Nyla | Dia 2, agosto de 2019
A noite estava fria, e eu odiava aquele lugar. A pequena cidade de Vár-Midra era cercada por floresta densa, sem sinal de vida além dos uivos distantes que ecoavam pela noite. Minha respiração saía em pequenas nuvens brancas, enquanto eu apertava o casaco contra meu corpo, tentando me proteger do vento gélido. Foi ideia da minha mãe virmos para cá, longe de qualquer sinal de civilização. Ela sempre teve essa obsessão por lugares isolados, mas eu mal podia imaginar que seria nesse fim de mundo que tudo mudaria. Que eu mudaria. Aquele era o tipo de noite em que eu sentia a presença de algo maior. Uma vibração estranha no ar, como se a própria floresta estivesse... viva. Era como se ela me observasse. Cada árvore, cada sombra entre os galhos parecia ter olhos. — É só a sua imaginação, Nyla, — murmurei para mim mesma, acelerando o passo. Meu nome é Nyla, e até então, a coisa mais estranha que já havia acontecido comigo era me perder na trilha de uma montanha quando criança. Mal sabia eu que estava prestes a me perder em algo muito, muito mais perigoso. Foi aí que eu o ouvi pela primeira vez. Um rosnado baixo, gutural, vindo da escuridão. Eu parei. Cada célula do meu corpo gelou. Tentei respirar fundo, mas o ar parecia não entrar nos meus pulmões. Outro rosnado, mais perto desta vez. O som me envolveu, como se estivesse vindo de todas as direções ao mesmo tempo. Eu sabia que deveria correr. Qualquer pessoa sensata fugiria naquela hora. Mas não consegui me mover. Algo dentro de mim queria saber o que estava lá. Algo primal, quase como um chamado. Foi então que ele apareceu. Os olhos âmbar brilharam no escuro, refletindo a luz da lua que mal conseguia penetrar pelas árvores. O lobo era enorme, mais alto do que qualquer outro animal que eu já tinha visto, com pelos negros como a noite e presas que reluziam sob a luz fraca. Ele me observava, parado, como se estivesse esperando por algo. O mundo pareceu congelar por um segundo. Meu coração batia descompassado, o som ecoava nos meus ouvidos. Eu devia correr. Eu sabia disso. Mas aqueles olhos... Havia algo neles que me impedia de dar qualquer passo. Era como se ele estivesse me estudando, como se quisesse me entender. Uma conexão imediata se formou ali, no silêncio da floresta. E então, tão rápido quanto surgiu, ele sumiu na escuridão. Eu fiquei ali, parada, respirando pesadamente, como se tivesse sido arrancada de um transe. — Que diabos foi isso? — , sussurrei para mim mesma. Mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, uma voz grave e rouca veio de trás de mim. — Você não deveria estar aqui. Eu me virei bruscamente, o coração disparando novamente. E lá estava ele. Alto, imponente, com os mesmos olhos âmbar do lobo que tinha acabado de ver. Ele usava uma jaqueta de couro e jeans escuros, o cabelo desgrenhado e um ar de selvageria que fazia a atmosfera ao redor dele parecer eletrizante. Era como se o ar ao redor dele estivesse carregado de energia, prestes a explodir. — O quê... quem é você? — Minhas palavras saíram em um sussurro fraco. Meu corpo tremia, não pelo frio, mas pela presença dele. Algo nele me atraía de uma maneira que eu não conseguia entender. Algo perigoso, intenso. — Isso não importa agora, — ele respondeu, sua voz um ronronar grave que fez minha pele se arrepiar. — O que importa é que você não deveria ter vindo até aqui. Esta floresta não é para você. Eu devia ter me sentido intimidada, mas algo dentro de mim não queria recuar. — E quem é você pra me dizer onde eu posso ou não posso ir? Ele deu um passo à frente, e meu corpo inteiro respondeu ao movimento. Os músculos do meu corpo se tensionaram, como se estivesse em alerta, mas não de medo. Era... expectativa? Meu Deus, o que estava acontecendo comigo? — Eu sou Thorne, — ele disse, com um sorriso que não alcançou os olhos. — E você está em território perigoso. Aqui... não há volta. As palavras dele carregavam um peso que eu não conseguia explicar, mas de alguma forma, eu sabia que ele estava certo. Meu instinto gritava para eu sair correndo dali. Mas, mais uma vez, eu não consegui me mover. — Você não tem ideia do que acabou de acontecer, tem? — Do que você está falando? — Minha voz saiu hesitante. Nada fazia sentido. — Essa floresta te escolheu. Eu senti quando você chegou. — Ele deu outro passo, agora tão perto que eu podia sentir o calor que emanava de seu