Doce como Mel {2}

Estava nesse momento dentro de um avião, sentindo o famoso frio na barriga pois pela primeira vez na minha vida estava literalmente voando. E o olhar de Benjamin sobre mim revelava que eu deveria estar parecendo uma criança, mas eu não me importava. É verdade que eu estava com medo, assim como todos tem medo do desconhecido. É uma experiência nova para mim, e por mais que seja com um único intuito que é pagar o tratamento da minha mãe, eu estava me sentindo verdadeiramente animada. Com algo brilhando no fundo do meu coração, como se isso representasse um novo ciclo na minha vida, e eu não sabia se ficava esperançosa ou se ficava ansiosa.

E em pensar em como tudo aconteceu tão rápido...

~~

— Quanto falta para o seu aniversário? — Cristina pergunta enquanto coloco as últimas flores dentro do jarro à venda.

Me viro na sua direção um tanto curiosa.

— Duas semanas… Porquê? — Ergo minha sobrancelha me aproximando dela no balcão para guardar a caixa onde veio os jarros.

Cristina sorri apoiando seu cotovelo no balcão, me olhando daquela forma que revela que algo definitivamente está se formando na sua cabeça.

— Mel, eu sei dá oportunidade perfeita para você conseguir o dinheiro para o tratamento da sua mãe; — Ela começa e eu olho para ela com toda a minha atenção, intrigada. — Você sabe que a minha família é dona desta floricultura, que tem várias lojas espalhadas pelo estado. Minha mãe estava pensando em ampliar o negócio, buscando por flores exóticas da Itália com ajuda de alguns colaboradores e um representante legal dela. Como filha dela eu serei essa representante, e eu preciso de ajuda. Você sabe que não é nada fácil administrar negócios, mesmo que seja de floricultura, e como eu preciso de ajuda, eu não vejo ninguém melhor que você que já trabalha com a gente há anos para me ajudar na administração. Vai ser um cargo temporário, em torno de um mês, mas o salário será o suficiente para arcar com as despesas de sua mãe no hospital.

Cristina explica calmamente como se tivesse achado a cura para o câncer, e eu somente sorrio, contente de que ela esteja tentando me ajudar. E essa ideia não me parece tão ruim, mas eu não quero que ela simplesmente jogue dinheiro em minhas mãos sem que faça absolutamente nada. Mas não é isso que me incomoda…

— Na Itália? — Pergunto um pouco receosa, já que se assim for, eu não poderei ir, já que jamais meu pai permitirá.

— Sim, esse será o destino final, antes passaremos no Alaska para buscar por plantas que se adaptam ao frio.

Respiro fundo desviando o meu olhar para o chão. A verdade é que essa proposta é a solução para nossos problemas, mas seria um desafio tentar convencer o meu pai a permitir que eu vá nessa viagem.

Sinto a mão de Cristina levantar a minha cabeça, com um sorriso tranquilizador no rosto.

— Você não precisa dar a resposta agora, mas tem apenas dois dias para decidir já que os colaboradores irão partir daqui a 72 horas, pela manhã; — Ela explica e eu assinto já me sentindo desanimada. — Mel, lembre-se que essa é a chance de salvar a sua mãe.

~~

Deus! Eu pulei de felicidade quando meu pai aceitou que eu viesse, claro com bastante insistência da minha parte. Chegamos até a discutir, pois em meus pensamentos ele só se preocupa com a igreja, então fui aos prantos para o meu quarto, minutos depois ele estava lá, com uma expressão triste avisando que ligaram do hospital avisando que o estado da minha mãe tinha piorado. Então foi quando ele permitiu que eu fosse.

E bem, aqui estou eu…

— Eu imagino que você nunca tenha viajado de avião. — Benjamin murmura ainda me observando com um pouco de graça.

Tudo aconteceu tão rápido que quando eu adentrei o pequeno avião particular da família de Cristina, eu os vi. Tadeu e Benjamin estavam nos esperando. A minha surpresa foi imediata, mas logo descobri por Cristina que eles seriam os colaboradores. O que me fez ficar com uma pulga atrás da orelha sobre quais trabalhos eles seguiam, até porque eu não acho que Benjamin tem cara de trabalhar no ramo de flores, muito menos Tadeu.

— Não, eu nunca sequer saí da cidade. — Mordo meu lábio encarando a garrafa de água em minhas mãos.

Assim que chegamos Cristina logo foi se sentando na poltrona em frente à de Tadeu, me restando à de Benjamin.

— Eu não entendo como fica tão animada. Isso é tão… normal. — Ele murmura com uma sobrancelha erguida e eu dou de ombros com um sorriso desenhando meus lábios.

— Para mim é completamente novo.

