Quando cheguei ao hospital, quase uma hora depois da ligação de Ben, encontrei ele e Daniel na recepção. Assim que me viram, os dois vieram ao mesmo tempo na minha direção e me abraçaram com força. Percebi os olhos avermelhado de Ben, que certamente havia chorado e a expressão de tristeza no semblante da Daniel.
- Como ela está? Me digam que está tudo bem.
- Não está tudo bem. – Daniel comprimiu os lábios, tentando não os fazer tremerem como quando iniciou a frase.
- Há notícias? Maria Lua já nasceu?
- Só nos mandam esperar, esperar e esperar... – Daniel continuou aflito.
Olhei para Ben, que limpou a lágrima teimosa que tentava cair. Fui até ele e o apertei contra meu corpo:
- Pode chorar se quiser. Não segure isso para si. Eu vou estar aqui e pode usar meu ombro.
- Ela v
Na hora, pareceu um sonho. A voz dela foi fraca, baixa, mas sim, eu entendi o nome do pai de Maria Lua: Heitor.De repente, ela virou a cabeça para o lado e seu corpo começou a tremer em espasmos.Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, duas enfermeiras me pegaram, tentando tirar-me da sala.Recusei-me a sair, gritando para que ela reagisse:- Salma, seja forte! Não pode nos deixar. – Implorei.Outro homem apareceu e me puxou com firmeza, me afastando definitivamente de perto dela.Enquanto me retiravam, contra vontade, vi o corpo dela desaparecendo entre as tantas pessoas que se voltaram à maca. O aparelho que bipava fez um som ensurdecedor para em seguida parar. Então ouvi um choro de bebê.Os médicos e enfermeiros falavam todos ao mesmo tempo e eu não conseguia prestar atenção no que diziam. Percebi as pernas dela ainda tremendo e foi então q
Assim que acabou minha apresentação, desci do palco de vidro e fui para o camarim. Meu coração batia descompassado e eu sabia que não era de cansaço ou adrenalina da noite. Era medo e ansiedade que eu sentia naquele momento.Eu deveria estar retirando a maquiagem e me preparando para ir embora. Mas não naquela noite.Algumas das dançarinas conversavam e eu fiquei ali, me encarando no espelho. Já houve uma época que não gostava de ser ruiva. Hoje eu me aceitava e sabia que justo pelo fato de eu ser ruiva, chamava a atenção de alguns homens. Nem as sardas me incomodavam mais e meu olhos verdes já foram comparados a esmeraldas.Mas eu não queria mais chamar a atenção de todos homens. Eu só queria a atenção de um: Heitor Casanova. A questão é que o canalha jamais olhou na minha direção. Dentro da Babi
Um dia, cansada de tudo aquilo, tive coragem e falei para minha mãe. Nunca esqueci as palavras dela:- Sua idiota! Quer que eu faça o que? Mande-o embora? Quem você acha que põe comida na porra desta mesa?A mãe de Babi morreu semanas depois e ela teve que ir morar com a avó. Não era muito longe, mas não nos víamos com tanta frequência, o que me fez ficar sem rumo por um bom tempo, vivendo mais na rua do que dentro da minha própria casa.Minha mãe engravidou do desgraçado e eu tive a certeza que ela nunca o deixaria. Um dos meus irmãos morreu atropelado e na mesma noite ouvi ela e meu padrasto transando feito loucos, enquanto eu chorava a perda deitada na minha cama. Eu poderia ser a porra de uma vagabunda, uma drogada, uma desequilibrada. Mas minha vontade de mostrar ao mundo que eu venceria e sairia daquela merda de vida era maior.Eu estava com Babi na
- Ela só precisa disso: amor e carinho. E acompanhamento médico. Gostaria de seguir acompanhando o desenvolvimento dela.- Maria Lua é uma guerreira, como a mamãe. – Falei.- Ainda não chamei o pai. Ele não sabe o que aconteceu.- Ele não é o pai – falei. – Era o namorado de Salma.- Entendo... Então... Você é familiar?- Amiga.- Onde estão os familiares dela?- Longe. E eles não tem capacidade financeira nem emocional para cuidar da bebê.- Então eu acho que temos um problema aqui.- Como assim? – arqueei a sobrancelha, confusa.- Se despeça da bebê e vamos conversar um minuto ali fora. – Ela disse.- Tudo bem. – Concordei, ainda tentando entender o que ela queria dizer.A médica saiu e a enfermeira permanecia ali, sentada, fazendo algumas anotações.Olhei a menina perfeita aconchegada a mim e um misto de sentimentos se apossou de todo meu ser. Era a sensação de perda com a euforia de chegada de uma criança. Eu tinha vontade de gritar, chorar e ao mesmo tempo sorrir sozinha.- Eu vo
