Do lado de fora, o céu nublado pintava a cidade em tons de prata. A brisa era úmida, com cheiro de terra e asfalto molhado. Em um bairro sofisticado, cercado por lojas de grife e livrarias silenciosas, o Café Grão e Alma se destacava pelo charme discreto — fachada de madeira escura, janelas amplas e cortinas finas de linho branco.Marcus chegou primeiro.Vestia uma camisa preta de linho com botões abertos no colarinho, calça cinza escura de alfaiataria e mocassins de couro. O cabelo levemente bagunçado denunciava que ele não havia se esforçado muito para parecer elegante — era natural. Pedia um espresso duplo quando viu, pelo reflexo da vitrine, Giovana se aproximar.Ela vestia um macacão bege com tecido fluido, amarrado na cintura com um cinto fino, e um trench coat claro caía pelos ombros como se tivesse sido colocado ali por acaso. Os cabelos soltos, e os olhos escondidos por óculos de sol redondos com armação dourada.— Espero não estar atrasada — disse, tirando os óculos com um m
Era sábado, fim de tarde. A cidade começava a mudar de ritmo, e o céu, em tons de dourado e azul profundo, anunciava que a noite traria uma brisa fresca.Marcus estacionou diante de um pequeno bistrô escondido no meio da zona boêmia da cidade. O lugar parecia um segredo bem guardado — fachada de tijolinhos vermelhos, floreiras penduradas nas janelas, uma lousa à porta com letras tortas escritas em giz: “Jazz ao vivo, vinhos naturais e zero drama.”Ele sorriu sozinho ao ler.Giovana o havia convidado por mensagem, com a frase: “Hoje quero te ver rindo. Não me decepcione, Castelão.”Ela estava sentada em uma mesinha externa, sob a sombra de uma jabuticabeira. Usava um macacão vinho de tecido leve, cabelos presos em um coque desleixado, e tênis branco. Nada muito produzido — e ainda assim, impossível de não notar. Quando o viu, ergueu uma taça de vinho laranja como se brindasse ao acaso.— Chegou o príncipe do queijo — brincou. — Já posso pedir o prato mais caro do cardápio?— Se você
O calor do fim de tarde filtrava-se suavemente pelas cortinas de linho do quarto de Eveline. Ela estava sentada em sua poltrona preferida da varanda, vestindo um vestido de algodão florido, com os cabelos presos em uma trança frouxa que caía sobre o ombro. A barriga, agora grande e firme, denunciava que o sétimo mês de gestação havia chegado com toda a plenitude de uma nova vida crescendo dentro dela.Daniel a observava de longe com ternura. Estava no jardim, conversando com Marta, a governanta, que discretamente coordenava os últimos detalhes daquilo que ele planejava há semanas: o chá de fraldas surpresa para Eveline.Clara e seu namorado, André — um jovem médico residente em ortopedia, gentil e bem-humorado — haviam chegado mais cedo para ajudar com a decoração. Os funcionários da mansão, que haviam criado um laço sincero com Eveline ao longo dos meses, também se engajaram com alegria.O salão de festas da mansão foi transformado em um espaço encantado, decorado com balões em tons
O som do ar-condicionado da recepção era quase imperceptível. A decoração da clínica Avelar, moderna e acolhedora, exalava tranquilidade. Quadros de paisagens suaves nas paredes, vasos com orquídeas brancas, luzes amareladas e música instrumental suave. Mas nada disso apaziguava a tempestade dentro de Marcus Castelão.Sentado, vestindo camisa preta e calça de alfaiataria escura, com o maxilar travado e as mãos fechadas em punhos sobre os joelhos, ele aguardava ser chamado.— Senhor Castelão? — disse a recepcionista com um leve sorriso. — Doutor Daniel já pode recebê-lo.Marcus levantou-se devagar, como se carregasse chumbo nos ombros. Caminhou pelo corredor até o consultório onde a porta de madeira clara já estava entreaberta.Lá dentro, Daniel Avelar organizava prontuários sobre a mesa. Vestia jaleco branco sobre uma camisa social azul clara. Quando viu Marcus, ergueu o olhar com surpresa controlada.— Marcus... — disse ele, fechando a pasta com calma. — Achei que fosse um paciente.