— Senhor. — Uma mulher vestida com um uniforme com a mesma logo que estava na parte externa do avião surge ao nosso lado com um balde com alguns gelos e uma garrafa dentro, e mais duas taças, onde ela logo põe uma na minha frente.

Talvez eu estivesse observando bastante curiosa o que ela estava fazendo, pois não notei que Benjamin me encarava de uma forma que eu sentia a minha pele queimar debaixo do seu olhar. Eu não fazia ideia do que estava passando na sua cabeça e nem se eu mesma estava delirando, mas a forma como olhava era muito diferente em comparação há como qualquer pessoa já tinha me olhado. Desvio meu olhar percebendo que nesse instante, a aeromoça serve duas taças para Tadeu e Cristina com o mesmo líquido transparente e fervilhante.

— Espumante. — Benjamin diz e eu olho para a minha taça que também foi servida, já que eu estava distraída demais sendo intimidada por ele para poder notar.

— Eu não bebo. — Mordo meu lábio sentindo minhas bochechas esquentarem.

Sei o que é espumante pois sempre no Réveillon meus pais brindam com um não alcoólico, mas eu nem sequer sei como é o gosto, e muito menos tenho idade para tal ato.

— Qual é, ruiva, somente para brindar à essa viagem. — Ele sugere levantando a sua taça na minha direção, e demora alguns segundos para que eu faça o mesmo.

Eu estou em um avião, com quatro pessoas que eu julgo que nunca teriam contato com o meu pai, portanto o qual mal seria se assim eu fizesse…? Nossas taças se encostam e ele sorri, tomando um gole da sua bebida. Aproximo a taça do meu nariz para sentir o doce aroma que ele deixa no ar. Mas a verdade é que eu só estou aqui por um único motivo, e não adianta eu quebrar as regras do meu pai aqui, isso seria mais um motivo para eu não ser de confiança. Ponho a taça no lugar voltando a olhar através da janela do avião, sem querer encarar as íris escuras e penetrantes de Benjamin. De qualquer forma eu não quero ter que explicar a ele como meu pai é severo quando assunto é religião, e que mesmo que eu sinta vontade de fazer certas coisas, tudo o que posso fazer é reprimir essa vontade.

— Senhorita Miller, vou deixar passar somente dessa vez. — O seu tom é autoritário, e eu somente engulo em seco por conta disso.

— Como sabe meu sobrenome? — Perguntou realmente curiosa sobre isso, mas ele somente me lança um sorriso enigmático, que por mais que pareça contido, mostra suas esplêndidas covinhas.

— Não há nada que eu não saiba. — Ele responde levando a taça à sua boca.

Eu não sei porquê, mas sinto que suas palavras significam mais do que ele deseja transparecer, ou pode ser somente paranoia minha.

A viagem durou algumas horas, e só não foi cansativa porque mais uma vez eu me surpreendi quando Benjamin me entregou um aparelho como um celular, mais do tamanho do Tablet. O aparelho era próprio do avião, e foi ali que eu realizei a minha leitura preferida.

Romance.

Assim que aterrissamos, eu senti o vento extremamente frio tocar a minha pele. Eu já estava com um suéter e uma calça jeans por imaginar que o clima aqui não seria quente, mas eu não imaginava o quão frio aqui poderia fazer. Estava nesse exato momento dentro do banheiro feminino do aeroporto, jogando água em meu rosto enquanto Cristina enxugava suas mãos com um lenço.

— O que achou de Ben? — Cristina pergunta, olhando para mim através do espelho

Penso sobre a sua pergunta, mas eu ainda não consigo ter uma opinião formada sobre ele, apesar de parecer muito estranho e misterioso, então somente dou de ombros e prendo meu cabelo em um coque solto.

— Ele não me parece uma pessoa ruim, porquê?

Ela parece desinteressada enquanto procura algo em sua bolsa.

—  Bom, é que ele é um homem bonito e durante todo o voo eu percebi que ele não desviou o olhar de você.

Franzo o cenho não conseguindo entender o porquê de estarmos tendo Benjamin como o foco dessa conversa.

— É, ele estava inconformado que alguém possa estar tão animada somente de estar num avião.

Ela cai na gargalhada diante das minhas palavras e eu não consigo evitar de sorrir ao lembrar da sua expressão me observando.

— Ele deveria entender que foi a sua primeira experiência em um avião. — Ela murmura e coloca seu cachecol em volta de seu pescoço.

Assinto encarando o meu próprio reflexo no espelho. Benjamin tem um porte de que com certeza já viajou diversas vezes em aviões. Experiências como essa não seriam nada novas para ele, e por isso ele não entenderia. Talvez até mesmo tenha crescido nesse luxo.

