RAOUL
Ouço as batidas leves na porta. Uma batida. Duas seguidas e logo três seguidas. É o código. A porta se abre e Carmine entra, caminhando a passos rápidos até a cama, onde j**a a mochila e se j**a bufando.
— Chega pra lá, idiota!
— Seu jeito carinhoso é o que mais me encanta — digo me afastando para ela se deitar ao meu lado. — Isso não é cara de quem gozou.
— Ainda sou a virgem imaculada. Ele terminou comigo. Disse que sou cega e que vai voltar pra Minas. Ah, e disse que me ama.
— Nessa ordem?
Ela encara o teto enquanto diz:
— Sei lá. Nunca mais me deixa namorar nenhum babaca. Já decidi: serei a tia dos seus filhos. Nunca mais vou namorar.
A imito, encarando o teto.
— E quem disse que terei filhos? Pode parar de me incluir em seus planos furados.
— Que péssimo amigo você é.
— Termina comigo então.
— Babaca! — b**e de leve no meu braço. — Você devia me consolar.
— Humm não. Já faço demais por você.
— Faz porra nenhuma. — Senta na cama. — Eu é que faço demais te aturando.
— Vem aqui. — Faço ela se deitar novamente, com a cabeça no meu peito nu. Não tenho costume de usar camisa em meu quarto. — Você amava aquele sonso? — pergunto enrolando um cacho no meu dedo, distraído nessa imensidão de cachos que são seus cabelos.
Ela suspira ruidosamente.
— Pior que não. Eu gostava dele, era divertido e suave. Achei que um primeiro amor deveria ser assim.
— Mas se não o amava, como ele poderia ser seu primeiro amor?
— Que pergunta difícil.
Por longos minutos ficamos em silêncio, pensando em perguntas difíceis.
— Por que ele disse que você é cega?
— É outra pergunta difícil. Mas, segundo ele, eu vou descobrir sozinha, quando for tarde demais.
— E se eu cortar a língua dele e...
— Deixa a língua do cara. — Me interrompe. — Ele vai precisar, seja lá em que buraco for morar.
— Se você diz. — Dou de ombros.
— Raoul?
— Hum?
— Você me acha cega? — pergunta, mas não espera resposta e pergunta outra coisa. — Por que eu sou sua amiga? Eu sou pobre, não tenho nada a oferecer em nenhum aspecto. E eu sei que você nunca faz nada que não seja para te beneficiar. O Raoul com o qual convivo há sete anos se valoriza acima de qualquer um e não dá a mínima para o que não quer, muito menos para sentimentos de outras pessoas, então por que eu estou aqui com você? Por que estou deitada na sua cama como se eu fosse importante?
Essas perguntas me pegam desprevenido. Juro que não sei por que, mas ela é importante. E deixo isso claro.
— Eu a valorizo acima de qualquer pessoa, simplesmente porque você é parte de mim. Digamos que eu sou o corpo e a mente, e você, com todos esses sentimentos exagerados, é o coração que eu nunca quis, mas que precisa bater para que eu sobreviva.
Ela suspira.
— Isso é profundo.
— É como me sinto. Você será minha melhor amiga até que eu pare de respirar. Não pode fugir disso, Chapeuzinho Vermelho.
— Esse apelido... Eu o odeio.
— Mentirosa.
— É verdade, odeio. — Se levanta e sai da cama. Deixando meus dedos com saudades dos seus cachos. — Agora vamos estudar, eu não vim aqui ficar de papo furado. Se eu repetir o último ano culparei você.
— Se repetir, eu vou repetir também. Afinal, você vai comigo pra faculdade. Vamos estudar em Seoul, onde eu aproveitarei que eles não gostam muito de estrangeiros para ter paz.
— E eu aproveito pra viver um romance de dorama. Gosto dessa ideia.
— Só pensa em romance. Não sei o que vi em você.
Ela revira os olhos enquanto abre a mochila e tira o caderno, lápis e borracha.
Coloco a camisa — sei lá porque —, puxo uma cadeira e sentamos lado a lado na escrivaninha.
Estumamos muito, ao mesmo tempo em que fazemos planos de como será nossos anos como estudantes na Coreia do Sul ou seja lá onde vamos fazer faculdade. Isso me lembra que preciso avisar meu pai para alugar uma casa lá, não importa onde seja esse “lá”.
Saio do quarto e vou até a cozinha providenciar um lanche. Carmine está dormindo, toda esparramada na minha cama. Estudar lhe dá sono.
— Onde vai? — Henry tira a atenção do celular e olha para mim ao me ver passar pela sala.
— Não é da sua conta.
— Que menino bravo! Vai espantar a namoradinha.
Continuo andando para a cozinha. Perder tempo respondendo meu irmão é opcional e eu escolhi não perder.
— Acho que nosso pai precisa ensinar alguém a respeitar os mais velhos. — Ele me segue, ainda falando.
