Capítulo 2

STEPHAN

— Seu pai se chama Peter Oliver, Stephan.

As palavras de minha mãe martelaram na minha mente todo o tempo. Eu andava de um lado para o outro naquele maldito hospital e minha mente deveria estar focando apenas nela, na cirurgia que ela estava fazendo naquele momento, mas não.

Eu só conseguia pensar em Peter Oliver. Meu pai.

Meu maldito pai.

Quem ele era? Por que inferno havia nos deixado?

Só era um garoto. Quinze anos, uma mãe doente, uma casa de um único cômodo em um lugar imundo. Toda a minha infância fazendo perguntas sobre quem era meu pai ou onde ele estava, e por que não estava conosco. Sempre recebendo respostas como: "Eu sou sua mãe, Stephan, é isso que importa". Tudo isso pareceu em vão naquele momento.

Porque eu supostamente tinha um pai.

Sentei-me numa cadeira de plástico após muita insistência da recepcionista que já estava, provavelmente, cansada de me ver andando de um lado para o outro.

Tia Sasha surgiu com os olhos marejados. Me beijou a testa e sentou-se ao meu lado.

— Nenhuma novidade?

— O médico disse que viria assim que terminasse a cirurgia. 

Ela preferiu não dizer nada, apenas agarrou fortemente minhas mãos e fechou os olhos. Conseguia ouvir seus sussurros de oração, mas não conseguia fazer o mesmo.

Minha cabeça se dividia entre duas coisas. Meu pai e minha mãe.

Meu pai, em algum lugar do mundo, talvez pouco se fodendo para a minha existência ou para a de minha mãe.

E, minha mãe, dentro de uma maldita sala de cirurgia, tentando retirar um maldito tumor em seu cérebro.

E eu, ali, desnorteado, esperando qualquer coisa que fosse. Qualquer coisa boa em meio ao caos que me rodeava.

Depois de uns minutos o médico saiu pela porta, olhou para mim e desviou seus olhos.

Não.

Pode.

Ser.

Não.

Pode.

Inferno.

Ser.

Minha tia saltou da cadeira, ainda segurando firme em minhas mãos. Tentei largar, mas ela apertou com mais força ainda.

— Doutor? É minha irmã... — minha tia explicou toda nervosa. — E então...?

Ele olhou para mim mais uma vez. Dessa vez fixou seus olhos em mim. Eu não ia chorar. Nunca fui de chorar. Nunca.

Minha tia começou a chorar antes mesmo do médico abrir sua boca. Eu me mantive firme. Enquanto não saísse alguma coisa de sua boca, eu continuaria assim: firme.

— O tumor... era um grande tumor. — disse, mas não era novidade nenhuma para mim. — Tentamos retirar. Fizemos de um tudo. Mas, infelizmente...

— Não. Não. Não. Por favor, não diga que...

— Sinto muito, senhora. — ele sim queria chorar. Estava lutando, tenho quase certeza.

Seus olhos se voltaram para mim.

— Sinto muito, garoto.

Engoli seco.

Não disse nada, nem mesmo chorei.

Ao contrário de minha tia, que parecia uma cachoeira. Ela me puxou para si e me apertou tão forte que eu pensei que fosse morrer por falta de ar.

Minha mãe havia partido.

E, tudo que eu tinha — supostamente - era meu maldito pai.

HOJE

Levanto da cama, escovo os dentes e saio para a sala na esperança de que Peter já tenha ido para a sua clínica. Para meu azar, ele está sentado à mesa, concentrado em seu jornal do dia. Tento ignorá-lo, no esforço de que ele faça o mesmo.

Mas é claro que isso não é possível.

— Bom dia, Stephan.

Ignoro. Caminho até a geladeira, retiro o leite e despejo no copo. Peter deixa o jornal de lado e se concentra em me encarar.

Ignore.

Ignore.

Ignore.

— Dormiu bem?

Ele insiste. Que diabos.

— Não vai responder seu pai?

