Ricardo ajeitou o jaleco branco sobre os ombros, ajustando a gravata que insistia em ficar ligeiramente torta. Ele olhou para o espelho do vestiário do hospital e deu um último suspiro antes de começar mais um longo turno na unidade de cirurgia cardiovascular. Aos 35 anos, ele havia conquistado muito mais do que sonhara quando decidiu seguir a carreira de medicina. Era respeitado, admirado pelos colegas e reverenciado pelos pacientes, que confiavam suas vidas a ele. Apesar de todas essas conquistas, Ricardo sentia que algo faltava.
Ele deixou o vestiário e caminhou pelos corredores do hospital, cumprimentando colegas e enfermeiros que já o conheciam há anos. O ambiente era quase como uma segunda casa para ele, mas, ultimamente, a rotina estava se tornando monótona. Cada cirurgia, por mais desafiadora que fosse, já não trazia o mesmo brilho de antes. Ricardo começava a se perguntar se havia algo mais esperando por ele do lado de fora daquele mundo.
Enquanto se dirigia ao refeitório para tomar um café antes de começar a primeira cirurgia do dia, algo chamou sua atenção. Era uma jovem de cabelos loiros, usando um uniforme simples, mas impecavelmente limpo. Ela estava colocando garrafas de água e bandejas em um carrinho, preparando-se para servir os pacientes. Ricardo nunca a havia notado antes, e sua presença repentina no hospital despertou a curiosidade nele.
Sem pensar muito, ele caminhou até ela, mantendo a expressão amistosa que sempre usava para falar com os funcionários.
“Bom dia”, disse ele, tentando parecer casual. “Você é nova por aqui?”
A jovem se virou e o encarou por um momento, e Ricardo sentiu o fôlego falhar por um segundo. Seus olhos eram de um azul tão intenso que pareciam capturar a luz fluorescente do corredor e refletir de volta com uma intensidade hipnotizante. Ela sorriu levemente, e ele sentiu seu coração bater um pouco mais rápido do que o normal.
“Bom dia, doutor. Sim, comecei a trabalhar aqui há algumas semanas,” ela respondeu com educação. “Sou Noemi, trabalho como copeira.”
Ricardo estendeu a mão, mantendo o sorriso no rosto.
“Prazer em conhecê-la, Noemi. Sou o doutor Ricardo, da equipe de cirurgia cardiovascular.”
Ela apertou sua mão rapidamente, voltando a focar no carrinho.
“Prazer, doutor. Se precisar de algo, estarei por perto.”
Ele percebeu que ela já estava voltando ao trabalho e sentiu uma pontada de decepção. Não estava acostumado a ser dispensado tão rapidamente, mas havia algo na atitude dela que o intrigava. Em vez de insistir na conversa, Ricardo deu um passo para trás e deixou que ela continuasse seu trabalho.
Durante os dias seguintes, Ricardo começou a notar Noemi com mais frequência. Ela sempre estava nos corredores, entrando e saindo dos quartos com bandejas ou conversando com os pacientes com uma gentileza que fazia o coração dele apertar. Ele não conseguia entender por que, mas algo naquela mulher o cativava. Ela era bonita, sim, com seus cabelos loiros e olhos azuis penetrantes, mas havia algo mais – uma luz nos olhos dela, uma força e gentileza que ele raramente via em alguém.
Na manhã de uma quarta-feira, após terminar uma cirurgia que durou horas, Ricardo voltou ao refeitório para tomar um café e recarregar as energias. Para sua surpresa, encontrou Noemi sentada em uma mesa, olhando distraidamente para uma xícara de chá diante dela. Havia uma expressão cansada em seu rosto, algo que Ricardo não havia notado antes.
Ele se aproximou, e desta vez ela o viu chegando.
“Tudo bem se eu me sentar aqui?” ele perguntou, apontando para a cadeira ao lado dela.
Ela hesitou por um momento, mas então sorriu de forma educada e acenou.
“Claro, pode se sentar doutor.”
“Pode me chamar de Ricardo”, ele sugeriu, pegando sua xícara de café. “Afinal, estamos no intervalo agora.”