corpo. — Você está marcada. — Marcada? — A palavra saiu de forma fraca, quase sem vida. Meu corpo parecia ceder a uma força invisível. Thorne se inclinou, os olhos âmbar me perfurando, tão intensos que era impossível desviar o olhar. — Agora, você pertence a mim. Não há como escapar. Meu coração disparou com aquelas palavras, mas de uma forma que não envolvia pânico. Pelo contrário. Cada fibra do meu ser parecia gritar em resposta, como se eu tivesse esperado a vida inteira por esse momento. E foi ali, debaixo da lua cheia, que tudo mudou. Eu não sabia o que significava estar marcada, muito menos o que aquilo implicava. Mas uma coisa eu sabia: não havia mais volta. Eu estava conectada a ele, e de uma maneira que eu jamais poderia entender completamente. Algo sombrio, algo irresistível... e perigoso.Nyla | dia 3, agosto de 2019O sol mal tinha se levantado quando acordei no meu quarto, o coração ainda batendo forte no peito. Eu podia jurar que tudo o que aconteceu na noite anterior tinha sido um sonho. Mas quando toquei o pescoço, senti uma pequena marca. Quase invisível, mas ali, como se alguém — ou algo — tivesse me tocado. Um calafrio percorreu minha espinha.— Isso não pode estar acontecendo — murmurei, me olhando no espelho. Minhas olheiras estavam profundas, o rosto pálido. A noite inteira, pesadelos com olhos âmbar me perseguiram. Mas foi só ao abrir a janela do quarto que a realidade me atingiu.A floresta ainda estava lá. Silenciosa, misteriosa, e... convidativa? Mesmo depois do que vi ontem à noite, uma parte de mim sentia-se puxada para aquele lugar. Era como se a própria terra estivesse sussurrando meu nome.Balancei a cabeça, tentando me livrar desses pensamentos. Minha mãe estava na cozinha, como de costume, preparando café, alheia a tudo. Talvez eu devesse contar a
Nyla | dia 5, agosto de 2019Eu passei os últimos dois dias tentando fingir que a coisa toda com Thorne não aconteceu. Difícil, né? Eu sentia como se ele estivesse em toda parte, mesmo quando eu estava longe da floresta. Às vezes eu acordava no meio da noite, com aquela sensação de que ele estava me observando. Não era um medo comum, era outra coisa. Era como se meu corpo soubesse que ele estava perto, mesmo quando minha mente tentava negar.Eu não sabia se o que estava acontecendo comigo era real, ou se eu estava surtando de vez. Quem poderia me culpar? Eu nunca acreditei nessas histórias de lobisomens, mates e destinos traçados. Isso era coisa de livro, de filme. Mas Thorne… ele me fazia questionar tudo.Naquela manhã, eu precisava de ar, precisava pensar, e ficar trancada em casa com a minha mãe não ia ajudar em nada. Ela, claro, nem notou que eu estava agitada. Estava mais ocupada do que nunca com suas ervas, rituais estranhos e sei lá mais o quê. Eu tinha minhas dúvidas sobre o q
Nyla | dia 6, agosto de 2019A noite inteira eu fiquei acordada, girando na cama, encarando o teto. Não tinha jeito de esquecer o que Thorne me disse. Lobisomens? Mate? Ser dele? Como assim, "não tem escapatória"? Isso é ridículo... não é? Eu tentei racionalizar tudo, me convencer de que ele estava jogando comigo, que nada daquilo era real. Mas, sempre que eu fechava os olhos, sentia o peso daquelas palavras, e algo dentro de mim... acreditava.Era como se meu corpo estivesse um passo à frente da minha mente, já aceitando algo que eu não conseguia compreender.Quando finalmente levantei da cama, o sol ainda não tinha nascido. Eu me olhei no espelho do quarto, tentando encontrar algum sinal de que eu estava diferente, mas parecia a mesma de sempre. Tirando as olheiras gigantes, claro. Peguei uma escova e passei no cabelo, como se isso fosse ajudar de alguma forma a clarear meus pensamentos.“Eu preciso falar com alguém”, pensei. Mas com quem? A verdade era que eu não conhecia ninguém o
Nyla | dia 8 de agosto de 2019As horas passavam, mas eu não conseguia desligar minha mente. Era como se uma parte de mim estivesse em constante alerta, esperando algo. Thorne estava por toda parte — em meus pensamentos, nos meus sonhos e até nos meus pesadelos. O problema? Eu não sabia mais distinguir o que era real do que era imaginado.Dois dias se passaram desde o último encontro com ele na floresta, e eu fiz de tudo pra me manter ocupada. Ajudei minha mãe com as tarefas, limpei a casa, até dei uma volta pela cidade, só pra tentar afastar os pensamentos que insistiam em voltar. Mas nada adiantava. A cada segundo que passava, o desejo de voltar à floresta crescia. Como se algo me puxasse para lá, um chamado impossível de ignorar.UMEu ainda tentava entender o que Thorne tinha dito — sobre ser marcada, sobre a conexão, e principalmente, sobre ele ser um lobisomem. Por mais absurdo que isso soasse, uma parte de mim sabia que era verdade. Meu corpo estava reagindo de maneiras que eu
