No relógio do hall soaram as doze badaladas da meia-noite e Amie revirou-se novamente na cama.
Não conseguia conciliar o sono, e, como de costume, ficar na cama não adiantaria nada.
Resolveu então, ir até a biblioteca de lorde Hallen e procurar um livro que a fizesse dormir, ou, pelo menos, ajudasse a passar o tempo. Apertando bem o penhoar de tecido fino em torno do corpo, desceu as escadas, empunhando um pesado castiçal. Seria uma invasão, ela sabia, mas se ele não ficasse sabendo...
Não parecia haver luz dentro do aposento. Ela entrou, agradecendo à Sra. Fitzwaring pelo ótimo trabalho na conservação das dobradiças.
As prateleiras de livros ocupavam todas as paredes, exceto onde estavam as janelas em arco, que conferiam uma luminosidade agradável à biblioteca durante o dia. Uma grande lareira de mármore azul e branco dominava o ambiente. As poltronas de couro escuro que a cercavam, estavam abarrotadas de livros e papéis. Caos organizado, pensou, sorrindo para si mesma. Ao fundo, havia uma escada em caracol.
Parada no centro do cômodo, ergueu o rosto para o segundo andar da biblioteca, por onde as prateleiras e janelas continuavam até o teto.
Aquele era o território dele. A presença de Connor St. James estava em cada livro e em cada móvel. O ar recendia a couro, conhaque e livros antigos.
Amie aproximou-se de uma das prateleiras e correu os olhos pelos volumes antigos e preciosos.
—Costuma perambular pela casa de todos os seus patrões a esta hora da noite, miss Templeton?
A voz melodiosa, porém séria de lorde Hallen assustou-a, e Amie derrubou o castiçal ao virar-se para encará-lo.
—Milorde, eu... eu não... – gaguejou ela – Perdoe-me, milorde, eu não conseguia dormir e... – que tolice estava dizendo! Certamente não era do interesse do conde seu histórico de insônia! – Perdoe-me mais uma vez Vossa Graça. Vou me recolher.
Com uma reverência apressada, ela caminhou para a porta da biblioteca atrás dele, mas o conde a deteve esticando um braço em seu caminho.
—Não pretendia assustá-la, miss Templeton – Ele sorria agora – Pode escolher um livro e se recolher, mas apreciaria muito sua companhia.
—Eu lhe agradeço, milorde. – Ela sorriu, mais relaxada. – Também sofre de insônia, meu senhor?
— Infelizmente, sim. Sente-se, por favor. Aceita um Xerez?
—Non, merci. – Amie acomodou-se em um sofá e Connor a seu lado – já que as demais poltronas estavam ocupadas – com um cálice da bebida entre as mãos.
O corpo forte recendia ao ar frio da noite, o que sugeria que lorde Hallen não era tão recluso quanto a Sra. Howard e Jesus dos Reis haviam dito.
—Tem insônia há muito tempo, miss Templeton?
—Desde antes do falecimento de minha mãe, Il y a deux ans. – Ela soltou um suspiro triste e olhou para ele. – E o senhor, milorde?
—Dois anos também, desde aquele fatídico Natal. – Ele baixara a cabeça e parecia muito interessado no conteúdo de seu copo. – Uma estranha coincidência. – murmurou.
O que ele disse a fez lembrar-se da indiscrição que cometera dias atrás.
—Milorde, eu... preciso me desculpar. – começou.
—Pelo quê? – Os olhos escuros voltaram-se para ela. Ele parecia cansado e triste, e Amie sentiu o coração apertar-se novamente.
—Pela minha indiscrição, na manhã em que cheguei. Não deveria ter-lhe perguntado sobre o acidente e muito menos ter dito o que disse.
—Não se preocupe, não fiquei zangado. – Sorriu novamente, fazendo o coração de Amie se derreter. – Então, – ele disse, mudando o foco da conversa para ela. – como uma moça tão jovem, consegue referências tão excepcionais?
