O subúrbio Kalohombo crescia num ritmo incontrolável, justamente no cú do olho de uma das mais prestigiadas cidades do país; havia novas construções em todos os cantos, de cimento e de terra simples. Esse aumento de construções precárias devia-se ao seu constante crescimento demográfico. Muita gente nascia, apesar de muita outra que morria. E cada vez mais a água escasseava, a energia elétrica também só acendia de vez em quando. Havia montões de lixo em becos e à beira das estradinhas que drenavam o bairro. As mesmas estradas estavam ficando cada vez mais decrépitas e acidentadas…
No período em que caía chuva, o bairro se transformava em um pantanal. Moscas, mosquitos, baratas e morcegos perseguiam as pessoas a todos os sítios. E o calor intenso que a estação chuvosa causava servia como justificação para as mulheres, jovens e adultas, que se exibiam seminuas pelas artérias do bairro.
Quando não caía chuva havia a poeira, uma poeira doentia que ameaçava corroer e macu
É comum que depois do alambamento o namorado ganhe mais direitos para com a sua amada e assim também a própria podia beneficiar de muitas liberdades sociais, eximindo-se das restrições a que as jovens são submetidas quando atingem a mocidade; e a Lwkwakwa tinha ganhado mais liberdade de se movimentar depois que o Henriques havia formalizado o relacionamento. A alegação de visitar o Henriques legitimava muitas das suas saídas. Assim passeava mais e aos fins-de-semanas costumava conduzir com a Helena quando saíam para passear ou quando a amiga autorizava ela a usar o carro para visitar o namorado. Por outro lado, um dos direitos fundamentais que o namorado ganhara através do alambamento era o de visitar a namorada em casa desta sempre que lhe aprouvesse ou fosse necessário. E o Henriques era sempre bem-vindo à casa do Betinho. Tanto o Betinho como a Tchilombo gostavam dele e o recebiam com alguma reverência porque sabiam que ele era um homem ilustrado, que frequentava a Universidade.
Foi nessa altura, depois da viagem ao planalto central, que a Helena começou a se queixar da sua saúde. Primeiro fazia febres e dores de cabeça. Ela não gostava de ir ao hospital porque não tinha confiança no sistema de saúde que vigorava e tentou aliviar as dores com medicamentos adquiridos numa pequena farmácia dali no bairro. Mais tarde passou a tossir muito e sentia a coluna e o peito a doerem. Até essa altura já os pais intervieram e a levaram ao Hospital Geral. Os médicos não conseguiram detetar alguma doença, mas tinham-lhe passado uma prescrição. Tomou os medicamentos, a situação tinha abrandado um pouco, mas voltou a piorar mais tarde. A tosse piorou, começou a expectorar abundantemente; perdeu o apetite e emagreceu. Muitas vezes era acometida com o problema de falta de ar. Depois levaram-na a uma das famosas clínicas da cidade.
E a família com a Helena ficaram por duas inteiras semanas no Lubango. Localizaram a clínica mais famosa e submeteram a Helena a variadíssimos exames, tal que mais tarde o pai da Helena ficou baralhado. Já não entendia o que tantos médicos e enfermeiros faziam com apenas uma doente. Era um cardume de batas brancas revezando-se constantemente para avaliar uma única paciente. Segundo pôde depreender, havia naquela gama de pessoas usando batas brancas, especialistas de diversas coisas que tinham a ver com saúde humana. Cardiologistas, obstetras, clínicos gerais, ortopedistas, oncologistas… e tantas outras denominações desse jaez. Mas todos e cada um, ao final das contas, precisariam de algum sagrado estipêndio. Sendo assim, o pai dela imaginava, a soma que seria cobrada para essa algazarra envolvendo a filha seria uma daquelas muito avultadas. E realmente não foi pouco o dinheiro que os pais da Helena tiveram que gastar nesse processo. Para, ao fim e ao cabo, aparecer apenas um velho m
Nos dias que se seguiram a isso a Lwkwakwa também ficou muito abatida e emagreceu mais. Tinha emagrecido tanto e continuava apegada ao quarto da amiga. Agora passava todas as noites com a amiga e comia pouco por falta de apetite. O Henriques tinha tentado, sem êxitos, reanima-la. - Não pode, a Helena não pode morrer. – Suplicava ela, desesperada, a qualquer pessoa que tentava consolar-lhe. Mas a partir daquela data tinha começado para eles como que uma contagem regressiva inevitável. Passou uma semana, passaram duas, três… e a Lwkwakwa tinha-se recomposto, convencida de que a amiga já não morreria mais. Talvez a mão invisível tivesse mudado de ideias e cancelado o desditoso fim. Ela acreditava em milagres e podia ser que dessa vez eles lhe tivessem favorecido. Mas a Helena sabia, agora mais do que nunca, que o seu fim estava próximo e inelutável. E dizia à amiga. - A princípio também fiquei chocada, quando descobri que iria morrer em pouco tempo. Mas mais tarde fiquei calma e pen