— Aliás, Mel, aqui talvez não tenha muitas opções, então assim que tivermos na Itália iremos renovar o seu guarda roupa, pelo menos só pelo tempo em que você estiver com a gente. Você sabe, não vai sobreviver ao frio com roupas tão finas quanto essas, portanto assim que chegarmos na Cabana eu vou lhe emprestar alguns agasalhos. — Ela diz me puxando para fora do banheiro e eu lanço-lhe um sorriso, agradecida.

Estando em um lugar fechado eu já me sinto congelar, quem dirá passar muito tempo do lado de fora. Cristina me arrasta até o estacionamento do aeroporto e é quando eu vejo dois carros se destacando entre todos eles. São duas enormes caminhonetes com rodas gigantescas e algo ao redor do pneu, que se eu não me engano é para facilitar o caminho na neve. Vejo Tadeu apoiado em um e Benjamin em outro, ambos nos esperando com as mãos no bolso. Cristina me solta e vai correndo na direção de Tadeu, que ajuda ela a subir, dando um tapa na bunda dela, o que me deixa surpresa e até envergonhada.

— Vamos? — Benjamin aparece na minha frente e eu olho novamente para o carro onde Cristina entrou, entendendo o que está acontecendo.

Ela irá no mesmo carro que Tadeu e me deixou sozinha com Benjamin. Dessa vez não iremos os quatro em um avião, mas sim somente eu e Benjamin dentro de um carro, e uma das regras do meu pai vem em mente.

"Jamais aceite carona de um desconhecido."

— Deixa eu lhe ajudar a pôr. — Benjamin sugere estendendo um agasalho preto do tamanho ideal para ele, e mesmo tímida eu me viro, permitindo que assim ele faça.

— Você poderia ter falado à Cristina que não tinha roupas para esse frio. — Ele murmura enquanto caminhamos até o carro.

— Eu só não… — Deixo um suspiro pesaroso escapar. — Não imaginava o quão frio seria aqui, e de qualquer forma o que ela poderia fazer, a não ser me emprestar um agasalho ou outro? — Dou de ombros sentindo o seu olhar em mim.

— Tem um ponto de vendas de roupas de frio durante o caminho. — Ele comenta assim que paramos em frente a porta do carro onde vou entrar.

— De qualquer forma, não tenho dinheiro. — Digo e sinto minhas bochechas corarem com a minha afirmação.

É verdade que eu não vim sem absolutamente nada, até mesmo porque eu preciso me alimentar e coisas do tipo, mas não trouxe e nem tenho o suficiente para comprar roupas que só vou usar por umas semanas.

Benjamin abre a porta, ainda me encarando com uma certa dúvida.

— Eu pensei que ela tinha dito para não se preocupar com dinheiro.

Desvio meu olhar do dele, dando de ombros.

— Eu não quero dar trabalho, só vim aqui para ajudar. — Respondo e mesmo me olhando de forma estranha ele assente, estendendo a mão para mim.

Encaro a sua mão não entendendo o que ele quer que eu faça, até porque eu duvido muito que seja apenas um gesto.

— Vou te ajudar a subir no carro. — Ele murmura com um sorriso, percebendo a minha confusão, e eu somente seguro para não revirar meus olhos.

Não é nada educado fazer algo assim.

Assinto e ponho minha mão na sua, timidamente enquanto subo a pequena escada do carro. Em certo momento eu sinto a mão dele em meu quadril, e eu me sinto travar, mas logo volto a subir quando percebo que isso não passa de um gesto inocente, por mais que sua mão tenha escorregado para debaixo do meu suéter, tocando diretamente a minha pele. Ele fecha a porta e dá a volta no carro. O caminho não parece ser demorado de acordo com o GPS, mas ainda assim vou ficar por longos minutos dentro do carro com ele. Aproveitei para olhar a neve, coisa que eu nem sequer vi na minha vida. Apreciar as árvores cobertas de neve e o vento frio que batia na minha pele, o que me fez agradecer mentalmente à Benjamin por aquele agasalho ser tão quentinho. O tempo se passou rapidamente, e logo Benjamin parou no que parecia ser um pequeno centro comercial. Tinha várias cabanas de Madeira com enfeites natalinos por todo o seu exterior. É verdade que o natal estava próximo, mas ainda tinha um mês pela frente. O que me fazia lembrar o Brasil, onde todos já tinham suas casas enfeitadas com aquelas luzinhas de natal, que eu acho simplesmente adorável, mas meu pai nunca fez nada igual nos Natais em que passamos. Sempre foi algo tão sem vida e sem animação alguma. Só nos sentamos à mesa e oramos antes do jantar. Mas é claro que na igreja era algo completamente diferente, sempre tudo muito animado, dança e alguns petiscos, ele mesmo fica uma outra pessoa quando está por lá.

— O que viemos fazer aqui? — Pergunto logo quando ele me ajuda a descer do carro, fechando a porta do carro atrás de mim.