—Excepcionais? Creio que não chega a tanto, milorde! – Ela corou, sem jeito, e ele a achou ainda mais bonita. – E não sou tão nova assim, já tenho vinte e cinco anos.
—É uma criança, ainda... – disse o conde, mais para si mesmo.
Passaram alguns momentos olhando-se nos olhos, até que o embaraço obrigou Amie a quebrar o silêncio.
—Gosto muito de crianças e me dou bem com elas. Tive uma boa educação, portanto acho que posso transmitir algo à les enfants.
Ela parou de falar por um momento e sorriu. Connor sentiu o coração palpitar. O sorriso dela era tão doce! – E creio que a noção de que nenhuma criança é mais peralta do que as que vivem no orfanato ajuda bastante.
O conde riu um riso cristalino e sincero. Um riso que há muito tempo ninguém ouvia, nem ele mesmo.
— Entendi. Mantém um orfanato, miss Templeton?
— Oh, non! O orfanato fica próximo à vila onde passei uma parte de minha infância e onde morei depois da morte de papai. Passei a visitar as crianças, dar-lhes carinho e atenção... depois que minha mãe morreu.
—Um lindo gesto, senhorita.
— Merci, milorde. É muito gratificante ajudar e les enfants retribuem com muito carinho. No entanto, tenho de admitir que uma razão profundamente egoísta me levou a eles.
—Não acredito que seja egoísta, miss Templeton. Deve estar exagerando.
—Envolvi-me com elas para poder seguir em frente, depois que minha mãe morreu. Sentia-me totalmente perdida naquela época. Talvez milorde não saiba como é, já que sua mãe está viva. Aquelas crianças ocuparam-me a mente e o coração, e, desse modo, foi mais fácil aprender a conviver com a dor de tê-la perdido.
—Mesmo assim, é um gesto muito bonito, miss Templeton. Tenho certeza de que estas crianças são afortunadas por terem a senhorita a olhar por elas.
—Acredito que sejam felizes lá, independentemente de minha presença. Algumas se recusam a serem adotadas. São terrivelmente travessos, em sua maioria, mas são como meus filhos.
—Seus olhos adquirem um brilho especial quando fala dessas crianças. – comentou o conde aproximando-se.
—Vous me mettez dans l´embarras... encabulada, milorde! – ela exclamou, corando novamente.
—A senhorita mistura o francês à nossa língua! – ele comentou, de repente. Amie olhou-o, assustada e engoliu em seco.
—Eu... Isso é um problema, milorde?
—Não, não, de modo algum! – Ele sorriu – Apenas não havia notado. Muito atraente... E tem um lindo sotaque também... Diga-me, miss Templeton – Ele se aproximou mais um pouco – nunca pensou em se casar?
— Eu? – Ela parecia surpresa – Non, jamais. Não tenho essa pretensão.
— E por quê? – Ele estava ainda mais perto, e Amie ficava mais e mais ciente de sua presença sensual. – É jovem e muito bonita, deve ter centenas de pretendentes.
—Não sou do tipo que... se casa, milorde. Não tenho o tipo físico e muito menos o temperamento padrão das moças que se casam. Minha mãe costumava dizer que sou alta e independente demais para me casar...
— Discordo. – ele disse num sussurro.
— O que disse, mi...
Ela virou a cabeça na direção dele e seus lábios encontraram-se num leve roçar, que se transformou em um beijo ardente quando o conde capturou-lhe os lábios macios nos seus e pousou as mãos fortes nas têmporas de Amie.
Surpresa, ela prendeu a respiração, mas logo se rendeu ao desejo crescente que emanava do lorde e deixou-se levar pelo gosto dos lábios dele e por todas as fantasias que havia criado ao longo dos anos. Jogou os braços ao redor do pescoço dele, enfiando as mãos nos cabelos compridos, soltando-os da tira de couro que os atava na altura da nuca.
O beijo durou até ambos ficarem sem fôlego.
—Mon Dieu! – Ela se afastou tão bruscamente que a touca branca que usava, já solta pelas mãos dele, caiu no chão revelando-lhe os cabelos.
