A mansão dos Avelas era diferente da que Eveline havia deixado para trás.Não por ser maior ou mais luxuosa — na verdade, era mais simples, mais silenciosa. Mas havia algo ali que preenchia os espaços: Vida.Crianças rindo pelos corredores, vozes leves, o som das pequenas corridas de pés descalços no tapete. Tudo pulsava com uma energia que ela não sentia havia muito tempo. Ali, naquele lugar, não existiam gritos, nem desconfiança, nem acusações.Ali, Eveline podia respirar.Eveline havia sido oficialmente contratada no dia seguinte à entrevista. Daniel, com um sorriso honesto e um aperto de mão firme, disse apenas:— Eu confio em você. E eles também vão confiar."Eles" eram Lucas, de 7 anos, e Beatriz, de 4. Duas pequenas almas que haviam perdido a mãe para uma doença devastadora dois anos antes e que, desde então, viviam com uma sucessão de babás impessoais e cuidadoras ocupadas demais.Mas com Eveline... foi diferente.Logo nos primeiros dias, Beatriz passou a segui-la pela casa co
Marcus sempre fora um homem de presença marcante. Mas naquele início de manhã, sentado à beira da cama, ele parecia outro. O espelho à sua frente refletia uma versão dele mais polida, mais contida — mais humana.Usava uma camisa branca de linho engomado, abotoada até o pescoço, com um blazer grafite sob medida, sapatos de couro preto recém-lustrados. O cabelo, agora ligeiramente mais longo, estava penteado para trás com pomada fosca. A barba bem aparada delineava o novo formato do rosto — fruto das cirurgias faciais iniciadas meses atrás.A cada nova consulta com o cirurgião plástico, ele se via menos como o homem do passado e mais como alguém em construção. As cicatrizes físicas quase não existiam mais. Mas as emocionais? Essas ele estava aprendendo a encarar em outro lugar.Seu acompanhamento psicológico semanal se tornara um hábito inegociável. O consultório era aconchegante, com estantes de livros e janelas que deixavam a luz entrar. Ali, Marcus não era o herdeiro dos Castelão. Ne
O sol da tarde se filtrava pelas grandes janelas envidraçadas da mansão dos Avelas, lançando raios dourados sobre o chão de mármore bege polido. O jardim frontal exalava o perfume fresco das lavandas recém-regadas e, ao fundo, ouvia-se o riso infantil de Beatriz e Lucas correndo pelo parquinho privativo.Eveline observava tudo da varanda lateral, com as mãos repousadas sobre a curva suave da barriga. Seu vestido leve de algodão azul-clarinho balançava suavemente com a brisa. Já estava com quatro meses de gestação — o corpo mudava, os movimentos do bebê começavam a se manifestar, e o coração... ainda era um território em reconstrução.Mas havia paz ali.Daniel a acompanhava. Vestia uma camisa de linho bege de mangas dobradas e calça social creme. Os cabelos castanhos penteados para trás davam destaque ao olhar tranquilo que ele lançava à cena à frente.— Eles são outros desde que você chegou — disse ele, em tom baixo. — Nunca mais ouvi um choro noturno, nem birras pela manhã. Beatriz a
Marcus havia se tornado um homem diferente.Nos últimos dois meses, ele transformara mágoas em disciplina, raiva em autocontrole, e saudade em combustível. Mantinha firme sua rotina de trabalho — chegando cedo à sede das Queijarias Castelão, resolvendo pendências com foco clínico, liderando reuniões, fechando acordos. Era admirado por funcionários e parceiros pela nova postura.E, toda sexta-feira à tarde, religiosamente, comparecia à sessão com sua psicóloga. O consultório era aconchegante, com poltronas de veludo verde-musgo, livros de filosofia, e janelas amplas que deixavam o sol filtrar pelos vitrais.— A dor ainda está aí? — ela perguntava.— Sempre — respondia. — Mas agora eu a escuto. E lido com ela. Não fujo mais.Naquela noite, Marcus estava jantando com seus pais no Le Grand Terrasse, um restaurante francês sofisticado, à luz de velas, com vista panorâmica da cidade. O ambiente era um misto de elegância e discrição. Músicos tocavam piano ao vivo. O aroma de ervas finas e mo