Nyla | dia 9, agosto de 2019Eu queria gritar. Queria correr até meus pés não aguentarem mais. Mas, em vez disso, fiquei sentada no chão do meu quarto, com a cabeça entre as mãos, tentando processar tudo o que estava acontecendo. Só que nada fazia sentido.Lobisomens? Mate? Uma ligação inquebrável? Que tipo de maldição era essa? Thorne me dizia que era destino, mas e o meu livre-arbítrio? Eu tinha passado a vida toda lutando pra ter controle, pra ser dona das minhas escolhas. Agora, de repente, isso estava sendo arrancado de mim, e o pior de tudo? Eu sentia que estava cedendo, pouco a pouco.Levantei do chão, andei de um lado pro outro no quarto, me sentindo sufocada. O que eu ia fazer? Não podia simplesmente aceitar isso. Fugir? Não tinha como. Algo me puxava de volta, toda vez que eu pensava em sair de Vár-Midra. Era como se meu corpo estivesse preso a esse lugar, preso a ele. O calor da pele de Thorne ainda estava cravado em mim, e não importava o quanto eu tentasse, não conseguia
Nyla | dia 10, agosto de 2019A noite chegou rápido demais. A lua ainda não estava cheia, mas já parecia maior e mais brilhante no céu. Eu sentia ela puxando algo dentro de mim, como se estivesse me preparando para algo que eu não queria enfrentar. Cada dia que passava, a pressão aumentava, e meu corpo respondia de formas que eu não conseguia explicar. Era como se estivesse me transformando por dentro, mas eu não tinha ideia no quê.Ficar dentro de casa me sufocava, então saí. As ruas de Vár-Midra estavam calmas, como sempre, mas mesmo com o silêncio, o ar parecia carregado de tensão. Eu andava sem rumo, com as mãos nos bolsos, tentando manter a cabeça vazia, mas era impossível. Cada pensamento me levava de volta a Thorne, à floresta, à maldita lua cheia que estava quase aqui.— O que eu vou fazer? — sussurrei para mim mesma, a voz cheia de frustração.A resposta não veio, claro. E mesmo se viesse, eu sabia que não tinha escolha. Thorne já tinha deixado claro o que ia acontecer, e por
Nyla | dia 11, agosto de 2019O dia passou como um borrão. Eu mal conseguia me concentrar em qualquer coisa que não fosse ele. Thorne estava em meus pensamentos, dominando cada segundo da minha mente, como uma tempestade que eu não conseguia afastar. A lua cheia estava tão perto que eu podia sentir sua influência me puxando, me mudando. Era como se uma parte de mim estivesse desperta, sentindo cada pequeno movimento, cada batida de coração de forma amplificada.Eu sabia que estava acabando. Essa luta interna, essa tentativa desesperada de resistir ao que estava por vir, estava chegando ao fim. E o pior? Eu não tinha mais certeza se queria resistir.Andei pela casa sem rumo, sentindo o peso de tudo o que estava acontecendo. Minha mãe estava quieta, mais do que o normal, e eu sabia que ela percebia algo diferente em mim. Talvez ela até soubesse mais do que deixava transparecer, mas nunca disse nada. Aquele era o jeito dela — observar sem se intrometer, como se estivesse esperando que eu
Nyla | dia 12, agosto de 2019Eu não conseguia tirar a cena da minha cabeça. Thorne se transformando bem na minha frente, o brilho dos olhos âmbar do lobo encarando os meus, como se ele estivesse vendo algo dentro de mim que eu mesma não conseguia entender. Cada detalhe daquela transformação ficou gravado na minha mente, e o mais assustador? Eu não sentia medo.Se alguém tivesse me contado, há alguns dias, que eu estaria ali, frente a frente com um lobisomem e sentindo... o que quer que eu estivesse sentindo por ele, eu teria rido. Ou surtado. Mas agora, a única coisa que eu sabia com certeza era que a minha vida nunca mais seria a mesma.O problema era o que vinha depois.A lua cheia estava a um dia de distância, e Thorne me deixou claro o que aconteceria. Ele falou de forma calma, quase gentil, mas o peso daquelas palavras ainda estava comigo.“Você é minha.”A voz dele ecoava na minha cabeça, enquanto eu andava pela cidade, tentando encontrar algum conforto na rotina. Só que não ha