&Beatrice&— Bea! — A voz do meu avô tremeu, os olhos brilhando, úmidos com lágrimas mal contidas. — Você está deslumbrante.Permaneci em silêncio, meu olhar fixo, impenetrável. O sorriso que ele esperava nunca veio. Percebi a hesitação em seu semblante, talvez pela primeira vez, ao ver esse olhar duro no rosto de sua neta. Não era a expressão de uma noiva, mas a de alguém prestes a entrar em uma batalha. Por um breve instante, notei um brilho de orgulho em seus olhos, como se admirasse essa força, ainda que inapropriada para o momento.— Querida, esse semblante sombrio não combina com um dia tão bonito. — Ele se aproximou, pousando a mão no meu ombro, o toque quente contrastando com o gelo que me envolvia por dentro. — Não pode sair por aí assim. Gojou pode pensar que está desafiando-o, como se quisesse tomar seu império. — Tentou brincar, mas o humor se perdeu entre nós. Talvez, em outra circunstância, eu risse também. Mas a ideia de que meu rosto sombrio poderia causar uma hesitaçã
&Beatrice&Senti as hastes do meu buquê cederem sob a pressão dos meus dedos, que apertavam cada vez mais a cada passo. Quando viramos a esquina, a visão das cadeiras brancas de madeira, ordenadamente alinhadas ao longo de um corredor improvisado, surgiu à minha frente. Flores delicadas adornavam as cadeiras, mas a beleza daquela cena me escapava completamente.Meus olhos encontraram meu pai primeiro, parado ao final do corredor, ao lado da minha tia. Recusei-me a permitir que ele me acompanhasse até o altar hoje. Não queria dar-lhe a honra de me entregar. Foi meu único pedido para o casamento e, felizmente, apesar de seus protestos, foi atendido.Os convidados se viraram para me encarar assim que a música mudou de tom, sinalizando minha chegada. Eu não os olhei de volta. Afinal, não conhecia a maioria deles. Exceto meus primos, que estavam sentados na primeira fileira, com expressões neutras, desprovidas da alegria que iluminava o rosto dos outros. Em vez disso, mantive meu olhar fix
Acordei com a realidade inescapável de que agora era a esposa de Ryuu Morunaga. Essa palavra — “esposa” — trouxe um gosto amargo à minha boca, um gosto metálico que parecia encher minha língua como sangue. Com um sobressalto, me desvencilhei dos braços de Ryuu, me perguntando em que momento da noite eu havia me aconchegado neles. Esperava que tivesse sido um gesto inconsciente.O cobertor fino que estava sobre meus ombros escorregou e caiu sobre a figura adormecida de Ryuu, que permaneceu imóvel, aparentemente alheio ao meu movimento. Ele estava, mais uma vez, sem camisa, usando apenas calças de pijama. Eu sabia que algumas mulheres o achariam atraente, mas para mim, a sensação que fazia meu coração disparar em sua presença era uma combinação incômoda de nervosismo e algo mais sombrio, que eu hesitava em reconhecer como atração.Essa era sempre a questão com os homens, não era? Eu conhecia perigosos o suficiente para desenvolver um medo compreensível do que eram realmente capazes. Ryu
Naquela tarde, arrastei-me até a cozinha, ignorando completamente a presença de Ryuu. Não trocamos palavras enquanto eu buscava algo para comer. Com tudo que precisava em mãos, dirigi-me à praia, desejando apenas a companhia do oceano e do meu livro. Já o havia lido uma vez, mas, naquela solidão, parecia a única coisa que me restava.Cinco minutos depois, ouvi passos atrás de mim e, para minha surpresa, Ryuu se juntou a mim. Em uma das mãos, equilibrava um prato de comida; na outra, um copo de uísque. Não disse uma palavra ao se sentar ao meu lado, no cobertor que havia estendido. Apenas o encarei em silêncio, arqueando uma sobrancelha em leve descrença.Ele havia se trocado, vestindo calças pretas e uma camisa branca, desabotoada no colarinho e com as mangas enroladas até os cotovelos. Mesmo sem o paletó e a gravata, Ryuu ainda parecia impecável, um contraste gritante com minha saia e colete confortáveis, além do grande chapéu que usava para me proteger do sol. Ele sempre mantinha aq
