Enquanto Gabriel dirigia, o silêncio no carro era quase palpável. Mariana, ainda um pouco tonta, observava as ruas passarem em um borrão, tentando processar tudo o que acabara de acontecer. O gesto de Gabriel de levá-la para o apartamento dele, longe da influência da mãe, trazia uma sensação de segurança inesperada, mas também levantava dúvidas sobre o que aquilo realmente significava para ele.Ao chegarem, Gabriel abriu a porta do apartamento e a ajudou a se sentar no sofá. Em seguida, foi até a cozinha, voltou com um copo d'água e o entregou a ela, quebrando o silêncio tenso com uma pergunta carregada de sentimentos:— Por que você não me contou? — A voz dele saiu firme, mas baixa, como se tentasse manter o controle. Mas o tom, que parecia quase uma súplica, carregava também uma ponta de indignação.Mariana o olhou, sentindo um peso no peito. Ele merecia uma explicação, mas as palavras pareciam presas na garganta. Depois de um momento, finalmente balbuciou:— Gabriel… eu... não sabi
O amanhecer entrava pelas janelas, preenchendo a sala com uma luz pálida e fria. Mariana havia passado a noite em claro, o celular ao lado, a mente em um turbilhão enquanto tentava processar tudo o que vira. Vencida pelo cansaço e pela angústia, acabara adormecendo no sofá, o rosto marcado pela exaustão e pelas lágrimas.O som da porta sendo destrancada a despertou lentamente. Ainda grogue, abriu os olhos e viu Gabriel entrar, cambaleando. A expressão dele era abatida, e o cheiro de álcool o denunciava: ele havia bebido muito.— Gabriel? — murmurou, a voz carregada de incredulidade e surpresa ao vê-lo naquele estado.Ele parou, a expressão confusa enquanto tentava focar o olhar nela. O rosto estava cansado, e ele demorou a processar a presença de Mariana ali.— Ah… você ainda está aqui, Mariana… — disse ele, as palavras arrastadas, a voz carregada de cansaço e algo mais profundo que ele tentava esconder.Mariana se endireitou no sofá, sentindo a indignação e a mágoa crescerem enquanto
A luz da tarde se infiltrava pelas cortinas do quarto, despertando Gabriel aos poucos. Sentia a cabeça pesada e o gosto amargo da noite anterior, mas foi o silêncio da casa que realmente o incomodou. Ao abrir os olhos, percebeu que o apartamento estava vazio, e a ausência de Mariana pesava mais do que qualquer coisa.Ele se levantou lentamente, tentando dissipar o torpor que sentia, mas a sensação de que as coisas estavam se desmoronando era mais forte. Ao chegar à sala e confirmar que ela não estava lá, o peito apertou. Sem perder mais tempo, decidiu tomar um banho rápido e ir até a casa dela. Sabia que era o momento de resolver tudo, sem mais adiamentos ou desculpas.Algum tempo depois, estacionou em frente ao prédio de Mariana e subiu, sem ao menos parar para organizar os pensamentos. Quando ela abriu a porta, ele a observou por um instante, com o peso da noite passada ainda estampado em seu rosto.— Precisamos conversar — ele disse, sem rodeios, enquanto ela o olhava com uma expre
Gabriel observava Mariana enquanto ela terminava de organizar a sala. Ela parecia tranquila, mas ele sabia que a sugestão dela de “algo melhor que café” ainda pairava no ar. Ele se aproximou, cruzando os braços e a encarando com um sorriso discreto. — Mariana — chamou ele, chamando sua atenção. Ela virou o rosto, curiosa, com um leve sorriso. — O que foi? — perguntou, descontraída. — Estive pensando… — começou ele, com o tom leve, mas firme. — Você mencionou algo sobre comemorarmos de forma mais especial. Que tal hoje à noite? Um jantar, só nós dois. Mariana piscou, surpresa. Por um momento, parecia que ele havia se apropriado da ideia dela, mas isso só a fez sorrir ainda mais. — Então resolveu aceitar minha sugestão, doutor? — brincou, cruzando os braços com uma expressão divertida. Gabriel riu, balançando a cabeça. — Vou dar o crédito a você, claro. Mas, sim, achei que seria uma boa ideia. Então, está dentro? Ela fingiu pensar, mas o brilho nos olhos entregava sua r
