(Esmen) Tauron não me ouviria. Para ele, eu não tinha do que me queixar, parecia apenas uma cativa querendo mais oportunidades para fuga. Minha sina era viver sendo seguida por pessoas que me desagradavam. — Chame sua serva! — ele ordenou, ainda ali, muito próximo. Sem tocar. — Ernest? — Virei o rosto na direção da porta de entrada. — Chame-a! Engoli o bolo que se formou na garganta. Estava nervosa, desgostando de sua dominância. Fiz um leve movimento nas cordas vocais, preparando-me para chamá-la em alto som. — Ernest! Não havia imaginado que ela estava do outro lado da porta, mas apareceu, curvando-se de longe e nos saudando, como sempre que nos via, especialmente na presença de Tauron. Seus olhos espertos correram entre mim e o rei, de forma discreta. Nossa suposta aproximação transmitia uma impressão evidente. — Acompanhe Sua Majestade e apresente-lhe os domínios! — ordenou a Ernest. — Sim, Sua Majestade! — Ela se curvou novamente, aceitando as ordens. — Rogo-lhe que me
(Esmen) Só então, notei minhas mãos geladas alisando meus ombros por cima das mangas franzidas do vestido. Olhei na direção de Ernest, ela não tinha ciúmes, tinha admiração por sua forma atenciosa para comigo, mesmo que não fosse com ela. — Bem… — pensei em negar, mas o movimento atrás de mim me recordou da tentativa de Gideon de parecer agradável. — Agradeço! — falei por fim. Ernest capturou seu casaco para que ele não me tocasse, por ser rainha e não uma mulher comum. Vi nos seus olhos como ela gostou de ter aquele tecido nos dedos, então me vestiu. O calor era bem-vindo desta vez. Os olhos de Gideon me perfuraram. Fingir não me preocupar, abraçando o casaco com naturalidade. O aroma de lavanda veio acariciar minhas narinas geladas, pois as golas do casaco estavam altas. — Peço perdão por não ser uma capa! — preocupou-se com minha cabeça ao vento. Neguei com a cabeça, descartando aquilo como necessidade no momento. Não me preocupava tanto com o rosto sendo atacado pela nev
(Esmen) Tauron, sempre atento a mim como um falcão, percebeu meu estranho estado. — De onde? — Ele deixou que o outro respondesse a todas as suas perguntas. Meus olhos lacrimejavam, e meu corpo ficou pesado, assim como as lágrimas. "Não! Não pode ser!" — Ela veio do reino de Vitorian. — E como ela chegou até aqui? — Vi o vulto embaçado de Tauron se levantar de seu lugar. Eu já não conseguia prestar atenção neles, apenas fixava o olhar na madeira da mesa, enquanto lutava para que minhas lágrimas não caíssem. "É outra pessoa. Não é ela. Não é ela!" A solidão me envolveu, junto com o medo excessivo, o desespero, a descrença e a saudade. Seria esse o sentimento da perda? Mas não era apenas isso. Era uma dor esmagadora, que sufocava meu coração, mente e corpo. — Ela tentou escapar de alguém. — A voz do homem se tornava cada vez mais distante. — Esmen? — ouvi a voz de Tauron. Levantei o rosto e o encontrei ao meu lado, uma mão pousava em meu ombro direito. — Beba isto! — Ele me
(Tauron)Apertei meus dedos contra as palmas das mãos, enquanto olhava na direção da porta. Eu não gostava de Esmen, mas prometi não machucar seu corpo. Como poderia permitir que outra pessoa o fizesse? Ainda mais no meu quarto, onde ela deveria estar protegida."O que ele tem na cabeça?"Conseguia ouvir cada passo meu, as botas batendo furiosamente no chão enquanto meus passos largos me levavam de volta ao quarto."Que tipo de ser honrado faria mal a uma mulher enquanto ela está sob efeito do sono ou de qualquer substância que a deixe indefesa?"— Pare! Deixe-a! — ouvi a serva gritar.Adentrei o cômodo como uma tempestade de neve, com os olhos fixos no homem que havia acabado de empurrar Ernest em direção à parede para se aproximar de Esmen. A loira estava machucada a ponto de não conseguir se levantar imediatamente do chão.Me vi arrancando-o de perto da cama, empurrando-o na direção de Ernest, que, rastejando, se afastou para os pés da cama. Com um baque surdo, bati suas costas con
(Gideon)— Para que fizestes isso? Não precisamos de mais comida. — Cruzei os braços, chateado.Ouvi sua gargalhada enquanto ela vinha na minha direção. O vestido, antes cinza, agora estava com uma grande mancha vermelha se espalhando por sua saia, assim como o pequeno animal, que tinha sangue pingando da garganta cortada enquanto pendia de suas pernas.— Eu gosto de ouvir os lamentos antes da morte. Sabe disso. — disse maldosamente.— Isso é um desperdício de alimento. — resmunguei, caminhando ao seu lado quando ela me alcançou.Belle usava um casaco fino de lã e parecia nunca sentir o frio o suficiente para reclamar dele. Uma criança estranha aos olhos de todos. Eu era diferente. Odiava desperdício, e tinha a temperatura corporal mais alta que a dela. Belle era fria.— Além do mais, posso criar algo com a pele dele. — disse, alisando os pelos do cadáver.— Um gorro? — desacreditei de sua mente.— Algo assim.— Você tem que parar com isso. Assim, todos vão me apontar o dedo de novo.