Papai devia me dar de presente de Natal a permissão de cortar a língua desse meu irmão.
— E eu acho que ele faz bem em te mandar casar. Anda com muito tempo ocioso.
— Seu moleque! — Henry para na minha frente com a expressão carrancuda.
— Se esse é o seu jeito de me intimidar, devo dizer que não está funcionando.
Ele se afasta bufando, mas logo pega o pedaço de bolo de cenoura que tirei para Carmine e come.
— Ei! Cuidado com os dedos. Pode ficar sem eles.
— Maninho, você é assustador, sabia? — fala de boca cheia.
— Já me disseram isso.
— Sorte sua que eu te amo.
— E a sua é que somos irmãos. Me ensinaram que não se pode estripar irmãos, mesmo quando eles merecem.
Ele sorri de um jeito canalha.
— No máximo podemos rolar por ai nos socando.
— Gostei disso.
— Marcamos qualquer dia. — Ele fala e sai da cozinha. Claro que depois de pegar a maçã que era para Carmine.
Idiota!
Eu não perco meu tempo pensando nele. Coloco as coisas na bandeja e subo para acordar uma certa descabelada.
CARMINE— Está melhor do termino? — Raoul pergunta distraído enquanto andamos para fora do colégio.Como sempre, sob olhares dos outros alunos, principalmente do sexo feminino.Tenho quase certeza que essas garotas matariam alguém que namorasse o Raoul. Elas fazem de tudo para chamar a atenção dele. Algumas até mesmo sobem a saia do uniforme para mostrar mais.Nosso uniforme é de saia e sapatos na cor preta e blusa branca e o dos rapazes é de calça e sapatos na cor preta e terno preto com gravata, por cima da camisa branca. Às vezes me sinto em uma série de TV quando chego no colégio. O problema é que essas roupas não combinam com o clima da nossa cidade. Tenho até pena dos garotos.Voltando as garotas assanhadas... Eu não ligaria se fosse apenas isso, se elas apenas dessem mole para ele, mas elas me hostilizam por causa dele, têm raiva por sermos tão próximos e ele não se aproximar delas, mesmo tendo comido a maioria.As ignoro, como sempre.— Sim. Comi um monte de bolo de chocolate
Reviro os olhos enquanto entrego o suco deles e bebo um pouco do meu.— Namora esse daqui. Pelo menos eu sei que ter meu chocolate é garantido. — Vovó continua com sua falta de senso.— Que a senhora nem pode comer muito — rebato.Ela bufa.— A Carmine só namora babacas, vovó. Eu não me encaixo nessa categoria. — Raoul atiça. Quando esses dois estão juntos, não sei quem é mais chato.— Porque você é frouxo e não pegou ela de jeito.— Vovó! — quase cuspo o suco. Hoje ela está inspirada.Raoul ri e me encara com sua melhor cara de safado.— Devo te pegar de jeito, Chapeuzinho?Porra de apelido ridículo.Devolvo seu olhar na mesma medida e digo:— Por que não pega um pau grande e grosso e chupa?A risada dele vira gargalhada e minha avó do mal o acompanha.— Vocês serão um casal barulhento. Ainda mais quando vier os filhos.— Ignora isso, Raoul. Pelo amor de God. — Me viro para minha vó. — Se a senhora continuar me empurrando pra ele, meu amigo nunca mais vai querer te visitar, sua velha
CARMINEOdeio menstruação.Estou com cólica e dor de cabeça. Justo hoje que é o dia de assistir A pequena sereia. Não, eu não sou muito romântica, gosto de filmes de ação, fantasia e terror, mas tenho essa queda por produções da Disney. Vejo tudo que lançam.Quando piso o pé no portão da escola, começo a desejar dar meia volta e voltar para minha cama.Raoul faltou, o que não é novidade.Agradeço ao segurança e ao motorista dos Seven que me levam mesmo quando ele falta e entro nesse mar de adolescentes.— Oi, amiga. Sozinha hoje? — Nick, uma das minhas colegas de classe e minha amiga, comenta me dando o braço.— Pois é. Tem gente que não precisa estudar como os meros mortais.— Aquele deus grego tem tudo. — Ela suspira. — Você é uma sortuda.— Não sou... — antes que eu termine de falar sinto uma mão agarrar meu cabelo e puxar com força para trás.Os cachos estão soltos. Me acostumei com eles assim depois de desistir de brigar com Raoul por sempre soltá-los.A pessoa puxa como se quise
RAOULO celular toca o alarme do despertador e eu simplesmente desligo e volto a dormir.Não quero ir ao colégio hoje. As aulas do último ano parecem sempre repetitivas. Posso adivinhar cada explicação dos professores. Isso é um saco.O celular toca novamente.Quando estou prestes a desligar definitivamente, meus olhos encontram a sacola sobre a mesa de cabeceira.— Droga! Não posso faltar hoje. — Saio da cama resmungando.Os chocolates na sacola é a prova que minha amiga está nos dias em que matar um se torna possível para ela. Carmine precisa dos seus remédios.Quando saio do castelo em direção aos carros estacionados, vejo que o carro que nos leva já não está mais aqui. Claro que não. Estou atrasado, a obrigação do motorista é garantir a carona da minha amiga, mesmo que eu não esteja.Não demora para um motorista se oferecer para me levar quando me vê no uniforme ridículo do colégio. O fato de todos se vestirem iguais é tedioso.— Acelera — ordeno quando entro no carro.O homem obe
