Durval
Dormir, foi algo impossível...
O resto da noite foi uma completa perda de tempo, não consegui me concentrar na minha busca por Diones e nem mesmo terminar as planilhas dos novos armamentos que chegariam em poucos dias, minha mente está no meu quarto, ou melhor dizendo, em uma jovem inesperada.
Como uma garota tão jovem veio parar em um lugar como esses? Não compreendo os motivos para ela estar naquele beco, isso está tirando minha paz.
Suspiro pesadamente rolando meu charuto entre os dedos, fumo com calma, observando o sol adentrar meu escritório a cada segundo que se passa.
Meus pensamentos voam tentando compreender como Alfie a abordou. Meu sangue corre mais rápido em minhas veias ao imaginar aquele corpo pequeno e magro tremer de medo e chorar em desespero.
Solto uma lufada de fumaça, tamborilando meus dedos sobre a mesa com certa impaciência.
As imagens que vem à mente agora é o corpo de Alfie dependurado por correntes para pagar pelos seus erros. O desejo de ver o desespero refletido em seus olhos me consome lentamente.
Ele jamais deveria tocar em uma mulher inocente. Jamais.
Os músculos do meu ouvido se retesam em atenção quando uma batida receosa faz com que analise a porta com curiosidade.
Suspiro imaginando que seja ela.
— Entre. — Ordeno.
Sou surpreendido por uma figura que não quero ver no momento. Meu corpo tremer ao ver Alfie passar pela porta de cabeça baixa, colocando o relatório da noite sobre minha mesa.
— Ordenei que ficassem fora da casa principal. — O encaro colocando meu chapéu sobre a mesa.
— Deduzi que o senhor quisesse os relatórios o mais rápido possível. — Ergue o olhar com cautela.
— Ordenei que não quero ninguém dentro desta casa enquanto a senhorita permanecer embaixo deste teto. — Volto a colocar meu chapéu apertando o charuto entre os dedos com uma força exagerada.
— Às suas ordens, senhor. — B**e continência.
— Pode se retirar.
— Com licença. — Alfie sai me deixando imerso em meus pensamentos.
Depois de alguns minutos digerindo com calma a minha irritação, leio os nomes dos homens que não conseguiram fazer mil flexões com eu havia mandado. A numeração é maior do que eu esperava, mas a maioria chegou a oitocentos, alguns a seiscentos e um baixo número parou nos quatrocentos.
Trinco o maxilar vendo que estou deixando os meus homens muito à vontade e isso me mostra que tem alguns homens precisando de treino, afinal se seus corpos estão fora de forma, como querem ganhar uma batalha?
— Impossível. — Vocifero com desdém.
Morreriam facilmente e não sou o tipo de homem que desperdiça vidas de graça em uma batalha. Meus homens são importantes e suas vidas são preciosas. Somos uma família, vivemos uns pelos outros e não aceito brigas internas.
Cada um conhece seu devido lugar e sabe que eu sou o chefe. Eles me respeitam, pois dei oportunidade para cada um deles quando não tinham nada. Os tirei das ruas e ofereci um bom emprego em troca de lealdade. Não os obriguei. A escolha foi exclusivamente deles.
Volto minha atenção para as folhas deixadas por Alfie em minha frente e começo a lê-las com calma, na tentativa de entender o que aconteceu.
Enviei três dos meus homens atrás de Harry que não me entregou o dinheiro do malote de drogas que recebeu há dois meses atrás. Ele estava enrolando para pagar e percebi que não pagaria, pois já havia gastado o dinheiro com suas prostitutas, além de estar atolado em dívidas.
Odeio saber que mulheres se submetem a essa vida, mas quem sou eu para julgá-las?
Elas escolhem os caminhos que lhes convêm. Ainda assim, preferia que tudo fosse diferente, mas infelizmente nem tudo nesse mundo são flores e eu não consigo proteger a todas por mais que eu tente.
Suspiro vendo que esses pensamentos estavam começando a me irritar mais do que deveriam, então volto minha concentração para o papel escrito a mão focando meus pensamentos ali.
Como ordenei a morte de Harry caso não houvesse dinheiro, ele foi levado ao beco norte, mas se recusou a dar o dinheiro. Sendo assim, seria morto, porém a pequena jovem intrometida se assustou com o que estava prestes a presenciar e acabou fazendo mais barulho do que deveria ao derrubar uma pilha de caixas de madeira com restos de verduras do restaurante Takashi.
Jogo os papéis sobre a mesa passando as mãos no rosto.
