ValquíriaO silêncio da cela era sufocante, mas eu já estava acostumada. Os dias passavam em um ritmo lento e constante, e a monotonia era quebrada apenas pelas raras visitas ou pelo ocasional barulho nos corredores. Estava absorta em meus pensamentos quando um guarda apareceu na porta, anunciando uma visita do meu advogado. Levantei-me, surpresa. Afinal, o advogado contratado por minha mãe havia desistido do meu caso.Enquanto caminhava pelos corredores, minha mente voltou ao doutor Fonseca. A imagem dele, um velho moralista e amigo de longa data da minha mãe e padrasto, surgiu com clareza. Ele nunca perdeu uma oportunidade de me dar sermões nas visitas, tentando me convencer do quanto minha atitude era horrenda. Não fiquei surpresa quando ele abandonou o caso, mas o vazio das duas últimas semanas sem visitas me deixou inquieta. Meus pais claramente não estavam empenhados em encontrar outro advogado, e Bárbara nem se deu ao trabalho de aparecer. Relembrei o quanto ela ficou furiosa
ColinApós a visita de Letícia ao meu apartamento, a inquietação me consumia. Precisava de um escape, algo para acalmar a mente. Decidi convidar Othon e Noah para alguns drinques e uma partida de cartas. Eles chegaram com o entusiasmo habitual, trazendo um pouco de leveza ao ambiente pesado dos meus pensamentos.Enquanto as cartas passavam de mão em mão, comecei a falar sobre os últimos acontecimentos. Contei como tinha sido especial acompanhar o ultrassom e ver minha filha no ventre de Letícia. A felicidade daquele momento foi algo marcante e eu precisava compartilhar isso com meus amigos.— Então, você realmente foi ao ultrassom? — Noah brincou, com um sorriso de orelha a orelha. — Quem diria que Colin, o eterno farrista, estaria agora ansioso para ser pai de família!Othon riu e concordou com Noah, mas havia um tom de sinceridade em sua voz quando disse:— É verdade, Colin. Você mudou muito, mas foi uma boa mudança. Estou feliz por você.Noah continuou a brincar, seu humor habitual
LetíciaOs últimos dias foram exaustivos no hospital. Uma forte onda de frio havia atingido Curitiba, levando várias crianças ao pronto-socorro com sintomas de resfriado, gripe e outras complicações respiratórias. Como pediatra, eu me vi sobrecarregada com a demanda, cuidando dos pequenos pacientes e tentando garantir que cada um recebesse a atenção necessária.Naquela sexta-feira, eu estava completamente esgotada. Comentei sobre isso com minha mãe durante o jantar. Rita sabia do aumento na demanda de pacientes no hospital, mas ainda assim, demonstrou grande preocupação, chegando a sugerir que talvez fosse necessário procurar o meu obstetra. — Não é necessário, mãe. Estou realmente cansada. — Respondi veementemente, mas suas palavras continuam rondando minha mente muito depois que fui para a cama.Na manhã seguinte, acordei sentindo-me ainda mais cansada. A noite mal dormida definitivamente não ajudou. Demorei mais do que o costume para levantar, sentindo o peso da exaustão em cada m
ColinQuando Letícia não respondeu à minha mensagem, fiquei profundamente chateado. Eu realmente queria que meus pais conhecessem a mulher que carregava minha filha. Não imaginava o quanto sentia falta de uma família até o momento em que meus pais vieram ao meu apartamento e sugeriram conhecer Letícia. Agora, esse encontro se tornou algo que eu ansiava desesperadamente, e a falta de retorno de Letícia me deixou inquieto.Enquanto o tempo passava sem nenhuma resposta, minha mente começou a se encher de preocupações. Será que ela estava bem? Será que algo havia acontecido? Não queria que Letícia se sentisse pressionada, mas precisava falar com ela. Após mais de uma hora sem resposta, decidi ligar.Quando ela finalmente atendeu, o tom de sua voz me atingiu como um soco no estômago. Algo estava errado, muito errado. Não perdi tempo em perguntar detalhes. Apenas peguei minhas chaves e saí o mais rápido possível, meu coração acelerado de ansiedade e medo.A preocupação por seu estado e a ne