O carro parou com um solavanco final, as rodas finalmente firmes no chão. Tudo ficou em silêncio, exceto pelo som de metal rangendo, vidro quebrado e o leve chiado do motor ainda funcionando. O cheiro de gasolina e borracha queimada invadiu o ar, misturando-se com o gosto metálico de sangue na boca de Gabriel.Por um momento, tudo pareceu congelado. Gabriel piscou algumas vezes, tentando clarear a visão turva. O mundo ao seu redor parecia girar, e cada respiração era um esforço doloroso. A dor no ombro esquerdo irradiava pelo braço, e havia uma sensação quente e pegajosa na lateral de sua cabeça. Ele não precisava de um espelho para saber que estava sangrando.Um gemido fraco o tirou do torpor. Ele virou lentamente a cabeça, ignorando o estalo no pescoço, e viu Mariana ao lado. O coração de Gabriel parou por um instante ao notar o sangue escorrendo pela testa dela. A cabeça dela estava inclinada para frente, os cabelos cobrindo parte do rosto.— Mariana… — chamou ele, a voz rouca e ch
— Ele desmaiou! Pressão despencando! — anunciou o paramédico, com uma urgência que fez Mariana estremecer.— Aumente o oxigênio e prepare os fluidos intravenosos. Precisamos estabilizá-lo antes de chegarmos ao hospital — respondeu a paramédica ao lado, ajustando o monitor portátil preso à maca de Gabriel.Mariana tentou se mover para alcançá-lo, mas uma onda de dor no abdômen a fez gemer alto. Uma paramédica se aproximou rapidamente.— Senhora, por favor, tente ficar calma. Estamos cuidando dele e também de você. Não se mexa, isso pode piorar sua condição.— Ele… ele está bem? — perguntou Mariana, ignorando o desconforto crescente.A mulher hesitou antes de responder, lançando um olhar para o colega que trabalhava em Gabriel.— Estamos fazendo tudo o que podemos. Agora, preciso que a senhora respire fundo e confie em nós. Seu bebê também precisa que você fique calma — disse a paramédica, segurando a mão de Mariana de forma firme, mas reconfortante.---Quando os dois foram finalmente
Mariana arqueou o corpo sobre a maca quando uma nova onda de dor atravessou seu abdômen. A respiração curta e descompassada a fez soltar um gemido involuntário, enquanto os olhos se enchiam de lágrimas.— Eu… eu acho que estou sangrando mais! — disse ela, quase em um grito, sentindo o desespero tomar conta.O obstetra parou imediatamente o que fazia e trocou um olhar rápido com a enfermeira. Eles se moveram com precisão, como se cada segundo fosse precioso.— Verifiquem o sangramento. Rápido! — ordenou ele, enquanto ajustava o transdutor do ultrassom.A enfermeira levantou o lençol cuidadosamente, confirmando a presença de sangue. Mariana sentiu um arrepio frio quando a mulher olhou para o médico com uma expressão de alerta.— Está aumentando — disse a enfermeira, já se movendo para ajustar os equipamentos.— Vamos administrar progesterona. Preparem um tocolítico e inicie fluidos intravenosos imediatamente — ordenou o obstetra, mantendo a voz firme.Mariana segurou o lençol com força,
O corredor da emergência fervilhava de atividade. Os paramédicos empurravam a maca com urgência, enquanto relatavam o caso. — Trauma craniano severo, possível hemorragia interna. Ombro deslocado. Saturação instável no transporte, estabilizada na chegada — disse o paramédico, ofegante, enquanto corria ao lado da maca. Doutor Marcelo, já de máscara e luvas, esperava na entrada. Ele manteve a postura calma, mas o impacto de ver Gabriel naquele estado o atingiu profundamente. Gabriel era mais que um colega. Era um amigo e um dos melhores neurocirurgiões do hospital. "Quantas vezes ele esteve nesse mesmo corredor, recebendo pacientes graves? Agora é ele quem precisa de nós." — Levem-no para a tomografia imediatamente. Precisamos da dimensão completa do dano antes de qualquer intervenção — disse Marcelo, sua voz carregada de autoridade. Enquanto a equipe movia Gabriel, Marcelo sentiu uma onda de culpa o atingir. Ele lembrava das conversas informais com Gabriel no refeitório, sobre