—Amie, eu... – Ele também estava atordoado, mas não parecia arrependido, como ela também não estava, aliás.
—Non diga nada, milorde. Esqueçamos o que se passou aqui – A voz dela soava pouco convincente, para ambos. – Bonne soirée.
Sem olhar para ele, Amie levantou-se e saiu; os cabelos escuros flutuando atrás dela; a touca de linho esquecida no chão.
Connor recostou-se no sofá e fechou os olhos, relembrando o gosto dos lábios dela, o rosto bonito afogueado, os lábios inchados e vermelhos, o cabelo cor de chocolate descendo pelos ombros e seios e o robe de seda, meio aberto, revelando uma parte do colo alvo que a camisola não cobria. Mas o que mais lhe chamou a atenção foram os olhos, dourados como o crepúsculo, brilhando de desejo...
O conde levantou-se e deu dois passos, pretendendo ir atrás dela, mas seu senso de decoro atingiu-o imediatamente.
O que diabos ele fizera? Que tipo de homem havia se tornado? Um que não podia se controlar diante de uma bela dama, ao que parecia. Mas Amie lhe conferia paz à alma, e ele se sentia bem e confortável ao seu lado, como nunca se sentira com uma mulher antes, desde Eeve.
Com um muxoxo desgostoso, tomou o restante do drinque e jogou a taça de cristal na lareira. Subiu a escada de ferro forjado, com a intenção de deitar-se, sem a esperança de conseguir dormir, no entanto.
O que, pelos Céus, ela estava fazendo! Amie correu escada acima, tomando a direção em que achava que ficava seu quarto, mas chegou ao fim do corredor sem encontrá-lo. Havia marcado a entrada por um busto em mármore de Júlio César, mas a obra de arte não estava lá...
Uma janela em arco abria-se para o jardim, deixando a luz da lua entrar. Encostou-se à parede para recuperar o fôlego. Fechou os olhos e viu o rosto dele. Os ângulos fortes, o nariz cinzelado, ligeiramente torto, os lábios finos e sensuais. Com os cabelos compridos caindo em volta do rosto e os olhos escuros e brilhantes, o conde fazia-a lembrar-se dos heróis de seus romances favoritos. Exatamente o tipo de homem com que ela costumava sonhar.
Agitando a cabeça de um lado para o outro, Amie riu de si mesma e das tolices em que estivera pensando e, sem querer, bateu com o cotovelo na tapeçaria pendurada ao lado. O som oco produzido pela pancada despertou sua curiosidade.
Levantou a tapeçaria e descobriu uma maçaneta. Girou-a e entrou no cômodo. Ficou parada por alguns momentos na entrada, observando o que devia ter sido, há algum tempo, uma sala de música.
Havia ali um piano antigo, um cravo e algumas caixas de instrumentos de corda. No fundo da sala, havia também um sofá de tecido cor de pêssego adamascado. Em cima dele, uma linda boneca de porcelana de rosto claro e perfeito e cabelos escuros cacheados vestia um gracioso vestido azul. Tudo estava coberto de poeira e o chão estava repleto de partituras amareladas.
Notando algo tombado sobre o piano, Amie aproximou-se e pegou o objeto.
Era um porta-retratos. A fotografia mostrava uma mulher de meia idade sentada em uma cadeira de vime; ao seu lado, uma bonita jovem de cabelos negros segurava sua mão. Atrás da moça, um homem mais velho e sóbrio, muito bonito; ao lado deste, outro cavalheiro também de meia idade apoiava a mão sobre um ombro da mulher. Em seguida ao homem mais velho, havia um outro rapaz, de idade intermediária entre a moça e o primeiro homem. Ele deveria ter pouco mais de vinte anos e sorria como se o mundo fosse um grande parque de diversões. Era bonito. Pele morena, ombros largos e cabelos compridos.
Foi então que Amie compreendeu. Aquela era a família dele. Seus pais, a jovem lady Annabel, provavelmente seu marido e o próprio conde quando jovem. Uma linda família...