Quando bateram os dois meses previstos pelos médicos, a Helena tinha realmente morrido. Numa certa manhã descobriram ela morta no seu quarto; no seu rosto preservava uma expressão neutra, como alguém que morre com a consciência realmente tranquila. Era evidente que tinha morrido como os deuses, sem traumas e sem desnecessárias preocupações ou como quem aceita sem remorsos que a morte é o inevitável fim de toda e qualquer forma de vida.Na verdade, quando a pessoa, como animal racional superior, descobre e aceita que, ao contrário do que se tem propagado pelos meios sociais, vai ao cemitério ou vai ser queimado ou devorado por insectos e ou por outros animais carnívoros, respectivamente mediante o meio em que se encontre; que afinal não vai a quaisquer ilusórias imortalidades, aceita benevolentemente a morte real. E nesse âmbito, houve óbito no bairro. Para a maioria dos moradores era apenas mais um óbito entre os tantos que costumavam acontecer dia-a-dia por ali. Mas o pai, a
Mas mantemos a ilusão de que o tempo passa e que passam com ele as lembranças e as mágoas. À medida que vamos evoluindo para uma outra realidade, novas imagens vão ocupando a nossa consciência, substituindo nela o lugar das velhas. Passou um mês, passaram dois, três e as más lembranças foram-se obliterando.Mais tarde já se podia falar da Helena como apenas uma terna lembrança. Falava-se só das coisas boas que ela tivera feito quando em vida. E o bairro Kalohombo devia muito a ela. Grande parte da fama de que esse bairro beneficiava hoje advinha do que a Helena um dia no passado tinha feito. Ela tinha elevado o nome do bairro a um nível de destaque na arena provincial e nacional.Mais tarde o Henriques decidiu convidar a esposa à viver com ele. A gravidez já estava muito crescida e ele achava mais conveniente o futuro bebé nascer no lar dos pais. Convidou os pais dele, os pais da Helena e da Lwkwakwa a um simples cerimonial de enlace matrimonial. Não foram nem à igreja n
Depois de ter parido, a Lwkwakwa queria arranjar um emprego. Tinha vontade de trabalhar para auxiliar o marido nas despesas domésticas. Mas este não concordava. Ele queria a sua esposa só para si e para a filha, e garantia tudo o que ela precisasse.- Aliás, já tens carro e casa. Queres trabalhar mais para quê, se eu já trabalho?- Mas, Henry, é que… eu…- Mas quê, meu amor!? Você não é como todo mundo e não imites todo mundo. Você é a distinta Lwkwakwa, única amiga e herdeira da extraordinária Helena, e você não precisa de mais nada, porque eu te amo e não vou morrer agora. Eu quero-te só para mim e para a nossa filha.Chegaram nessa conclusão e ficaram felizes.As extravagâncias sexuais da Lwkwakwa iam além de todas as fantasias que ele havia imaginado na puberdade e quando se masturbava. Nunca tinha imaginado que aquilo aconteceria algum dia com ele. Que a sua Lwkwakwa fosse tão criativa assim. Aliás, nunca tinha olhado para a Lwkwakwa com tanto resp
Ruas plenas de gente. Gente preta, branca, amarela e transparente (tal como ousou muito bem chamar Ndalu de Almeida). O corpo, o copo e o desejo virados para apenas uma realidade: Sexo. Era como se isso fosse já o reino da foda profetizado por Henry Valentine Miller, meu velho colega de escola no tempo colonial. As vozes, os efeitos dos gestos dos lábios superiores e inferiores, pronunciam sexo; a libido vem da boca; os discursos todos estão virados para o trono, onde se assenta o patrono da humanidade não virtual, porém sexual. Passos mansos, cadenciados e pressurosos… O mundo avança nesse ínterim, tudo vai, tudo se macula, tudo se conspurca, tudo se confunde com agentes do sexo. Na igreja se promiscuem, no parlamento idem, numa rua qualquer há festa de foda, as discotecas são os centros desse reinado. Vamos dançar as danças noturnas na escuridão do dia e da noite; vamos sujar a nossa imagem, emporcalhar as nossas mentes. Como cães, como porcos, como cadelas no cio… como um primata s