04. O que eu temia, parte 2

Tasya

Caminho em passos apressados, agarro a minha mochila com força mantendo o spray de pimenta pronto para atingir qualquer um que entre em meu trajeto. O som de passos atrás de mim faz com que eu continue andando apressadamente.

Tenho certeza de que está me seguindo. Já fiz diversas mudanças em meu percurso, mesmo assim seus passos continuam a soar em minhas costas.

Passei pelas principais ruas e pontos de ônibus, porém, permaneceu me seguindo. Se isto não é uma prova de que sou o seu alvo, devo estar enlouquecendo de vez.

O frio adentrando por minha luva gela todo o meu corpo junto ao som de seus passos. É como um ritmo macabro para que eu tenha cada vez mais medo me corroendo.

Se eu parar em qualquer lugar agora deve ser ainda pior.

Ficará mais tarde e haverá ainda menos transeuntes no caminho que preciso fazer para chegar em casa. Vendo minha respiração congelar no ar, adianto-me o máximo que minhas pernas conseguem sem que comece a correr de verdade. Você consegue Tasya. Só mais duas ruas e você pode ficar livre desse medo desgraçado.

Meu coração sente algum alívio quando percebo que tem um casal indo na mesma direção que eu. De novo forço minhas pernas em seu limite para os acompanhar e é bem claro que ficam assustados por minha entrada abrupta no mundinho que vinham fazendo para si próprios.

— Sinto muito — digo, caminho do lado deles. — Está um pouco tarde, não é? — Espero que entendam o que estou tentando dizer sem usar as palavras necessárias. Também não quero os colocar em risco, mas duvido que um stalker faria alguma coisa na presença deles.

Não estou devendo a ninguém com atraso. Tenho certeza de sempre pagar exatamente para que essas coisas não aconteçam, desse modo, acredito que seja um tipo de problema diferente. Quantos mais surgirão em minha vida é o que não consigo saber, muito menos se irei os suportar.

Entrar em casa foi de um alívio imenso, porque sabia que seria mais difícil ele se atrever a vir aqui, mas minha mente não deixa de racionalizar como pode ter sido por pouco, como eu poderia me foder se não encontrasse alguém vindo na mesma direção que eu.

Poderia ser a pessoa que invadiu a casa antes?

— Tasya, você chegou — fala o meu pai, se pendura no beiral da entrada que separa a cozinha e a sala. É bem claro que a sua embriaguez não pode ser contida pelo tempo dormido.

— Sim, cheguei — digo e ele dá um pequeno sopapo para correr em direção à cozinha, possivelmente para cuspir tudo que tem no estômago.

Às vezes, assim que come, tem que correr para vomitar. Seu corpo já entendeu que ele só sabe botar álcool dentro dele. Quando é outra coisa, rejeita.

Ando em direção à cozinha, retirando o pacote pardo de dentro da minha bolsa, colocando ali os hambúrgueres que pode comer mais tarde se conseguir.

Agora tudo que preciso é de um banho e da minha cama. Alguns minutos dormindo vão me fazer bem. Não posso pensar no sujeito que estava me seguindo, não quando preciso sair de casa daqui a pouco.

Me pergunto se o garoto com qual divido os turnos, passaria aqui para me buscar me entregando o carro de entrega, seria mais fácil do que ter que pegar um ônibus para chegar lá e eu poderia deixá-lo em sua casa.

Apanho meu celular, busco pelo seu contato, esperando que se compadeça com a minha situação e salve a minha vida, ainda que ela não o interesse. Continuo ouvindo o som assustador do meu pai colocando todos os seus bofes para fora antes de começar a tossir sem parar.

Tenho quase certeza de que não tem muitos órgãos que continuem saudáveis dentro dele depois de passar tantos anos abusando do álcool. Agora com a péssima situação para se alimentar, deve ser ainda pior.

Mas por que estou pensando nisso?

Preciso da minha cama.

***

— Hum, acho que você combinaria com a profissão, te vejo olhando para os pivetes, seria uma ótima pediatra, eu acho — fala minha colega ao sorrir.

Estamos falando de uma situação hipotética, pois que tempo eu teria para estudar? Muito menos o suficiente para receber uma bolsa. É impossível para mim pensar que pagar uma faculdade de medicina será viável algum dia.

— Poderíamos compartilhar cartões um dia, ainda que ache que seria difícil para mim te ajudar com alguma coisa.

— Você vai ser uma grande professora um dia, não precisa se preocupar — Tendo algumas situações que a favorecem, acabou conseguindo entrar na faculdade e eu fico feliz por ela, quer dizer que tem melhores chances de deixar esse emprego antes de mim.

— Ei, não me olhe assim, você também pode conseguir o que quer — diz, b**e em meu ombro para me incentivar, sem saber que estávamos muito perto de descobrir que não, eu não poderia.

A minha vida iria caminhar mais uma vez por um caminho que não escolhi somente porque outra pessoa tomou as piores decisões que podia e sem nem saber acabei sendo suja pelos seus erros.

— Espero um dia poder vir aqui só para xingar o nosso chefe — falo e começa a rir, pois também desejaria o mesmo, apenas é menos literal na hora de ponderar sobre o que fazer para se vingar.

Já eu tenho uma imaginação muito fértil, apenas não tenho as armas que facilitariam pôr o que tenho em mente em prática, porém, com certeza, seria assustador para alguém.

Não dizem que a cabeça de uma pessoa pode ser um mundo particular? O meu deve ser mais sombrio do que a maioria.

— Hoje você vai direto para o seu outro trabalho, não é? — me pergunta e eu concordo.

O rapaz que fica até que eu chegue precisará sair e eu fico feliz de ter a chance de ganhar algumas horas extras, elas podem ser a minha oportunidade de comer algo diferente durante a semana.

— Marquei com alguns amigos para que nos encontrássemos lá, quem sabe não tenha como dar a comissão para você.

Não creio que seja possível, mas fico feliz de ela ter pensado em mim pelo menos um pouco. É uma pessoa muito agradável de conviver e creio que por nossos humores serem semelhantes às coisas se tornam mais fáceis.

— Se você não se importar de pegar alguns ônibus comigo ou de caminhar um bocado. — Ela começa a rir dizendo que apenas parece ser fresca, mas que usa de transporte público como todo mundo e que entende que é o mais em conta para mim. — Em quantos vocês vão? — pergunto, aproveito esse momento para criar alguma conversa que me faça deixar de pensar em quanto a minha vida fodida tem muito mais chances de piorar do que de melhorar.

Surpresas para mim no geral são motivos para que eu me assuste.

A única alegria é receber o salário em dia e ter como pagar a quem devo.

Empolgada, fala que pode ter um amigo da faculdade que amaria me conhecer, desanda no assunto e continua sorrindo vez ou outra me verificando para ter certeza de que acompanho o seu raciocínio.

Não importa que eu diga que não quero me envolver com homem nenhum, que já estou de saco cheio para uma vida inteira do sexo oposto devido à minha péssima relação paterna, mas ela ainda discorreria sobre os prazeres de ter um bom companheiro.

Seu namorado deve ficar feliz de ter alguém como ela ao seu lado.

Mas o que eu poderia fazer por um companheiro?

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