— Não é meu pai. — ralho. Ele sorri. Porque sabe que é só falar isso, que eu abro a boca para corrigi-lo sempre, com unhas e demtes.

— Sabe que sou. Mesmo que não queira.

— Só tive um pai na minha vida e era minha mãe quem fazia este papel.

— Stephan...

Bato o copo contra a mesa com força. Peter semicerra os olhos em mim.

— Estou tentando conversar com você, garoto.

— Uma conversa só existe se houver interesse entre ambas as partes. E eu não estou nem um pouco interessado.

Peter se levanta e dá alguns passos em minha direção.

— Quero falar sobre o que aconteceu na semana passada.

Fecho os olhos e respiro fundo.

Será que ele não enxerga que eu não quero falar com ele?

Que eu não conversar com ele?

Que eu não suporto ele?

— Eu admito que me excedi. E você também. Agimos como duas crianças levadas, Stephan, e somos mais que isso. Somos dois adultos.

— Cale a boca.

— Só estou falando que eu não queria ter feito aquilo com você e tenho certeza que você também se arrepende do que fez comigo. Acho que podemos apagar isso com uma borracha e...

— Deixe eu te lembrar uma coisa: — me aproximo de Peter, cerro os dentes. — Eu não me arrependi de ter acertado você. Para ser sincero, faria tudo de novo.

— Stephan...

— As coisas que disse... o que insinuou sobre minha mãe... ainda vai se arrepender, Peter.

— Não quis ofender sua mãe, Stephan. Estava tentando te explicar como aconteceu. Eu e ela... você!

— Disse que ela foi só mais uma como todas as outras vadias com quem já dormiu. E minha mãe não é isso. Ela é mais que isso.

— Eu não disse... eu só disse que sua mãe foi uma das poucas mulheres que já amei na vida. Sua mãe e...

— Não diga o nome. Não quero saber. Realmente não me importo quem você amou ou não.

— Amei a sua mãe...

— E a deixou! — grito, exasperado. — Sozinha, com um maldito moleque para criar! Acha que isso é ser pai, Peter?

— Eu não sabia que ela estava grávida!

Ele grita de volta, está tentando se defender, mas não. Comigo não cola.

— Você a usou, depois a descartou e a deixou.

— Não fiz isso.

— Fez. — insisto, sentindo a fúria aumentar.

— Quer saber? — ele rola os olhos de um jeito detestável, me olha e sorri. — É o que quer ouvir? Então, tudo bem. Fiz isso! Usei ela, usei e, no fim das contas, você nasceu!

Tenho fogo nos olhos. É o mesmo sentimento de raiva que tenho no peito desde que descobri sobre Peter. Sobre quem ele é. Quem ele não é, para ser franco.

Fecho o punho e acerto com força no rosto dele. É a segunda vez em uma semana.

Olho para minha mão. Está sangrando. Merda. A mão que estava machucada. Sinto doer cada fibra do meu corpo. Não fraquejo. Peter não se machucou tanto quanto eu, pelo menos não dessa vez.

Ele olha para a minha mão e apenas ignora. Sai andando e me deixa ali, sozinho, morrendo de tanto ódio.

Não tenho outra coisa a fazer, senão ir até ela.

. . . 

Ela está de costas.

Lexie parece concentrada nos próprios dedos, ou em um anel brilhante que tem em um deles. Minha mão está sangrando e doendo. Me aproximo dela e deixo um gemido de dor escapar de minha boca.

Ela se vira para mim, surpresa, a boca aberta em sinal de espanto.

— Enfermeira... — faço uma careta.

— O que eu disse sobre tomar cuidado?

Abro um sorriso de lado.

Ela é bonita. Toda a semana meus pensamentos estiveram aqui. Estiveram nela. E eu simplesmente não sei o motivo.

Ela me leva até uma sala pequena, coloca algumas luvas e se aproxima. Olha para a minha mão ensanguentada e faz uma careta.

— Isso... Deus! É maluco? Recebeu pontos em menos de uma semana!

— Me desculpe. Fez um bom trabalho, eu que sou um pouco... como posso dizer?