&Beatrice&— Morei com minha tia nos últimos quatro anos — comecei, sentindo o peso das palavras saírem em um tom arrastado. Eu lhe daria apenas o básico, nada além do necessário para satisfazê-lo por ora. — Trabalhei no restaurante dela enquanto terminava o ensino médio e, depois disso, continuei em tempo integral por dois anos. Pensei em voltar a estudar, encontrar maneiras de ajudar mais nos negócios da família. Não é só uma fachada para nós, é o sustento da minha tia.Mantive meu olhar fixo em um ponto na mandíbula de Ryuu, incapaz de encará-lo diretamente. Limpei a garganta, desviando os olhos para o oceano que se estendia à nossa frente, enquanto a inquietação crescia no meu estômago. Desde que soube deste casamento, não tinha mais pensado nos meus planos para o futuro.— Suponho que não terei mais esse luxo — murmurei, sentindo o peso da verdade apertar meu peito. Se estivesse sozinha, talvez chorasse pela vida que perdera, mas meu orgulho mantinha as lágrimas à distância.— Vo
&Ryuu&Com um suspiro exausto, rolei para fora da cama e fui até onde minha esposa agora dormia, encolhida no pequeno sofá. A expressão amarga em seu rosto, mesmo adormecida, deixava claro que aquele sofá não era, de forma alguma, confortável para ela. Pequeno demais para acomodá-la adequadamente, parecia uma prisão em vez de um refúgio.Abaixei-me e, com cuidado, passei os braços sob seus ombros e joelhos, erguendo-a do sofá. Ela era leve, mas ainda assim senti um leve esforço ao levantá-la. Sua cabeça repousou contra meu ombro, e a respiração quente dela roçou minha mandíbula, provocando uma sensação inesperada. Mesmo dormindo, Beatrice parecia uma pequena fera, a carranca ainda visível em suas feições. Era quase cômico como ela mantinha essa expressão de fúria, mesmo em seu sono.Lembrei-me de suas explosões de raiva, das palavras afiadas e das mãos que gesticulavam freneticamente, como se o ar ao redor dela pudesse ser moldado pela força de sua indignação. Qualquer outra mulher, e
Fechei os dedos em um punho tão apertado que minhas unhas cravaram na palma da mão, e me forcei a manter o silêncio. Se abrisse a boca, só conseguiriam sair insultos. Sabia que Ryuu estava se controlando até aquele momento, e, apesar da raiva que queimava em meu peito, não podia ignorar o perigo que sua fúria representava. Mordi os lábios, evitando olhar para ele durante toda a viagem até Los Angeles, cada fibra do meu ser concentrada em manter uma fachada de tranquilidade.Quando finalmente desembarcamos do avião particular, Ryuu quebrou o silêncio com uma voz baixa, quase num sussurro.— Tente manter sua raiva para si mesma — murmurou, enquanto pegava meu braço com firmeza, conduzindo-me pela pista. Para qualquer observador distante, aquilo poderia parecer um gesto íntimo entre recém-casados. — Não quero que ninguém perceba o quanto você me despreza.Cerrei os dentes, engolindo as palavras que lutavam para escapar. À distância, avistei um carro preto esperando por nós, com a figura
Os amplos degraus de pedra se estendiam desde a entrada da casa até a porta da frente, flanqueados por sebes altas e quadradas, enquanto árvores e arbustos meticulosamente podados decoravam o caminho. Atrás de mim, o vasto gramado parecia se estender até o horizonte.— O que acha da sua nova casa? — Gojou pousou uma mão pesada no meu ombro, e eu me esforcei para não demonstrar desconforto. Mais uma vez, ofereci-lhe apenas um sorriso de lábios apertados e um aceno breve.Enquanto ele desaparecia no interior da mansão, permaneci onde estava, hesitante. Não sabia ao certo por que não o segui. Fugir era impossível. Eventualmente, eu teria que entrar, mas prolongar esse momento parecia um pequeno ato de rebeldia contra o destino.— Vai entrar ou não? — A voz rouca de Ryuu ao meu lado me tirou dos pensamentos. Ele me lançou um olhar impaciente, bufando quando não respondi de imediato. — Tenho trabalho a fazer.Senti meu humor azedar instantaneamente.— Estou te atrasando? — respondi, um toq