Isso só pode ser uma grande brincadeira, apago meu charuto sentindo o peso da responsabilidade cair sobre os meus ombros de forma inesperada.
Não somente Alfie, mas os seus companheiros também erram ao abordar a nossa mais nova inquilina. O relatório não me convence em nada e isso está cada vez mais estranho do que eu gostaria.
Talvez a jovem que eu nem mesmo sei o nome saiba me explicar melhor o que houve. Me levanto abruptamente pronto para encontrá-la e tirar todas as minhas dúvidas, mas a insegurança começa a se instalar em meu coração e os olhos opacos de Lana invadem minha mente me deixando atordoado.
Balanço a cabeça apoiando as mãos sobre a mesa do meu escritório.
O que estou fazendo? Como posso permitir uma mulher nesta casa? Ela pode ser uma policial disfarçada. Nego com veemência o absurdo que acabei de pensar.
Impossível. Uma policial jamais seguraria uma arma daquela forma, muito menos escolheria uma arma sem projéteis, essa é uma possibilidade completamente descartada.
Vendo que era quase sete da manhã resolvo ir até o quarto acordar uma certa senhorita que deverá ir embora ainda hoje, já que nem mesmo deveria estar aqui.
Bato na porta do quarto e não recebo respostas, tento uma segunda batida e também não recebo respostas. A preocupação de que ela esteja machucada domina meus pensamentos e quando vejo já entrei sem esperar sua confirmação.
Olho por todo quarto e o vejo limpo, arrumado e vazio, acabo franzindo as sobrancelhas ao notar que ela não estava ali.
Seria realmente perfeito saber que ela fugiu e minha vida solitária voltaria ao normal, mas ela jamais conseguiria passar pela segurança sem ser pega em uma armadilha, na verdade, ela nem mesmo chegaria nas armadilhas, pois assim que colocasse os pés para fora da porta, meus homens a abordariam sem pensar duas vezes. As ordens são para não colocarem os pés dentro da casa principal, já lá fora o perímetro é todo deles.
Coloco as mãos dentro do bolso do meu sobretudo e desço as escadas à procura dela. Assim que coloco meus pés nos primeiros degraus, posso sentir o cheiro de bacon frito recender pela casa.
Me esgueiro pela casa até chegar na cozinha. Parando na porta cruzo os braços ao observá-la com minhas roupas largas virando com talento os bacons na frigideira.
Um estalo em minha cabeça faz com que me apoie no batente e a dor iminente faz imagens do passado surgirem como visões reais. Meu peito infla e o vazio dentro dele aflige minha alma ao perceber sobre a mesa ovos mexidos, café e bacon.
Por Deus, somente Lana faz esse tipo de café da manhã.
Suspiro profundamente fechando os olhos e quando os abro novamente, olhos castanhos curiosos me fitam com a frigideira na mão.
— Espero que não se importe, mas estou usando sua cozinha. Peguei o que encontrei de saudável e dentro da validade em sua geladeira. — Ela faz uma careta colocando duas fatias de bacon em cada prato.
Me mantenho em silêncio examinando aquele café da manhã com cuidado, me sentindo nostálgico demais para opinar em algo que ela diga.
— Eu não sei se você já tomou café da manhã, mas eu preparei um prato para você. — Faz silêncio abaixando o olhar, mas logo suas pupilas se voltam para mim decididas. — Para agradecer. — Suas bochechas brancas assumem um tom avermelhado e rapidamente ela desvia o olhar do meu.
— Estou sem fome... — Não era totalmente verdade, mas observar esses pratos me trazem lembranças dolorosas.
A decepção se estampa em seu rosto fino.
— Eu não coloquei veneno, fique tranquilo. — Ela ri constrangida, colocando a frigideira sobre a pia de granito escuro.
— Não tenho tanta certeza. — Acabo rindo do seu comentário.
— É um agradecimento e um pedido de desculpas por tentar atirar em você com a primeira arma que vi pela frente. Por favor, aceite. — Ela observa os pratos envergonhada e ao mesmo tempo entristecida.
Esquadrinho suas ações: cabeça baixa, olhar perdido no chão, ombros deprimidos e mãos inquietas. Uma verdadeira posição de submissão. Ela realmente se sente culpada pelo ocorrido de horas atrás. É tão fácil ler seu corpo com um único olhar.
A estudo com calma, me mantendo em silêncio, sua inquietude faz com que repense na oferta do café da manhã.
Como recusar um pedido de desculpas tão sincero?