Finalmente Carmine dormiu. Tive que ouvir muito hoje por causa de uma vadia que nem sei quem é direito. Ela não falou o que a garota alegou para atacá-la, preferiu me xingar com todo seu estoque de palavrões. Mas eu vou descobrir. Assim que colocar as mãos na pessoa que teve a ousadia de machucar minha Chapeuzinho, ela vai me dizer até o que eu não perguntar. Sei que as merdas que aquelas alunas disseram não passa disso: merdas.O pescoço da minha amiga está arranhado. E ela teve que tomar remédio para dor por causa dos puxões no cabelo.Um braço quebrado é mínimo que aquele idiota merece por ter dado uma de maluco. Ao invés de separar as duas, ele aproveitou para machucá-la. Tenho certeza que foi pelo fora que ela deu nele pouco antes de começar a namorar o sonso do Diego.E realmente foi injusto culparem apenas ela. Tenho que ligar para o meu pai e pedir que interfira, ou terei que incendiar aquela escola.Saio devagar da cama para não acordá-la. Deixo os livros e caderno no mesmo l
RAOULDepois de tudo que aconteceu hoje, estou mais que disposto a um pouco de ação. Só espero que Henry realmente me mostre um pouco disso. Porque se ele vier com alguma negociação verbal será nele que vou descontar minha frustação.Seguimos até um lugar relativamente deserto. É um galpão em uma parte da cidade que parece abandonada. Pelo caminho ele me conta que vamos encontrar um policial corrupto que anda extorquindo pequenos comerciantes. Um deles é uma senhora que foi uma das primeiras a lavar dinheiro para nossa família. Pelo menos é o que fiquei sabendo.Quando chegamos, Henry me deixa com o verme que permanece covardemente ajoelhado.Fico olhando para ele sem interesse. Até que uma voz me chama:— Ei, garoto! — Olho e vejo uma velha meio curvada, com cabelos totalmente brancos e um vestido florido brega, tanto quanto a bolsa enorme que também tem estampas florais. Ela se aproxima.Não falo nada. Sua presença não é problema meu.Ela para ao meu lado e aponta o verme.— Aquele
CARMINECorro pela floresta. O vento forte balança meus cabelos, mas não derruba meu capuz vermelho, por mais que suas pontas voem para todo lado. Depois de muito correr, encontro uma parede. É a terceira vez que encontro a mesma parede. Esse lugar não tem saída. Decido correr perto dela até encontrar uma porta ou o seu fim. Os galhos arranham meu rosto e meus braços, manchando-os de um carmesim intenso, meu sangue. Ouço uivos assustadores que fazem meu coração disparar. Estou fugindo de um lobo. Sei que estou.Finalmente chego a uma porta, que abro com dificuldade. O que? Agora estou em um quarto. É o quarto do meu melhor amigo. Não uso mais o capuz e não estou ferida, estou com um vestido vermelho justo e curto, e meus cabelos estão livres pelas minhas costas e ombros.Raoul sai do banho com um toalha enrolada na cintura, os cabelos molhados pingam na sua pele e minhas mãos coçam por tocá-lo. Eu me lembro desse dia. Foi preciso berrar alguns comandos na minha mente para não encar
Horas depois...Com meu tênis surrado, short jeans e cropped vermelho espero no portão até o carro preto surgir virando a esquina.Mexo nos cachos recentemente pintados.Me pergunto o que Raoul vai achar deles assim... Porra! Não importa o que ele vai achar. Aquilo foi um sonho. Só um sonho.Meu coração disparado ri na minha cara de acordo com o que o carro se aproxima e o rosto que conheço bem aparece na porta aberta para mim.Não foi um sonho. Foi apenas minha mente me mostrando o que Diego quis dizer. Eu sou cega... Na verdade, era. Agora vejo claramente que a amizade já não é apenas isso faz algum tempo. Pelo menos não para mim.Eu quero voltar a ser cega.Por favor, todos os deuses do universo, devolvam minha cegueira.Que inferno!— E esse visual, a procura de namorado novo? — Raoul comenta me olhando entrar no carro.— Por que não? — rebato de mau humor.— Eu me lembro de alguém jurando que nunca mais namoraria e me implorando para nunca mais deixá-la se envolver com nenhum bab