“Tudo bem, Ricardo”, ela disse, experimentando o nome como se fosse algo estranho em sua boca. “Está tendo um dia cansativo?”
Ele deu de ombros.
“Cirurgia complicada pela manhã. Mas faz parte do trabalho.” Olhando para ela, ele sentiu a necessidade de saber mais sobre aquela mulher que parecia tão dedicada ao que fazia. “E você, Noemi? Parece que também teve uma manhã difícil.”
Ela riu, e o som foi como um alívio para ele.
“Nada comparado ao seu trabalho, tenho certeza. Só fazendo minhas tarefas diárias.”
“E há quanto tempo você trabalha como copeira?” ele perguntou, genuinamente curioso.
“Há alguns anos,” ela respondeu. “Comecei logo depois que terminei o ensino médio. Precisava de um emprego, e acabei gostando do ambiente hospitalar. Trabalhei sete anos no outro hospital aqui da cidade, e neste aqui faz apenas quatro semanas!”
Ricardo assentiu, impressionado com a sinceridade dela.
“É raro encontrar alguém que goste de trabalhar em um hospital, especialmente com a carga pesada que vem com isso.”
Noemi sorriu.
“Eu gosto de poder ajudar, mesmo que seja em pequenas coisas. Faz com que eu sinta que estou fazendo a diferença, mesmo que ninguém note.”
Houve um momento de silêncio entre eles, e Ricardo sentiu uma conexão se formando, algo que ele não sentia há muito tempo. Mas antes que ele pudesse continuar a conversa, Noemi olhou para o relógio e suspirou.
“Preciso voltar ao trabalho. Foi bom conversar com você, Ricardo.”
“Foi bom conversar com você também, Noemi,” ele respondeu, observando enquanto ela se levantava e saía do refeitório, levando consigo aquele ar de serenidade e força que parecia envolver seu ser.
Nas semanas seguintes, Ricardo não conseguia tirar Noemi da cabeça. Ela era diferente de todas as mulheres que ele já havia conhecido – simples, mas com uma beleza natural e uma sinceridade que ele raramente encontrava. Ele a observava de longe, tentando entender por que ela o deixava tão intrigado.
Um dia, ele finalmente decidiu que não podia mais ignorar o que sentia. Esperou até vê-la novamente no refeitório e caminhou decidido em sua direção.
“Noemi, posso te fazer uma pergunta?” ele começou.
Ela olhou para ele com curiosidade.
“Claro, Ricardo.”
“Eu gostaria de te conhecer melhor,” ele disse com um sorriso sincero. “Você aceitaria tomar um café comigo um dia desses? Fora do hospital?”
Noemi congelou por um momento, e Ricardo sentiu um frio na espinha, temendo ter sido precipitado. Mas então, para sua surpresa, ela sorriu de um jeito triste.
“Ricardo, eu... eu agradeço o convite, mas não posso. Eu estou noiva.”
A revelação atingiu Ricardo como um soco no estômago. Ele abriu a boca para responder, mas as palavras não saíram. Noemi continuou, tentando parecer gentil, embora seus olhos demonstrassem o desconforto da situação.
“Vou me casar em alguns meses. Meu noivo, André, e eu estamos juntos há muito tempo. Eu sinto muito se dei a impressão errada.”
Ele conseguiu forçar um sorriso.
“Não, por favor, não precisa se desculpar. Eu só… não sabia.” O silêncio que se seguiu foi pesado, mas Ricardo decidiu não pressionar mais. “Espero que você seja muito feliz, Noemi.”
Ela assentiu, grata pela compreensão.
“Obrigada, Ricardo. Você é muito gentil.” E então, com um último sorriso, ela se afastou, deixando Ricardo sozinho em meio ao refeitório.
Enquanto a observava partir, Ricardo percebeu que, apesar do noivado, algo dentro dele havia mudado. Pela primeira vez em anos, ele sentiu que havia encontrado alguém que fazia seu coração bater de um jeito diferente. E, embora soubesse que a jornada à frente seria complicada, ele decidiu que não desistiria tão facilmente.
