O jantar na casa de Luana estava confortável e acolhedor, como sempre. Ela era uma das poucas pessoas que sabia como me fazer sentir em casa, e hoje parecia particularmente empenhada em algo mais. Alice estava ocupada conversando com Luana, quando Charles se juntou a mim no quintal. Ele parecia mais distante do que no jantar, os olhos perdidos nas sombras que as árvores projetavam sob a luz das estrelas.— Luana sempre tem essas ideias — ele comentou, sorrindo de leve. — Acho que ela realmente acredita que o jantar de hoje foi por acaso.Ri, sabendo bem como minha amiga adorava se intrometer e juntar pessoas. No entanto, percebi algo no olhar dele, uma melancolia que o sorriso discreto não conseguia esconder.— E você? Veio visitá-la porque está precisando se distrair? — arrisquei perguntar, e ele balançou a cabeça lentamente, como se pesasse as palavras antes de responder.— Algo assim — ele suspirou, enfiando as mãos nos bolsos. — Acabei de sair de um relacionamento. Acho que,
No fim de semana seguinte, recebi uma mensagem inesperada de Charles. Ele convidava Alice e eu para um passeio no cinema com seus sobrinhos. Sorri ao ler o convite, lembrando-me do nosso diálogo sincero na casa de Luana. Talvez Charles também tivesse sentido o mesmo alívio, uma conexão inesperada e genuína, como se, por algum motivo, pudéssemos ser um suporte um para o outro.Uma amizade que veio em um momento bem oportuno para nos dois. Alice ficou empolgada ao saber do passeio, e isso já fazia o convite valer a pena. Ao chegarmos no cinema, Charles e seus sobrinhos nos aguardavam. Ele acenou para mim com aquele sorriso calmo, de alguém que já viveu coisas demais para querer complicações desnecessárias.Depois que as crianças escolheram seus lugares e se perderam na empolgação dos trailers, Charles e eu nos sentamos lado a lado, e ele lançou um olhar para mim, um pouco hesitante.— Não pensei que você aceitaria o convite — ele admitiu em voz baixa, enquanto a tela começava a se
Estava decidido a ignorar qualquer sugestão de Fernanda naquele fim de semana, mas ela conseguiu me puxar para mais uma de suas ideias torturantes: uma loja chique de roupas de bebê. Algo em mim já sabia que isso acabaria mal, mas Fernanda nunca se deixava intimidar por meu humor ácido.— Isaías, vamos, não é grande coisa, você precisa se preparar para isso — ela insistiu, puxando-me pelo braço como se eu fosse uma criança teimosa.Revirei os olhos, sentindo o sangue ferver. Eu já tinha deixado claro que não via necessidade nisso, mas aparentemente, o meu “não” não era suficiente para ela.— Fernanda, eu não preciso disso! — soltei, tentando afastar meu braço da mão dela. — Se eu quisesse passar meu tempo olhando essas... baboseiras de roupinhas, eu faria isso sozinho.Ela lançou-me um olhar como se eu estivesse falando uma completa insanidade.— Isaías, é o seu filho. Você precisa começar a pensar nisso. Ter um mínimo de sensibilidade e se conectar com essa ideia.Eu ri, mas foi u
Era uma tarde comum, ou pelo menos eu pensei que seria. Precisava ir a um shopping fora da cidade, pois meu telefone havia dado problema e a única assistência autorizada ficava naquele local. Caminhava distraída, a mente cheia de pensamentos, quando meus olhos se fixaram em uma cena que fez meu coração congelar.Isaías estava lá, parado ao lado de Fernanda em frente a uma vitrine de roupas de bebê. Ela sorria, encantada com um macacãozinho azul claro que segurava nas mãos, e ele… ele parecia sereno. Presente. Quase confortável.Fiquei ali, sem conseguir me mover. A realidade diante de mim era um golpe forte demais para suportar. Meu peito apertava tanto que quase me faltava o ar. O homem com quem eu tinha compartilhado tanto, que conhecia minhas falhas, meus medos, estava ali, ao lado de outra mulher, escolhendo roupinhas para um bebê que eu nunca teria com ele. A mesma pessoa que dividira comigo noites de conversas e segredos estava construindo uma vida da qual eu jamais far