A consulta daquela manhã havia sido tranquila.Eveline, agora com quase cinco meses de gestação, sentada na confortável poltrona do consultório particular que Daniel mantinha em sua casa, observava com atenção o monitor que exibia os batimentos cardíacos do bebê. O som do coraçãozinho preenchia a sala — rápido, constante, reconfortante.— Está tudo indo perfeitamente — disse Daniel, sorrindo enquanto retirava o gel do abdômen dela com um pano aquecido. — Peso ideal, batimentos ótimos. Você está cuidando bem de vocês dois.Ela sorriu, ajeitando o vestido de malha verde-oliva.— Eu me sinto bem aqui... com vocês. Isso faz diferença.Daniel assentiu, guardando os equipamentos.— E eu me sinto em paz quando vejo o quanto você está bem. Nunca pensei que ver uma mulher grávida... — ele hesitou, olhando para ela com ternura — ...pudesse trazer de volta algo tão bonito pra essa casa.Na manhã seguinte, Eveline acordou com as malas prontas.A viagem de uma semana à praia estava confirmada. O v
O sol da manhã nasceu suave, como se respeitasse a delicadeza que pairava no ar.Eveline acordou com o cheiro do mar invadindo o quarto através da porta de vidro entreaberta. O som das ondas quebrando na areia era reconfortante, e uma brisa salgada brincava com as cortinas brancas de linho. Espreguiçou-se com preguiça, sentindo a barriga firme e redonda sob as mãos. O bebê se mexeu suavemente, como se respondesse ao despertar da mãe.Sorriu sozinha.A lembrança da noite anterior ainda pairava em sua mente — o beijo. O carinho. A proposta de Daniel. Um pedido gentil de amor. Um cuidado que ela nunca soube como receber.Mas apesar da ternura, o nome de Marcus ainda sussurrava dentro dela como um eco antigo e constante. Era ali que seu coração ainda estava preso.Vestiu um kaftan floral leve, por cima de um maiô azul petróleo com alças cruzadas nas costas. Prendeu os cabelos em um coque alto e desceu para encontrar Daniel e as crianças.Na varanda do restaurante, Daniel já os aguardava c
O terceiro dia na praia amanheceu com um brilho prateado no céu.As nuvens finas passavam lentamente pelo azul claro e o sol, escondido por instantes, surgia tímido, aquecendo suavemente a brisa que soprava do mar. Eveline acordou cedo, antes mesmo do alarme do celular tocar. O quarto estava silencioso, banhado pela luz dourada que atravessava as cortinas translúcidas.Sentou-se na cama e repousou as mãos sobre a barriga.O bebê mexeu.Era como se dissesse “bom dia”, como se compartilhasse com ela cada descoberta, cada novo sentimento. Um gesto pequeno, mas que a fazia sorrir sozinha, sentindo-se inteira — mesmo em pedaços.Vestiu uma saída de praia bege com detalhes bordados à mão, por baixo, um maiô verde-esmeralda de alças largas e decote em V, confortável e elegante. Prendeu os cabelos em um coque frouxo, calçou rasteiras de tiras douradas, e seguiu até a varanda, onde Daniel já organizava o café da manhã com as crianças.— Dormiu bem? — ele perguntou, oferecendo uma xícara de chá
O quarto dia da viagem amanheceu com céu limpo e vento fresco. O cheiro do mar misturado ao aroma suave das flores do jardim envolvia todo o resort como um perfume natural. Eveline já estava de pé quando Beatriz pulou em sua cama com os cabelos emaranhados e sorriso ainda sonolento.— Tia Eveline! O papai disse que vamos passear na feirinha hoje!Eveline riu, envolvendo a menina nos braços.— Então vamos escolher uma roupa bem bonita, pra você brilhar por lá.Pouco tempo depois, todos estavam prontos para sair. Daniel optou por uma camisa jeans de manga curta, parcialmente aberta no colarinho, calça de sarja areia e mocassins. O relógio de couro marrom e os óculos escuros completavam o visual charmoso e casual. Lucas usava uma camiseta vermelha com bermuda jeans, e Beatriz, um vestido azul-claro com babados e sandálias de glitter dourado.Eveline vestia uma saia longa bege com fendas discretas, uma blusa de linho branca com botões perolados e um colar de pingente delicado. Os cabelos