Ricardo não conseguia tirar Noemi da cabeça. Era como se, desde o momento em que ela lhe disse que estava noiva, algo tivesse se acendido dentro dele. Ele se sentia inquieto, dividido entre a realidade e a esperança de que, talvez, houvesse uma chance, mesmo que mínima, de conquistá-la. A notícia do noivado de Noemi havia sido um choque, mas não o suficiente para apagar a faísca que ela acendera em seu coração.Durante a semana seguinte, Ricardo mergulhou em seu trabalho como um refúgio, uma forma de evitar pensar em Noemi. As cirurgias, as reuniões, as conversas com os pacientes... tudo servia para distrair sua mente. Porém, cada vez que ele a via nos corredores do hospital, não conseguia evitar sentir um aperto no peito. Como ela conseguia ser tão gentil, tão cuidadosa com todos, parecendo não ter suas próprias preocupações e responsabilidades?Foi numa quinta-feira à tarde que o destino lhes pregou uma peça. Ricardo acabara de concluir uma cirurgia de oito horas – uma operação card
A rotina no hospital seguiu seu curso, mas tanto para Ricardo quanto para Noemi, as coisas já não eram mais as mesmas. Era como se, de repente, cada corredor, cada refeitório e cada troca de olhar tivessem se transformado em lembretes constantes dos sentimentos que tentavam, em vão, esconder.Noemi passava seus dias tentando manter o foco em suas tarefas, mas a presença de Ricardo parecia sempre próxima, mesmo quando ele não estava por perto. Ela tentava se convencer de que tudo não passava de uma ilusão, um momento de distração que logo passaria. Afinal, ela tinha um noivo que a esperava, e um casamento que já estava quase todo planejado. Mas, cada vez que via Ricardo, a dúvida se infiltrava em seu coração como uma sombra insistente.Foi numa manhã de sexta-feira que Noemi finalmente se permitiu admitir o que vinha tentando evitar: ela estava começando a se apaixonar por Ricardo. Era assustador e emocionante ao mesmo tempo, uma mistura de sentimentos que a deixava inquieta. Mas o que
Os dias no hospital continuavam a passar, mas a rotina agora parecia envolta em uma tensão silenciosa, como se todos os corredores e salas sussurrassem sobre o conflito que se desenrolava dentro do coração de Noemi. Cada encontro com Ricardo parecia um teste, um lembrete de que ela estava à beira de uma decisão que mudaria não só o seu futuro, mas o de André e do próprio Ricardo.Noemi tentava se convencer de que deveria manter o curso de sua vida. André era um bom homem, e o casamento com ele era o caminho mais lógico. Mas, cada vez que pensava em dizer o "sim" no altar, uma dúvida crescente a sufocava, deixando-a acordada à noite, encarando o teto e imaginando como seria sua vida se ela optasse por um caminho diferente. Um caminho que incluía Ricardo.Foi em uma manhã ensolarada de terça-feira que o universo decidiu confrontá-la de vez. Ela estava no refeitório, servindo os funcionários do hospital como de costume, quando ouviu a voz de André chamando seu nome. Ele raramente apareci
O dia amanheceu com uma névoa suave, como se o mundo refletisse a confusão que residia no coração de Noemi. Ela acordou cedo, mas não conseguiu encontrar a energia para se levantar da cama imediatamente. Olhou para o teto, sentindo o peso da manhã anterior ainda sobre seus ombros. A conversa com Ricardo no café havia sido como uma faísca que acendeu todas as emoções que ela vinha tentando sufocar.Ela sabia que não poderia mais ignorar a situação. O casamento estava a poucas semanas de distância, e cada vez que pensava em andar até o altar, era como se estivesse caminhando em direção a uma prisão invisível. No entanto, a ideia de magoar André era quase insuportável. Ele era seu companheiro há tanto tempo, seu amigo, sua família. Como ela poderia simplesmente jogar tudo isso fora?Noemi levantou-se finalmente e foi até a cozinha, onde André estava tomando seu café da manhã. Ele sorriu para ela quando ela entrou, e o carinho em seu olhar fez seu coração doer ainda mais.“Bom dia, amor”,