(Gideon) Seu noivado era falado por todos. Uma jovem de família humilde havia se tornado noiva do rei. Belle, no entanto, deixava a notícia cada vez menos agradável aos olhos dos súditos de seu noivo. Ela começava a perder, aos poucos, a pose de donzela indefesa, já mostrando indícios de como seria se tivesse poder. — Você está deixando sua máscara cair antes do casamento? — toquei em seu braço quando ela passou pelo mesmo corredor que eu. Ela me encarou; parecia me evitar nos últimos dias. De repente, um sorriso surgiu nos seus lábios. — O que isso importa? Acha que perderei o cargo de rainha? — perguntou, colocando a mão sobre a minha, que segurava seu braço. Cheguei muito perto dela. Ela ainda tinha cheiro de angústia e dor, ao menos para mim. — Não está confiante demais? — indaguei, perto de seus cabelos. Agora eu era apenas um simples soldado para ela; não parecia que tínhamos um laço sanguíneo. — Ele jamais me deixará. Sou como uma rosa rara que desabrocha no gelo. — Se
(Esmen) Dias se passaram… Meu luto foi doloroso e longo, ainda sentia como se alguém estivesse esmagando minha alma, sufocando meu ser. Súbitos desejos de cair em lágrimas me moldaram cada vez mais. Não parecia ficar mais fácil, era o inverso, se tornava mais sufocante, justamente por não ter privacidade e nem confiança em ninguém além de Ernest. Mas não queria desmoronar na sua presença. Eu me sentia encurralada pelas paredes e por todos. Era tão desgastante me pressionar a não ceder à tristeza ou desejos ruins, que com o passar do tempo, comecei a acordar com as bochechas molhadas. Parecia chorar durante meus pesadelos. Para minha sorte, Tauron nunca estava ao meu lado na cama, ele sempre deixava o quarto antes do sol nascer, como se minha presença fosse a última coisa que ele desejasse ter por mais tempo que o necessário. Ambos pareciamos obrigados a nos aturar e conviver. Por mais que houvesse ficado um pouco menos complicado, talvez por meu luto e sua compreensão. Ainda sim
(Esmen) — Está. Não toque mais em mim! — ordenei. Ele ignorou minhas palavras e continuou seus pensamentos. — Eu venho observando você. Eu sei que anda muito por aqui e decidi que era melhor ficar por perto. Minhas narinas dilataram e minhas sobrancelhas franziram. Meu coração galopou. Ele queria me intimidar? “Eu estou sendo encurralada?” Eu estava com medo e meus passos recuando delatavam aquele sentimento. — Não se afaste. Eu quero protegê-la! — De quem? “Eu quero que alguém me proteja dele.” — Do rei. — ele disse, me fazendo parar perto de uma das colunas. “Estou confusa. O que Tauron poderia fazer? Isso é mentira dele?” — Não preciso de sua proteção contra nin… — me interrompeu. — Ele não a ama. Ele só a quer usar e machucar. “À mesma intenção você tem.” — Isso não importa. — Eu não sabia o que dizer. Só queria ele longe de mim, mas ele continuava se aproximando. — Importa. Importa para mim. Ao meu lado terá tudo que o ouro não compra. “O quê???” —