A rotina no hospital seguiu seu curso, mas tanto para Ricardo quanto para Noemi, as coisas já não eram mais as mesmas. Era como se, de repente, cada corredor, cada refeitório e cada troca de olhar tivessem se transformado em lembretes constantes dos sentimentos que tentavam, em vão, esconder.

Noemi passava seus dias tentando manter o foco em suas tarefas, mas a presença de Ricardo parecia sempre próxima, mesmo quando ele não estava por perto. Ela tentava se convencer de que tudo não passava de uma ilusão, um momento de distração que logo passaria. Afinal, ela tinha um noivo que a esperava, e um casamento que já estava quase todo planejado. Mas, cada vez que via Ricardo, a dúvida se infiltrava em seu coração como uma sombra insistente.

Foi numa manhã de sexta-feira que Noemi finalmente se permitiu admitir o que vinha tentando evitar: ela estava começando a se apaixonar por Ricardo. Era assustador e emocionante ao mesmo tempo, uma mistura de sentimentos que a deixava inquieta. Mas o que ela poderia fazer a respeito? O noivado com André era uma promessa que ela fizera a si mesma há anos, quando ainda era uma adolescente cheia de sonhos e esperanças. Deixar tudo para trás agora parecia uma traição a tudo que ela acreditava ser correto.

Enquanto isso, Ricardo também lutava com seus próprios dilemas. Ele era um homem prático, acostumado a resolver problemas e tomar decisões rápidas em sua profissão. Mas, quando se tratava de Noemi, ele sentia como se estivesse pisando em terreno desconhecido. Ela não era uma cirurgia que ele podia planejar ou controlar; ela era uma força que o fazia questionar o que realmente importava em sua vida.

Ricardo sabia que precisava ser paciente, mas a cada dia que passava, essa tarefa se tornava mais difícil. Ele queria fazer parte da vida de Noemi, queria ser a pessoa que a fazia sorrir e a apoiava em seus momentos de dúvida. No entanto, ele sabia que não podia simplesmente pedir que ela deixasse tudo para trás sem lhe dar um motivo para acreditar que, ao seu lado, ela encontraria algo verdadeiro.

Foi com esses pensamentos que, certo dia, Ricardo decidiu agir. Ele estava no refeitório, tentando lidar com mais um café amargo de fim de turno, quando a viu entrar. Noemi parecia ainda mais bonita do que de costume, mesmo com o uniforme de copeira que mal demonstrava sua elegância natural. Ele a observou por alguns segundos antes de tomar coragem e caminhar até ela.

“Oi, Noemi”, ele disse com um sorriso que parecia iluminá-la. “Podemos conversar um pouco?”

Ela hesitou por um momento, olhando ao redor como se estivesse procurando uma desculpa para evitar aquele encontro. Mas, no fundo, sabia que também precisava falar com ele, entender o que estava acontecendo entre os dois.

“Claro, Ricardo”, ela respondeu, indicando uma mesa vazia no canto do refeitório.

Eles se sentaram, e por um momento, ficaram em silêncio, apenas se olhando. Ricardo foi o primeiro a quebrar a barreira invisível que os separava.

“Noemi, eu sei que você está comprometida, e respeito isso. Mas não posso fingir que não sinto algo muito forte por você.”

Ela baixou os olhos, o coração batendo acelerado no peito.

“Ricardo, eu... eu não sei o que dizer. Não quero magoar você, mas também não quero magoar o André.”

Ele assentiu, compreendendo a posição dela.

“Eu entendo, Noemi. Mas não posso deixar de acreditar que você merece ser feliz, de verdade. E, se há uma parte de você que sente o mesmo por mim, eu quero que saiba que estou disposto a esperar.”

Noemi sentiu as lágrimas se acumularem em seus olhos. Ela nunca imaginou que alguém seria tão honesto e aberto sobre seus sentimentos por ela.

“Não é tão simples assim”, sussurrou, lutando para encontrar as palavras certas. “André e eu... temos uma história, e eu não posso simplesmente jogar tudo fora.”

Ricardo pegou a mão dela sobre a mesa, um gesto que a fez estremecer.

“Eu não estou pedindo que você jogue nada fora, Noemi. Só estou pedindo que escute seu coração. Não deixe que as expectativas dos outros decidam sua vida.”

As palavras dele atingiram Noemi como uma onda de clareza. Pela primeira vez, alguém estava lhe dizendo que ela tinha o direito de escolher, de decidir o que queria para si mesma. E essa percepção a deixou ainda mais dividida.

“Eu preciso de tempo, Ricardo”, ela finalmente disse, puxando a mão de volta para si. “Não sei o que fazer agora, mas preciso de tempo para entender meus sentimentos.”

“Eu sei”, ele respondeu suavemente. “E eu estarei aqui, esperando por você.”

Noemi se levantou, sentindo que precisava se afastar antes que seu coração tomasse uma decisão por ela. “Obrigado por me entender, Ricardo”, disse antes de sair do refeitório, deixando-o sozinho com seus pensamentos.

Naquela noite, Noemi se deitou na cama ao lado de André, mas sentiu-se mais distante dele do que jamais havia se sentido. Ele estava absorto em seu celular, provavelmente planejando mais detalhes do casamento, e nem percebeu o turbilhão de emoções que passava pela mente dela. Ela se virou para o lado, tentando afastar a imagem de Ricardo de sua mente, mas era impossível. As palavras dele ecoavam em seus pensamentos, misturando-se com as dúvidas que ela tentava ignorar há semanas.

“Você merece ser feliz, de verdade.”

Noemi fechou os olhos com força, tentando segurar as lágrimas. Ela não sabia se era capaz de destruir uma história de anos com André, mas também não sabia se conseguiria viver o resto de sua vida sem experimentar o que Ricardo oferecia – uma chance de ser amada de uma forma que ela nunca havia sentido antes.

Enquanto Noemi lutava com seus pensamentos, Ricardo, em seu apartamento, olhava para o céu noturno pela janela. Sentia a angústia de não poder fazer mais do que esperar. Havia uma parte de si que queria agir, que queria correr atrás de Noemi e arrancá-la daquela situação, mas sabia que isso só a afastaria. Ele precisava deixá-la encontrar o próprio caminho, mesmo que isso significasse esperar à distância.

Nos dias que se seguiram, Noemi tentou se manter o mais distante possível de Ricardo, mas o destino parecia sempre colocá-los no mesmo lugar. Cada vez que se cruzavam pelos corredores do hospital, um olhar silencioso era trocado, carregado de perguntas não respondidas e desejos não confessados.

Até que, uma tarde, Noemi estava saindo do hospital quando encontrou Ricardo no estacionamento, encostado em seu carro. Ele parecia cansado, mas quando a viu, um sorriso surgiu em seu rosto.

“Noemi, podemos conversar? Só mais uma vez?”

Ela sabia que deveria recusar. Mas, em vez disso, ela assentiu.

“Sim, podemos.”

Ricardo respirou fundo, como se estivesse se preparando para uma cirurgia delicada.

“Eu só queria dizer que, independentemente do que você decidir, espero que seja feliz. Eu quero que você faça a escolha certa para você, não para mim, não para o André, mas para você.”

Noemi ficou em silêncio, sentindo uma lágrima escorrer pelo rosto.

“Obrigada, Ricardo”, sussurrou. “Obrigada por me mostrar que eu mereço escolher.”

E naquele momento, pela primeira vez em muito tempo, Noemi sentiu que, talvez, estivesse finalmente pronta para ouvir o que seu coração estava tentando dizer.