A manhã seguinte trouxe consigo a sensação de um novo começo, mas também a incerteza do que estava por vir. Noemi acordou com a cabeça cheia de pensamentos, mas, pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se um pouco mais leve. Havia uma honestidade em suas ações da noite anterior que a libertava. No entanto, a dor nos olhos de André ainda assombrava sua mente, e ela sabia que o caminho à frente não seria fácil.Ao chegar ao hospital, o ambiente já lhe parecia diferente. Não era mais apenas um lugar de trabalho, mas o cenário onde seu coração travava uma batalha diária entre a razão e a emoção. Ao cruzar os corredores, ela viu os rostos familiares dos colegas e pacientes, mas um par de olhos em particular a buscava.Ricardo estava à espera dela perto da sala de repouso. Ele a observou com um olhar preocupado, tentando decifrar a expressão dela. Quando finalmente se aproximaram, o mundo pareceu se afastar, deixando apenas os dois, ali, naquele momento.“Oi”, ele disse suavemente, tentand
Noemi acordou na manhã seguinte com uma sensação estranha de liberdade, mas também de responsabilidade. Ela tinha feito sua escolha, e, por mais que se sentisse aliviada por finalmente ter sido honesta consigo mesma, não podia deixar de pensar na dor que André estava sentindo. Afinal, o homem que ela deixara para trás não era um vilão, mas alguém que genuinamente a amava.Ela chegou ao hospital um pouco mais cedo que o habitual, tentando organizar seus pensamentos antes de iniciar mais um dia de trabalho. Enquanto caminhava pelos corredores, encontrou-se com algumas enfermeiras que cochichavam entre si e a olhavam de forma curiosa. Noemi percebeu que, de alguma forma, a notícia sobre ela e Ricardo estava começando a circular.Noemi respirou fundo. A última coisa que queria era se transformar em motivo de fofoca no hospital. Mas, ao mesmo tempo, sabia que não poderia controlar o que as pessoas pensavam ou falavam sobre ela. Tudo que podia fazer era seguir em frente com a cabeça erguida
Noemi sentiu que, depois de sua conversa com André, havia uma porta que finalmente se fechara em sua vida. Não era um fim abrupto, mas sim uma transição lenta e necessária. A relação que um dia tivera com ele sempre seria uma parte importante de quem ela era, mas agora era hora de seguir em frente, de criar um novo capítulo ao lado de Ricardo.O hospital, no entanto, parecia não querer deixá-la esquecer os desafios que sua escolha lhe traria. Naquela manhã, enquanto ela empurrava o carrinho de chá e café pelos corredores, pôde ouvir os sussurros, os olhares direcionados a ela. Era como se cada passo que dava fosse acompanhado por olhares críticos e julgamentos silenciosos. As enfermeiras trocavam olhares de lado a lado, e até mesmo alguns médicos que Noemi respeitava pareciam manter um olhar de reprovação.Ela tentou ignorar, manter o foco no trabalho, mas em certo momento foi impossível não ouvir os comentários.“Você ouviu sobre a copeira e o doutor Ricardo? Ela deixou o noivo por e
A primeira manhã na casa de Ricardo foi um misto de emoção e nervosismo para Noemi. Era a primeira vez que ela acordava em um lugar que, de certa forma, ainda era estranho, mas ao mesmo tempo, começava a se tornaria familiar. A luz do sol entrava pela janela do quarto, banhando os lençóis com um calor acolhedor, e ela pôde sentir o perfume suave de Ricardo ao seu lado.Ela se virou lentamente e o observou dormir, os cabelos castanhos bagunçados sobre o travesseiro, o rosto relaxado. Ricardo parecia um homem diferente quando estava dormindo – mais tranquilo, vulnerável, um lado dele que poucos tinham a chance de ver. Noemi sorriu e se permitiu aproveitar aquele momento de paz, sabendo que seria apenas o início de muitos outros que viveriam juntos.Quando Ricardo abriu os olhos e encontrou o olhar dela, sorriu preguiçosamente.“Bom dia”, ele disse com a voz rouca de sono, estendendo a mão para acariciar seu rosto.“Bom dia”, ela respondeu, sentindo seu coração acelerar. “Ainda parece um