LetíciaFechei os olhos, tentando me conter. Estava prestes a desabar em lágrimas, mas não queria fazer isso na presença de Colin. Não queria que ele soubesse o quanto estava fragilizada naquele momento, nem que se sentisse na obrigação de estar ao meu lado. Se ele continuasse no hospital, queria que fosse por desejo próprio, e não por qualquer pressão da minha parte.Quando Colin sugeriu fazer as ligações que eu precisava, quase suspirei de alívio. Não conseguia falar com ninguém naquele momento, mas desejava que minha mãe e minhas melhores amigas soubessem o que estava acontecendo. Colin também precisava saber que eu não estava sozinha, que haviam pessoas que poderiam estar ao meu lado naquele momento, o que talvez o deixasse menos pressionado.Mas tão logo ele saiu do quarto, não consegui mais conter o pranto e desabei em lágrimas. O medo era esmagador, um pavor de algo terrível acontecer com minha filha. Enquanto chorava copiosamente, segurei minha barriga de maneira protetora, co
ColinPassei a noite toda ao lado da cama de Letícia, em uma poltrona desconfortável que não fazia jus à minha altura de 1,90m. Minhas pernas estavam doloridas e eu sabia que provavelmente acordaria com dores no corpo, mas nada disso importava. O que realmente me importava era estar ali, perto dela, cuidando dela, mesmo que apenas em silêncio.Enquanto Letícia dormia, observei seu rosto tranquilo. A cada respiração suave, sentia que meus sentimentos por ela estavam se tornando mais fortes, mais profundos. Finalmente, eu estava livre da obsessão por Valquíria. Aquela sensação sufocante de que ela ainda tinha um controle sobre mim havia desaparecido. Agora, havia espaço em meu coração, e Letícia, com toda sua beleza interior e exterior, estava ocupando cada vez mais desse espaço.Não conseguia deixar de pensar no motivo pelo qual Letícia era tão reservada, tão resistente a deixar alguém se aproximar de verdade. Enquanto a observava, a conclusão parecia inevitável: alguém a machucou prof
LetíciaAo chegar em casa e ver minha mãe me esperando, um misto de alívio e desconforto me invadiu. Eu estava exausta e queria apenas me deitar e tentar esquecer o que tinha acontecido nas últimas 24 horas. Colin, por outro lado, parecia não ter a menor intenção de ir embora, o que me incomodava mais do que eu gostaria de admitir.— O quarto está pronto para você descansar, querida — disse minha mãe, com aquele tom suave e carinhoso que sempre usava quando estava preocupada.Antes que eu pudesse responder, Colin se ofereceu prontamente.— Deixe-me ajudá-la a subir as escadas, Letícia.Aquilo me atingiu de
ColinEnquanto eu observava Letícia naquela manhã, não conseguia parar de admirá-la. Mesmo com o olhar cansado, havia algo em sua postura que a fazia parecer resplandecente. A maquiagem leve escondia parte do cansaço, mas eu sabia que ela não tinha dormido bem. Sua afirmação sobre ter tido uma boa noite de sono foi claramente uma mentira, mas escolhi não contestá-la. Também não havia dormido direito após a forma como nos despedimos no dia anterior. O modo como ela me dispensou, com tanta frieza, ainda mexia comigo.Passei o domingo inteiro refletindo sobre as palavras de Letícia. O jeito abrupto com que ela me afastou me magoou mais do que eu gostaria de admitir. A cada hora que passava, ficava mais evidente para mim que ela estava tentando manter uma distância emocional, mas eu não sabia ao certo por quê. No entanto, a tarde trouxe uma surpresa que mudou a forma como eu estava vendo a situação. Uma nova visita dos meus pais foi como um divisor de águas.Foi a primeira vez, em muitos