Passos soaram na escada e Amie apressou-se em sair. Uma chuva pesada caía lá fora. Encostou-se ao caixilho sombreado e ficou observando os pingos grossos que batiam no vidro até que o som dos passos desaparecesse.
Lembranças assaltaram sua mente, lembranças da infância em Lyon e Emerald Hills, quando saía para caminhar e brincar na chuva. Sempre adorara água.
Em silêncio, ela caminhou de volta pelo corredor, desceu as escadas e então rumou para a cozinha, saindo pela porta dos fundos. Quando a chuva molhou seu rosto, ela o ergueu para o céu e sorriu.
Caminhou pelo gramado e foi sentar-se ao lado da fonte no jardim de rosas.
Jamais esqueceria aquela noite... Seu coração palpitava ao lembrar o gosto dos lábios dele e da pressão gentil que exerceram sobre os seus... Ela nunca havia sido beijada daquela forma, o que era muito perigoso, já que ele era um conde e seu patrão acima de tudo. Tinha de esquecer aquele beijo...
—Amanhã... – murmurou para si mesma, passando os dedos pelos lábios sensíveis. Não pensaria mais nele amanhã. Por enquanto, queria dar-se ao luxo de revivê-lo e saborear o gosto que o conde deixara em sua boca. Deitou-se na borda de pedra da fonte. A chuva caía em seu rosto e cabelos, misturando-os à água da fonte.
O conde era um homem fascinante, tinha de admitiu. Rico, bonito, bem sucedido e extremamente infeliz... Uma vida cheia de tragédias, pobre homem. Quem pensava que a nobreza não tinha problemas, estava muito enganado. Ela bem sabia disso, pois já provara sua cota. Não era tão fácil quanto parecia.
Que diabos ela estaria fazendo lá fora? Connor olhava pela janela de seu quarto quando viu a silhueta esguia de Amie caminhando pelo jardim. Deveria ir atrás dela?
Não, fosse qual fosse o motivo, ele pertencia unicamente à Amie. Ele deveria, sim, sair da janela e deixá-la em paz, mas algo o impedia. Talvez a lembrança dos cabelos escuros caindo pelos ombros e ao redor do rosto afogueado... Ou então, a expressão deliciosamente surpresa nos olhos dourados quando se separaram.
Estranhamente, algo naquela moça despertava nele um sentimento que há muito estava adormecido.
Quando ela levou a mão aos lábios macios e deitou-se na borda da fonte, Connor quase saiu correndo de seu quarto para tomá-la nos braços novamente. De repente, todo o seu mundo dizia respeito àquela doce e misteriosa jovem de olhos cor de ouro.
Sua cabeça latejava e sua virilha pulsava, exigindo satisfação. Fazia tanto tempo já... Mas o conde apenas sacudiu a cabeça de um lado para o outro, tentando expulsar tais pensamentos de sua mente. Banhou o rosto e o pescoço com água fria do jarro sobre a cômoda e foi deitar-se com um suspiro frustrado.
19 de Maio de 1888.
Saí para caminhar na chuva hoje. Há muito tempo não fazia isso. Foi revigorante, com certeza. Ainda não acredito no que aconteceu na biblioteca. Ele me beijou! Santo Deus! Nunca fui beijada daquele jeito antes! Foi quase fantástico demais para acreditar. Ele parecia aturdido, tão aturdido quanto eu.
Queira Deus que não se repita, pois sinto que não poderei resistir ao encanto deste homem por muito tempo se ele continuar me beijando assim!
De certa forma, meu coração já é dele, e há muito tempo... Eu devia parar de sonhar! Aquilo foi um fato isolado, é óbvio que nunca mais vai acontecer! Onde já se viu, o lorde e a governanta! Preciso parar de ler romances!