Às vezes, saber ler o corpo e os gestos de uma pessoa te coloca em grandes desvantagens, principalmente quando a sinceridade é o que prevalece em um ser que deveria ser impuro, mas é mais angelical do que se pode imaginar
— Fale algo, por favor. — Sua voz embargada e seus olhos lacrimejantes me fazem respirar profundamente.
Seus olhos cristalinos procuram as expressões em meu rosto, mas o chapéu a impede de ver a maioria delas. Com calma, inclino meu rosto permitindo que ela fite meus olhos.
Eu não deveria ceder, mas simplesmente não consigo me esquivar de um pedido tão inocente como esse.
— Eu aceito suas desculpas e me juntarei a você. — Caminho até a bancada me sentando de frente para ela, olhando para o prato mais do que deveria.
Seus lindos olhos ainda com lágrimas se enchem de vida, como se aquela fosse a melhor notícia de sua vida, mas as imagens de Lana tiram todo o meu foco do ambiente à minha volta.
— Está tudo bem? — Ela toca minha mão e instintivamente a recolho.
Perdido em meus pensamentos vejo ela recolher sua mão e segurá-la contra o peito assustada. Aperto os talheres com força sentindo minha respiração se desestabiliza ao ver Lana em minhas lembranças passear pela cozinha com um grande sorriso no rosto segurando a xícara de café nas mãos.
— Me desculpa. — Uma voz baixa quebra meus pensamentos me trazendo de volta a realidade.
Abaixo a cabeça fechando os olhos até sentir minha respiração se estabilizar, seguro o chapéu entre os dedos o posicionando sobre a bancada para estudá-la melhor.
— Dessa vez sou eu quem pede desculpas, criança. Não estou acostumado com presença feminina na minha cozinha, muito menos na minha casa. — Sorrio provando o bacon com um pedaço de ovos mexidos que por sinal estava muito bom, porém desce pela minha garganta com o gosto amargo de lembranças dolorosas.
Um pequeno sorriso surge em seus lábios dispersando seu olhar assustado. Me intriga como pequenos gestos fazem com que ela sorria tão facilmente.
— Sente-se e coma, criança. — Falo com calma.Ela senta à minha frente e começa a comer com tranquilidade o seu café da manhã.— Poderia parar de me chamar de criança? — Ela franze as sobrancelhas ao fixar seus olhos nos meus.— E como devo lhe chamar? Pulamos as apresentações ontem. — Tomo o café para aliviar a sensação maçante do meu peito.— Pode me chamar de Lexy, não gosto muito do meu nome, ele tem um significado estranho do tipo defensora da humanidade ou ajudante, meus pais poderiam ter escolhido algo melhor. — Ela suspira comendo um pedaço de seu bacon com vontade.— E qual é seu nome verdadeiro? — Pergunto um tanto curioso.— Alexia, Alexia Leroy. — Faz uma careta ao falar.— Gostei, é diferente e único, você é a prime
DurvalSe consegui me concentrar no trabalho e nas coisas que deveria fazer? A resposta é: OBVIAMENTE NÃO.Estou irritado, com uma dor de cabeça dos infernos e com vontade de matar alguém para ver se a adrenalina que corre em minhas veias diminui.Já fiz um treinamento pesado na academia com todos os tipos de exercícios desgastante existente e mesmo assim meu corpo parece estar disposto a correr uma maratona.Alexia, não sai da porra da minha cabeça.Estou inquieto e meu sexto sentido me diz que por trás de todo aquele atrevimento e petulância ela esconde algo importante.Pedi a Matheo — um dos meus braços direito — que a seguisse de longe. Não confio completamente nela. Acabo rindo de mim mesmo com a desculpa descabível que acabei de inventar. A verdade é que pouco me importo se confio ou não nela, estou mesmo
— Durval... — Ela me chama receosa.Finjo que não a escutei e agradeço por ela ficar quieta. Geralmente a pessoa que faz as perguntas sou eu e não estou acostumado a ter que responder nenhum tipo de questionamento, além de estar quebrando uma das promessas primordiais que fiz a Lana, mas creio que ela me perdoará, já que eu não podia deixar essa criança na rua.— Vá tomar um banho e se esquentar, porém dessa vez estarei esperando aqui fora para conversarmos. — Entro no quarto e pego uma troca de roupa para ela.Me sento na poltrona cruzando as pernas enquanto a observo.— Vai mesmo ficar aqui? — Pergunta desconfiada.— Sim, aqui quietinho lhe esperando. — Tamborilo os dedos na minha própria perna a esperando.— Ok! — Ela franze as sobrancelhas se virando caminhando em direção ao banheiro, mas