Na manhã seguinte, Daniel chegou em casa e encontrou Eveline na varanda, tomando um chá.— Eveline — disse ele com voz calma —, precisamos conversar. Pode vir comigo até o escritório?Ela assentiu, preocupada com a expressão dele. Sentou-se em frente à mesa de trabalho, onde Daniel já aguardava com o semblante sério.— Marcus me procurou ontem. Ele já sabe onde você está.Eveline ficou em silêncio. Um segundo depois, desviou o olhar para a janela.— Eu imaginava que não duraria muito...— A decisão é sua — continuou Daniel. — Eu jamais vou forçar nada. Se quiser falar com ele, se quiser vê-lo, se quiser voltar... eu vou respeitar. Mas se quiser seguir aqui, comigo, com as crianças... eu também vou estar aqui.Ela assentiu, pensativa, o coração apertado. Não respondeu de imediato, apenas se levantou com um leve suspiro e saiu do escritório em silêncio.Horas depois, Eveline assistia a um programa de TV enquanto organizava algumas roupas do bebê. Uma matéria especial sobre os bilionário
O sol já se punha quando Marcus acordou no flat da família, com a cabeça latejando e a boca seca. O quarto ainda exalava o perfume adocicado de Giovana, mas ela já não estava ali. A garrafa de uísque aberta sobre a mesa de canto era a única testemunha da noite anterior.Ele se levantou devagar, sentindo o peso de cada passo. No espelho, o reflexo de um homem abatido o encarava. Olhos vermelhos, barba por fazer, camisa amassada. Um completo contraste daquele herdeiro bilionário que figurava nas capas de revista.Ao ligar a televisão para se distrair, sua imagem tomou conta da tela em um programa de fofocas matinal:"Marcus Castelão é flagrado em clima de romance com nova companhia. O bilionário foi visto em um bar luxuoso da capital acompanhado da bela Giovana Arrais, Curadora, colunista da revista Estilo & Alma.A reportagem seguia, mostrando os dois se beijando, rindo e trocando carícias. O barulho da sua própria risada gravada ecoou pela sala como um tapa. Ele desligou a TV com raiv
A caneta escorregava entre os dedos finos de Eveline Rocha. O papel à sua frente tremia como se denunciasse o que ela não podia dizer em voz alta. Aquela não era uma assinatura de amor. Era um contrato de resgate. Resgate financeiro — não emocional.Sentada à mesa da sala de jantar, Eveline parecia pequena demais para a gravidade daquela decisão. A jovem de pele alva e cabelos negros como a noite encarava o documento com os olhos cor de mel marejados. Seu coração batia tão alto que podia jurar que os outros escutavam.Mas ninguém escutava nada naquela casa.Seu pai, Júlio Rocha, estava de pé ao lado da lareira, com os braços cruzados e a expressão fria como mármore. Desde que a fábrica da família — uma tradicional tecelagem herdada do avô de Eveline — começara a falir, ele já não a olhava como filha. Era uma moeda de troca, e nada mais.— Assine de uma vez, Eveline. Não temos o dia todo — disse ele com voz áspera, sem tirar os olhos do relógio de bolso que herdara como um troféu de te
Eveline observava, pela janela do carro, as vastas paisagens da fazenda, a estrada de terra, ainda um pouco empoeirada pela recente chuva, parecia não ter fim. O coração dela batia acelerado, mas ela tentava controlar as emoções. Era a primeira vez que estava indo para lá, e apesar de tudo, uma sensação de ansiedade misturada com curiosidade dominava seu corpo.Ela não sabia bem o que esperar. As palavras de seu pai, Júlio, ecoavam em sua mente: "Este casamento é sua salvação, Eveline. A nossa única chance." Ele e a madrasta, Claudia, tinham apostado tudo naquele matrimônio. Marcus Castelão não era apenas rico — ele era a última tábua de salvação para os negócios em ruínas da família Rocha. Eveline nunca pensou que um casamento, tão frio e imposto, pudesse ter algo de bom.Ela chegou à fazenda por volta do final da tarde, o céu tingido de laranja, como um aviso de que a noite estava prestes a cair. Quando o carro parou, não havia ninguém à porta esperando por ela, nada que lembrasse u