— Não vai sobreviver a esse frio somente com um suéter, ruiva. — Ele me puxa em direção à uma das cabanas e eu o olho em completa confusão.

— Eu te falei que não tenho dinheiro o suficiente. — Explico assim que adentramos a pequena loja que mais parece uma mercearia em conjunto com uma loja de roupas.

Ele me entrega uma cesta com uma sobrancelha erguida. Eu cruzo os braços na frente do peito, não entendendo o porquê de ele estar insistindo em algo que eu não posso comprar.

— Ruiva; — Ele começa se aproximando de mim, me encarando diretamente nos olhos. — Você está aqui a trabalho certo? A empresa irá arcar com as suas despesas, ainda mais quando estas mesmas despesas se fazem necessárias.  Se você pegar um resfriado ou tiver febre não vai estar nas melhores condições para trabalhar.

Mordo meu lábio o encarando. Ele está certo, mas ainda assim… Porque eu sinto que há algo de errado sobre essa sua explicação? Quer dizer, Cristina me avisou que ela bancaria com os meus gastos, já que estou numa viagem de trabalho, ainda mais quando eu tenho que prezar pela minha saúde, e nisso eu concordo. Mas ainda assim toda essa história me deixa com um gosto amargo na boca. Assinto e pego a cesta da sua mão, onde logo pegamos algumas roupas, luvas, meias, toucas e até mesmo peguei uma bota com muita insistência dele. Logo após, Benjamin avisou que queria comprar algumas coisas para a casa, como comida e alguns salgadinhos, e como ele me deu passe livre para ajudar ele a escolher os ingredientes para comida, eu fui feliz da vida procurando por ingredientes para fazer uma sopa, um chocolate quente, vitaminas, brigadeiro, lasanha e para acrescentar um pouco da minha magreza, eu pus vegetais e frutas. Benjamin sorriu divertido assim que me viu minha cesta, já que o mesmo tinha pegado somente o necessário, apesar de serem coisas estranhas que não vendem no Brasil. Após pagar as compras com o próprio cartão e prometer que mandaria a nota fiscal digitalizada para Cristina, continuamos o nosso caminho para o nosso destino. A "famosa" cabana que Cristina me falou.

Acho que dormi durante uma parte do caminho, pois quando eu ouvi a voz de Benjamin avisando que tínhamos chegado eu estava um pouco grogue e com a garganta seca.

— Vem. — Benjamin me ajuda a descer e dessa vez com as mãos na minha cintura, e eu estaria realmente incomodada por isso, se meus olhos não tivessem se prendido na enorme casa, mais considerada uma mansão.

— Isso é o que vocês chamam de cabana? — Pergunto um pouco espantada do quão ricos eles têm que ser para ter uma casa desse porte, ainda mais Benjamin que é o dono da casa, que é isolada de todas as outras, com uma vasta floresta ao seu redor.

A sua arquitetura é uma grande mistura de medieval e moderna, com algumas paredes de vidro e uma parte de tijolos. Como se quem reconstruiu quisesse preservar um pouco do que ela era antes, e isso é o que a deixa muito mais encantadora.

Benjamin sorri e se dirige ao fundo da caminhonete, onde vejo ele tirar nossas malas de dentro, e eu aproveito para me aproximar da casa.

— Vocês finalmente chegaram! — Cristina corre na nossa direção e é quando Benjamin me entrega as sacolas de compras.

— Estávamos fazendo compras. — Explico levantando as sacolas e ela sorri, olhando para Benjamin com curiosidade.

— Entendo, eu estava vendo os armários e só tem coisas passadas da validade. Vem, vamos entrar. — Cristina me ajuda com as compras e adentramos a casa, onde eu fico ainda mais alucinada no quanto este lugar é bonito. Tanto que eu poderia ignorar o frio extremo e morar aqui.

— Eu vou colocar no quarto. — Benjamin avisa passando por mim com nossas malas e eu assinto, animada em conhecer o quarto que irei ficar.

— Eu vou com você.

— Mel, espera! — Cristina segura o meu braço e eu olho intrigada para ela. — Eu posso falar algo com você um instante? — Ele pede e eu assinto, não entendendo o porquê de ela parecer tão nervosa.

Ela me puxa para um canto da sala, próximo à lareira e eu olho para ela, esperando que ela fale o que tanto parece lhe incomodar.

— Há apenas dois quartos disponíveis, o resto está em reforma.

Assinto franzindo o cenho, tentando entender onde ela quer chegar, mas ela me surpreende quando segura minhas mãos e me olha da mesma forma suplicante de quando pede para que eu feche a floricultura.

— Mel, por tudo o que é mais sagrado… Por favor, divida o quarto com Ben.

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