança, odiado por meu pai a cada respiração. E agora, finalmente, eu entendia por quê.Vinte e quatro anos. Vinte e quatro anos sem ouvir um único sussurro desse segredo. Como foi possível que algo tão importante tenha sido escondido de mim por tanto tempo?A camisa pendia m
— Ryuu… ainda está na cama? — Fukui perguntou com uma rispidez inusitada, as sobrancelhas franzidas em uma expressão incrédula. Eu apenas assenti, tentando esconder o divertimento que me causava ver o choque estampado no rosto dele, mesmo sabendo exatamente por que Ryuu não havia saído do quarto.— Vocês dois ficaram no mesmo quarto ontem à noite? — Fukui perguntou lentamente, arqueando uma sobrancelha, um sorriso insinuante brincando no canto de seus lábios.Senti meu rosto esquentar com a insinuação. Fiz uma careta e, embora estivesse incomodada, mantive o tom firme ao responder:— Somos casados, você sabe.Ele me lançou um olhar afiado, o sorriso apenas aumentando.— Não é o que você está pensando — resmunguei, sem ceder.Fukui soltou uma risada profunda, que me pegou desprevenida, enquanto ele brincava:— Claro que não é.Revirei os olhos e, com um bufar, segui em direção à porta.— Se você vai continuar assim, vou deixá-lo falando sozinho.— Ah, vamos, Hime — Fukui chamou atrás d
— Fiquei surpresa que tenha aceitado meu convite — disse Sophia, esboçando um leve sorriso, enquanto me observava com curiosidade. — Como estão as coisas? Não tivemos chance de conversar na festa; você e seu marido saíram cedo.Olhei para o chá em minhas mãos, buscando as palavras certas. Sentia meus lábios se apertarem involuntariamente, e meus dedos tamborilavam suavemente na mesinha de madeira. Era curioso estar aqui, no mesmo café onde nos conhecemos, mas agora acompanhada por dez guardas que, embora discretos, tornavam nossa conversa um espetáculo cauteloso. Três sentados na mesa atrás de nós, dois de cada lado e cinco na rua, vigiando cada movimento ao redor, mantendo todos os outros longe do prédio. A dona do café foi generosamente recompensada, e a simples menção do nome Morunaga por um dos guardas foi suficiente para garantir sua colaboração — e seu medo. Fukui não estava comigo hoje, uma rara concessão que eu não ousaria questionar.— Conheci seu tio ontem — comentei, levand