DurvalPassei a noite em claro, o que já era esperado por ter minha mente trabalhando a mil por hora sabendo que um corpo frágil dorme sobre minha cama.Me sinto completamente desestabilizado diante dessa mulher, simplesmente não consigo impor dominância como sou acostumado e acabo me deixando levar pela inocência de Alexia, assim como era com Lana.Parece que depois da morte de Lana as coisas pioraram e saíram ainda mais do meu controle, por me sentir culpado por sua morte talvez.Sinceramente prefiro não dormir, assim não me entrego aos sonhos que estou acostumado a ter.No momento me encontro sentado em meu escritório lendo um e-mail de Scott Lenon.Derek Petrov está envolvido com a morte de Lana, indiretamente, mas está. Me surpreendo ao ver que essa lista nunca diminui, para acabar de uma vez com meu martírio. E agora tenho mais um nome ad
DurvalAlexia não aceitou que eu a levasse em um restaurante, pois estava se sentindo mal por vestir minhas roupas. Até entendo, mas particularmente acho que minhas roupas ficam sensuais nela, mesmo largas e um pouco amassadas.É claro que isso soa estranho, mas há anos não tenho uma mulher em minha casa e acabo me sentindo incomodado em vê-la vestida com as minhas roupas, afinal, querendo eu ou não, ela é uma mulher bonita que chama a atenção, mas isso não me afeta ou pelo menos não deveria.O que mais me preocupa são os meus homens.Ter uma mulher em um lugar cheio de homens treinados para matar não é uma das melhores opções, mas também não podia deixá-la nas ruas.Esses pensamentos estão me matando e minha cabeça está uma completa bagunça, me sinto pressionado e in
Fecho os olhos ao sentir minha raiva ser completamente dissipada por causa daquele jeito encantador dela.Apesar de tudo, Alexia, tem um jeito diferente das outras mulheres. Ela consegue mesmo que involuntariamente me controlar. Nenhuma outra mulher além de Lana teve esse poder, talvez seja por isso que me sinto na obrigação de abrigá-la e protegê-la.Com esses pensamentos, evito ainda mais contato com ela, porém opto pela sinceridade.— Termine logo, me sinto incomodado quando as pessoas encaram minha cicatriz. — Sussurro.— Me desculpa, eu não sabia que isso lhe incomodava tanto. — Envergonhada, volta sua atenção para os legumes.— Nikolay? — Sinto um forte calafrio percorrer meu corpo ao ouvir o meu antigo nome.Me viro roboticamente em direção a voz que profere o nome com tanto entusiasmo e felicidade e meus olhos se encontram
AlexiaFaz dois dias que não vejo Durval depois do nosso desentendimento no mercado.Não imaginei vê-lo tão bravo e desestabilizado. Acredito que todos nós temos nossas complicações e que elas nos abalam em algum momento, porém um homem como ele... Bom, um homem como ele eu nunca imaginei.Ele é tão centrado e temido, como pode esconder embaixo daqueles olhos intensos tanta dor?É simplesmente impossível não se perder naquele oceano revolto de águas turvas.Durval ordenou Matheo a trazer as compras e assim foi feito. Matheo deixou tudo sobre a mesa, sem nem mesmo me explicar onde colocar cada item, então fui obrigada a guardá-los onde achei melhor, porém quando cheguei a louça estava lavada e a casa limpa.Provavelmente a empregada havia passado rapidamente por ali ou seus homens, não sei.<
DurvalNão foi tão fácil convencer Alexia a entrar no carro. Não queria usar da minha autoridade para persuadi-la, mas fui obrigado a ser levemente hostil.Nada que a deixasse chateada, apenas que a convencesse de entrar.Estaciono em frente à boate de Lenny e vejo Alexia completamente inquieta ao meu lado enquanto observa as grandes portas de metal da entrada incomodada e receosa.Ela ainda veste minhas roupas largas e somente agora percebo que ela realmente precisa de roupas femininas. Já faz uma semana e alguns dias que está aqui e eu deveria ter me preocupado com isso antes, mas Derek tem tomado grande parte do meu tempo.Pensando bem, acredito que esse seja meu último par de moletom e nem mesmo mandei os outros à lavanderia.Ela terá que vestir meus ternos e camisas sociais pelo que estou vendo, apesar de que não seria má ideia vê-