Não via o conde desde o dia em que cheguei. A Sra. Fitzwaring diz que ele fica o tempo todo na biblioteca, que tem uma porta de acesso ao quarto dele. São poucos os que o veem: a própria Sra. Fitzwaring, o criado que leva suas refeições e seu secretário particular, Jesus dos Reis. Nunca mais o vi também. Gostaria de conhecê-lo melhor, pois todos falam extremamente bem dele. Nesta circunstância preocupo-me com a pequena lady, pois ela parece idolatrar o tio, mas quase não o vê. Devo fazer algo a respeito? Talvez, mas o primordial é evitar encontros noturnos com o conde!
Descobri um cômodo hoje, no final do corredor. A porta estava oculta por uma tapeçaria; talvez eu não devesse ter entrado, mas minha curiosidade sempre foi um grande defeito. O cômodo parecia ter sido uma sala de música, havia instrumentos musicais lá, e um retrato da família dele também.
Ele cheirava a orvalho... Onde teria ido?
O brilhante sol da manhã terminou por despertar Connor do que ele julgava sua melhor noite de sono em anos.—Ah! Finalmente acordou!A voz do amigo e secretário soou por trás do cortinado quando o conde se espreguiçou ruidosamente na cama.—Jesus? Que horas são?Abrindo as cortinas, Connor viu o amigo confortavelmente instalado em uma das poltronas escuras. Pilhas de papéis espalhavam-se pelo chão e em seu colo.—Passa das onze, milorde. Sua mãe deve estar feliz esta manhã! Está agindo como o nobre que é! – zombou o enorme rapaz de pele escura.— Cale a boca, Jesus! Nem você vai me tirar do sério esta manhã!—Você nunca está tão feliz assim logo que acorda. A que se deve esse fabuloso estado de espírito?—À Ártemis! – disse o conde simplesmente.
Mais tarde, naquela mesma noite, a Sra. Fitzwaring foi visitar a convalescente, trazendo-lhe uma bandeja com chá e bolo.—Boa noite, miss Templeton. Sente-se melhor?—Oh, sim! Muito melhor, obrigada.—Que bom. Fiquei preocupada quando desmaiou na cozinha.—Eu peço desculpas. Acho que causei a maior confusão lá em baixo. O conde foi muito gentil e atencioso durante toda a tarde.—Milorde sempre foi assim. Preocupava-se com todos, desde pequeno.—A senhora está aqui há muito tempo, não é, Sra. Fitzwaring?—Sim. Quarenta e cinco dos meus sessenta anos foram dedicados à família St. James.—Quarenta e cinco?! Mon Dieu! É uma vida inteira!—De fato. Mas foi uma vida muito feliz. Minha mãe era a governanta antes de mim. Eu comecei como ajudante de cozinha aos quinze anos.&mda
Na manhã seguinte, após o passeio, enquanto Ethnee descansava em seu quarto, Amie desceu até a biblioteca, bateu e não obtendo resposta, entrou. Como sempre fazia, parou à entrada, contemplando o lindo ambiente.Onde, por Deus, ela iria encontrar um livro de lendas chinesas?- pensou ela, ao parar ao pé de uma enorme estante de madeira escura, forrada de livros, do chão ao teto.Levou alguns minutos para entender o método de organização do conde, mas assim que o fez, deduziu que os livros que procurava deviam estar no piso superior da biblioteca.Seus passos na antiga escada de metal ressoavam como acusações aos seus ouvidos. Estava invadindo a privacidade de seu patrão! Outra vez. Imediatamente as lembranças do beijo trocado no sofá invadiram os pensamentos de Amie.—Oh Dieu! – gemeu.Em seguida, tratou de exp
A caleche rodava pela rua movimentada, o sol estava a pino. Amie afagava os cabelos de Ethnee, que se aninhara em seu colo, enquanto observava o movimento da rua.—Ethnee, ma chérie, você se importaria em responder-me uma pergunta?—Claro que não, Amie, pode falar.—Seu tio me parece ser muito triste. Por quê? Eu entendo que ele sofra pela perda de seus pais, mas este sofrimento já deveria ter arrefecido.Houve um longo silêncio antes que a menina finalmente respondesse.—Tio Connor se culpa pela morte de meus pais.—Imaginei que fosse isso, mas por quê? Seus pais não morreram em um acidente de carruagem?—Sim, foi isso o que aconteceu.—Continuo não entendendo. Era ele quem conduzia o veículo?—Não. Quero dizer, não sei. Não me lembro de quase nada daquela noite... – Ethne