— Grosseiro? — ela rebate.

Parece que somos íntimos. Isso é realmente divertido. Conheço essa garota há uma semana e sinto que nos conhecemos há anos.

Há vidas.

Seus olhos azuis observam com cautela minha mão, à medida que ela vai limpando e contendo o sangue. Fico olhando para ela porque gosto de ver o quanto isso a constrange.

— Contei os dias para te ver, sabia? — admito, baixinho.

Ela olha para os lados, como se estivesse procurando por alguém. Depois me olha séria, e eu sorrio.

— Eu não... — ela revira os olhos. — Vou colocar um curativo, você pode tirar amanhã, tudo bem?

Está me ignorando? É isso? Ela está me ignorando?

— Estou dizendo que passei sete dias pensando dia e noite em você e tudo que tem a me dizer é que posso tirar esse maldito curativo amanhã?

Lexie morde os lábios.

Fica linda e sensual quando faz isso.

— Deixe eu te mostrar uma coisa.

Ela se afasta de mim e me estende sua mão. Franzo a testa. Ela ergue os olhos. Mostra o dedo anelar e lá está aquele bonito anel tão brilhante.

— É um anel bonito. Combina com a dona.

— É um anel de compromisso. — salienta.

É, eu sei. Percebi isso desde que nos vimos. Mas simplesmente não consigo me importa, essa é a verdade.

— Legal.

— Legal? — ela diz, parece ofendida.

— Vai casar?

Ela crispa a testa, parece confusa com minha pergunta.

— Vou. Em breve. Por quê?

— Quanto anos tem?

— Por que não responde minhas perguntas? — ela se irrita.

Eu sorrio.

— As minhas são mais interessantes.

— Vinte e três. — ela murmura, derrotada.

— Uh.

— Uh? — ela faz uma careta e cruza os braços. — Você é... tão...

— Bonito?

Ela fica vermelha e eu sorrio. Gosto de provocá-la, embora tudo que eu queira agora seja mais do que provocá-la. Quero além disso.

Quero...

— Quero beijar você.

— Você o quê?

— Quero beijar você. — repito.

— Você é realmente esquisito.

Ela diz, se afasta de mim, retira as luvas e está pronta para me deixar a ver navios.

Salto da cama em que estava sentado, fico na frente da porta e ela não tem para onde ir.

— Você perdeu a noção? Isso é um hospital! Estou trabalhando! Você quer me deixar, por favor, ir embora...

— Disse que queria beijar você.

— E eu disse que sou noiva de um cara.

— Disse isso com sua boca. Mas sabe o que seus olhos e seu corpo estão dizendo?

Ela fica nervosa, porque sabe que eu entendi a reação do seu corpo. Dos seus olhos. Eu a entendi.

— Estão dizendo que querem esse beijo tanto quanto eu quero.

— Ora... saia da minha frente. Deixe de ser petulante.

— Lexie, admita. Quer me beijar.

— Estou mandando sair da minha frente.

Não insisto. Cumpro sua ordem. Me afasto e deixo a passagem livre para que ela saia, embora eu saiba que ela quer ficar.

Ela pega na fechadura com força, como se estivesse com raiva. Não apenas de mim, mas de si mesma.

Fico parado, sorrindo. Porque sei que ela não quer mesmo sair dali.

Seus dedos se movem e ela tranca a porta. Vira para mim e ficamos nos encarando por longos segundos.

Não quero mais perder tempo. Quero beijá-la. Quero algo bom no meu dia. Beijá-la vai deixar meu dia melhor do que bom. Excelente.

Caminho apressado em sua direção e a puxo para mim com força, desejo, vontade.

Nossos lábios se tocam e são como duas coisas grandiosas colidindo. Seguro sua cintura, ela agarra meu pescoço e me beija com o desejo que estava gritantemente estampado em seus olhos.

Quero mais. Quero mais. Quero mais.

E ela também.

E, quanto mais nos beijamos, mas tenho certeza de que estamos condenados.

Completamente condenados.

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