Posso sentir o peso das palavras que ecoam no vazio dessa prisão que criei – ou que deixei ser criada ao meu redor. Cada detalhe dessa história, cada erro, parece se multiplicar, ampliando o sufoco. Por um instante, tento lembrar de quem eu era antes de tudo isso, antes de Fernanda transformar meus dias em uma sequência interminável de frustrações. Mas é como tentar enxergar através da névoa: tudo se desfaz no instante em que parece ganhar forma.Fernanda. Só de pensar nela, sinto um misto de asco e desgosto. Lembro-me de como ela se insinuou, trazendo sorrisos que agora parecem apenas máscaras bem calculadas. Nunca houve inocência ali, só uma voracidade fria, uma sede de possuir, de amarrar o que não lhe pertence. E agora, aqui estou eu, enredado em uma teia que ela teceu com precisão, sem falhas. O que parecia apenas uma noite sem propósito se tornou uma sentença de vida.Se em algum momento eu permiti que ela entrasse nos meus dias, esse foi o erro que ela aproveitou para d
A casa estava iluminada de forma acolhedora, com a música suave no fundo e o cheiro de comida ainda no ar, mesmo depois do jantar. Alice, como sempre, estava no centro das atenções, brincando com seus brinquedos enquanto os outros riam e conversavam ao redor da mesa. Charles, de modo um pouco mais reservado, parecia à vontade, embora sua postura ainda carregasse vestígios de um homem que, há pouco, estava lidando com um término difícil. Eu o observei por um momento, tentando entender o que passava por sua mente. Depois que todos se foram, e a casa voltou ao silêncio habitual, Charles e eu ficamos ali, na varanda, apreciando a noite tranquila. A lua estava alta e clara, e uma leve brisa agitava as folhas das árvores no jardim. Era o tipo de noite perfeita para conversas mais profundas. Ele foi o primeiro a falar. — Você é boa nisso, sabia? — ele disse, olhando para mim com um sorriso leve, mas os olhos demonstrando um toque de seriedade. — Em fazer as pessoas se sentirem
Eu não conseguia tirar da cabeça a cena do Isaías no shopping com Fernanda. Cada vez que fechava os olhos, era como se minha mente me forçasse a reviver aqueles momentos, e tudo o que eu queria era fugir dessa dor insuportável. Como eu pude me enganar a ponto de achar que algo entre nós poderia ser real?Aquela imagem dele com ela, tão confortável, tão próximo, me dilacerava por dentro. Ele estava com ela, comprando coisas para o bebê, e a única coisa que me restou foi o vazio. Como se nada do que vivemos, nada do que compartilhamos, tivesse significado algum. O que era tudo aquilo? O que eu era para ele, afinal?Fechei os olhos, tentando afastar a dor, mas era impossível. A cena ficava ali, nítida, na minha mente. Os sorrisos trocados, as palavras ditas entre eles, as gestos de carinho. Como se Fernanda fosse a mulher da vida dele, e eu... bem, eu era apenas uma espectadora, alguém que, de repente, se perdeu no meio da confusão de sentimentos que ele nunca soube ou quis divi
A tarde estava tranquila, o sol se pondo preguiçosamente no horizonte, tingindo o céu de um laranja suave, quase como se o dia quisesse se despedir devagar. Estávamos no parque, Alice correndo à minha frente, brincando com uma bola enquanto eu a observava de perto, como sempre. Ela era a razão pela qual eu ainda me levantava todos os dias. Sua energia, sua inocência, seu sorriso iluminado... ela era tudo para mim.Mas então, no meio daquele momento simples e tranquilo, Alice parou. A bola rolou para longe, mas ela não a seguiu. Ficou ali, imóvel, os olhos brilhando de algo que eu não conseguia identificar. Então ela me olhou, com um olhar tão puro, tão cheio de algo que parecia pesar mais do que uma criança poderia carregar. — Alby, quando eu vou ver o tio Isaías de novo? — a voz dela soou suave, quase como uma pergunta casual, mas havia algo em seu tom que me fez parar.O mundo ao redor se desfez por um segundo. A pergunta simples, inocente, estava me esmagando por dentro de