Connor ouviu o barulho de passos apressados no hall e abriu a porta da biblioteca.—Vai sair assim tão cedo, miss Templeton? – disse, aproximando-se.A voz agradavelmente forte roubou por completo a atenção de Amie, que errou o laço que dava na fita de seu chapéu.—Bom dia, milorde! Sim, vou sair. Hoje é quinta-feira, vou visitar alguns amigos e tenho uma porção de coisas a resolver no orfanato.Ela ainda estava atrapalhada com a fita de cetim sob o queixo. Então, com um sorriso travesso, ele se aproximou e afastou-lhe as mãos.—Deixe-me ajudá-la com isso, sim?As mãos dele estavam frias. No entanto, onde quer que elas tocassem, a pele de Amie parecia pegar fogo. Ela sentiu o rubor tingir sua face, o que alargou o sorriso do conde, formando as duas covinhas no rosto bonito, que davam ao lorde um quê de garoto traquina.&md
Um ruído noturno qualquer acordou Amie, que se assustou ao perceber que estava em sua própria cama. Como fora parar ali? Sentou-se e apoiou o queixo nos joelhos. Lembrava-se de Connor, parado à porta do quarto, magnífico como sempre... E do beijo que haviam trocado. Lembrou-se também da conversa amistosa que haviam tido. E, é claro, ela se intrometera em sua vida novamente.O conde era um homem como poucos. Nunca antes Amie conhecera alguém assim, aristocrata, burguês ou plebeu. E ela podia afirmar isso com toda a convicção: já provara sua fatia da nobreza e não a achara tão apetitosa assim. Mas seu patrão, Connor St. James, o conde de Hallen, nada tinha em comum com os opulentos cavalheiros da Corte. Era gentil, bondoso, inteligente e algumas vezes, até alegre, quando o fantasma daquele acidente parecia deixá-lo.Amie passou pela porta de comunica&ccedi
Depois de passar o resto do dia correndo de um lado para o outro, Amie finalmente pôde sentar-se em sua cama e pensar... Apenas uma pessoa lhe mandaria uma mensagem como aquela... Tinha certeza de que ele não faria nada que não lhe fosse vantajoso, mas então... O que ele ganharia atormentando-a?Recostou-se por um momento, tentando clarear a mente e pensar com calma...Por que estava tão escuro? Deveria haver pelo menos uma vela acesa...—Mãe... Maman está tudo bem?—Isso só depende de você, senhorita. – A voz no escuro assustou-a e ela correu a acender uma vela, que iluminou parcamente o pobre cômodo.—Quem é você? Que faz aqui? Afaste-se de minha mãe!—Acalme-se, boneca! – O semblante do homem fechou-se em uma carranca ameaçadora. – Vim falar-lhe da parte de meu senh
Amie saiu cedo para o orfanato no dia seguinte. Em sua mesa, uma notificação oficial a esperava. Uma nova criança iria morar ali, mas ela deveria buscá-la o mais rapidamente possível, num hospital em East End.Saiu antes mesmo que as crianças a vissem e tomou um coche de aluguel, chegando ao endereço indicado meia hora depois. Apeou em frente a uma casa muito antiga, mas bem conservada, cercada de jardins floridos. A placa sobre o pórtico chamou-lhe a atenção. Lia-se Clínica Popular Alexander St. James. Seria possível? Teria aquele lugar alguma coisa a ver com Connor? Sem deixar de pensar nisso, entrou na casa e, imediatamente, foi contagiada pela atmosfera alegre do lugar.Mulheres vestidas de branco andavam de um lado para o outro, com bandejas, flores, ou empurrando uma cadeira de rodas. Algumas pessoas sentavam-se na sala e bebericavam café ou chá.Uma