- Me larga, porra... Agora. – Ele gritou, enquanto eu seguia segurando sua camiseta.As mãos dele retiraram meus braços com força, rasgando a camisa por completo, como se aquele tecido fosse o que eu tinha de mais importante naquele momento.Ben olhou para a roupa rasgada e depois para mim. Os olhos dele escorriam lágrimas. Balançou a cabeça e foi para a parede, dando socos contínuos, ecoando pelo corredor, soltando um grunhido de dor, feito um animal ferido, até o sangue misturar-se à tinta branca que cobria o concreto.Daniel veio até nós, já sabendo o que tinha acontecido, mesmo que ninguém tivesse lhe contado. Tentou tirar Ben dali, enquanto todas as pessoas se voltam a nós. Mas era inútil tentar tocá-lo.Ben ficou forte como uma rocha e seguiu, até não ter mais forças. Dois seguranças chegaram em seguida e o retiraram, sendo seguidos por mim e Daniel, até a porta da rua.- Acalme-se ou chamaremos a Polícia. – Um deles ameaçou.- Precisamos de ajuda... – falei, a voz quase não sai
Ben foi atendido, medicado, teve a mão enfaixada e levado para casa, por Daniel. Embora quisesse ficar comigo, não permiti. Ele precisava dormir e descansar. Estava muito abalado emocionalmente.Se eu estava abalada? Deus, estava completamente destruída por dentro. Mas sabia como lidar com perdas, com dores horríveis que pareciam não ter fim e com um corpo que mal conseguia parar em pé. Eu era expert em rasteiras da vida.Fiquei observando Maria Lua pelo vidro até minhas pernas não suportarem mais o peso do meu corpo. Então fui até a sala de recepção da Maternidade e sente, recostando a cabeça para trás e fechando meus olhos.Eu pensava em tantas coisas ao mesmo tempo que não conseguia focar em uma só. Aqueles olhos verdes sensuais ficavam passeando pela minha mente, quase me enlouquecendo. Eu não queria, mas conseguia ver Salma e Heitor na cama, transando. As mãos dele, quentes, passando pelo corpo dela, ansiosas. Podia ouvir os gemidos da minha amiga sob o corpo dele, enquanto senti
- Sim. – Menti. Senti um frio na barriga ao pegar o pequeno envelope e abrir, com as mãos trêmulas, não sei se pelo medo do que tinha escrito ali ou por meu corpo estar exigindo atenção, prestes a cair a qualquer momento. Bem-vinda à Noriah Norte, desclassificada. Espero que tenha se curado da bebedeira. Podemos jantar juntos hoje? A saudade está acabando comigo. Sentei no sofá confortável, pois estava completamente fora de mim, a ponto de desmaiar. - Está pálida. – Daniel disse. – Tudo bem? Assenti, com a cabeça, incapaz de dizer qualquer palavra. - Ela passou bem a noite? – ele se referiu à Maria Lua. Confirmei com um gesto, sem palavras. Ele foi andando até o vidro e ficou ali, observando-a. Ben sentou ao meu lado: - Foi ele que mandou? - Sim. – Respondi mecanicamente, mostrando o bilhete. Ben leu e suspirou: - Sei que a mentira tem pernas curtas, mas precisa acabar de vez com isso, Babi. Mesmo que vocês fiquem juntos, criando Maria Lua lado a lado, qualquer coisa que ac
Meu peito se contraiu ainda mais numa dor que fodia minha mente tanto quanto meu corpo. Voltei para o vidro da maternidade, olhando aqueles dois quilos de carne com boca e nome, se remexendo, tão frágil, tão bela, tão dependente de mim. A pediatra me observou atentamente e chamou-me com o dedo. A enfermeira foi até a porta e autorizou minha entrada.Sentei numa poltrona, enquanto via outro bebê ir para o quarto, pois a mãe já havia voltado da sala de parto. Maria Lua foi trazida até mim, colocada sobre meu peito. Encarei aqueles olhinhos claros que se abriram na minha direção, parecendo sem foco, a pele enrugadinha, descascando levemente.Sim, ela valia qualquer coisa. Era um amor que eu não poderia explicar em mil anos.Ah, Heitor, abro mão de você ao mesmo tempo que aceito sua filha como minha. Quanta ironia. Quero odiá-lo pelo que fez, mas não consigo