— Como requisito indispensável à manutenção da condição de herdeiro legítimo blablablá o beneficiário deverá contrair matrimônio com e manter o vínculo conjugal pelo período mínimo de doze meses a contar da data da celebração da união civil.
— Eu sei, eu já li — murmurei, afundando no sofá de couro.
— Não terminei — meu melhor amigo, Enzo, ralha. — Durante a vigência do matrimônio, o beneficiário deverá preservar a integridade e a reputação pública do nome Vasconcellos, abstendo-se de condutas que possam comprometer a imagem da família ou da empresa, direta ou indiretamente.
— Traduzindo: um marido não vai pra balada, não traí, não bebe, não trepa…
— Trepa com a esposa pelo menos.
— Que esposa? Você acha mesmo que eu vou conseguir seguir qualquer coisa que esteja aí? — Minha voz sai mais aguda do que eu gostaria.
Passei o dia inteiro pensando nisso. Ou mais especificamente, pensando em como me livrar disso.
— Seria mesmo tão ruim eu recusar? Eu ainda teria as coisas que estão no meu nome, poderia começar meu próprio negócio, dinheiro para investir eu tenho.
— E você acha mesmo que seu avô ia deixar você entrar no mercado usando o sobrenome dele? Se liga, Dante, ele deserdou seu pai por muito menos. Vai te enterrar vivo se você der bobeira.
— E de que adianta ter dinheiro e não poder usufruir? Eu caso e faço o quê? Saio do escritório para casa e de casa para o escritório. As festas vão se resumir a coquetéis insuportáveis com aquele bando de velho puxa saco. Isso é vida?
— Pra alguns é, mas entendo o seu ponto. Só que você tá olhando isso pela perspectiva errada — Enzo diz, soando muito animado para o meu gosto. — Um ano, você precisa garantir isso por um ano e depois tá livre, pode até se divorciar.
— Um ano inteiro, Enzo! — me exaspero. — Trezentos e sessenta e cinco dias. Isso é muito tempo.
— Perto do resto da sua vida? Um ano não é nada! Eu entendo seu desespero, mas acho que é um preço justo a se pagar — ele argumenta com uma calma e tranquilidade totalmente incompatíveis com essa situação.
— Justo? Você conseguiria cumprir esse acordo?
O jovem advogado prodígio e meu eterno conselheiro nas decisões idiotas dá um gole na cerveja e ri.
— Claro que cumpriria, desde que eu não fosse pego… — Ele dá um sorriso malicioso e convencido.
— O que você quer dizer? — pergunto, já irritado.
— Você poderia fazer um casamento por contrato.
— Que tipo de ideia é essa? Tá maluco? Se meu avô descobre uma coisa dessas, ele não vai tirar só o que eu não tenho ainda, como tudo o que eu tenho também.
— Por isso eu disse… não pode ser pego.
Enzo passa a mão pelos cabelos lisos, penteando-os para trás. Tem uma confiança que é só dele. Eu também seria assim se não estivesse com a corda enrolada no meu pescoço e meu avô ameaçando chutar o banco onde estou apoiado.
— Você diz como se fosse fácil…
— Não pode ser tão difícil assim, pessoas desesperadas fazem todo o tipo de coisa. E veja só que sorte — ele abre os braços indicando a sala opulenta onde estamos — você tem tudo o que todas as pessoas querem.
— Uma mesa de bilhar exclusiva, feita sob medida com acabamento em ouro e forro de veludo italiano? — pergunto fazendo graça. Enzo estreita os olhos para mim — Que foi? Não é só um jogo, é uma peça de arte funcional!
— Sim claro, isso e dinheiro, poder, status… — Enzo me corrige. — Faça seu próprio contrato e encontre uma mulher disposta a fingir ser sua esposa por um ano.
Bufo indignado, mas não tão hesitante quanto deveria estar. Cogito se isso funcionaria de alguma maneira.
— Não sei nem onde encontrar uma mulher disposta a essa loucura. E também não sei como convencer meu avô de que não é armado.
— Um passo de cada vez. Primeiro, aceite a proposta e garanta que você está disposto a cumprir com os termos dele. Vou fazer uma pesquisa e encontrar candidatas.
— Uma pesquisa? Que tipo de pesquisa? — pergunto, preocupado.
— Não se preocupe, vou escolher só as melhores pra você.
Dou um longo gole na cerveja pensando na possibilidade. Não de Enzo fazer uma lista com mulheres dispostas a casar de mentira, isso sei que ele é mais do que capaz, mas penso no que faria se uma delas aceitasse.
Eu poderia mesmo manter essa farsa?
Não posso ignorar que um casamento de conveniência resolveria, sim, meus problemas com meu avô, mas seria prático? Por que tenho a impressão de que isso me traria ainda mais problemas a longo prazo? Ficar com uma mulher só por um ano inteiro… As aparições públicas vão ter que ser… convincentes. Não sei, isso certamente gera complicações emocionais.
Faz muito tempo desde a última vez que senti qualquer coisa além de tesão por alguém e as coisas não acabaram bem. Nunca entendi onde foi que errei e nunca me foi dada a oportunidade de descobrir. Acho que isso me convenceu de que eu não teria a paciência necessária para manter um relacionamento a longo prazo.
A ideia me apavora, não vou mentir. É uma quebra violenta na minha rotina, no meu estilo de vida. Mas Enzo está certo e isso geralmente é um mau sinal. Colocando em perspectiva, um ano realmente não é tanto assim.
Meu avô mesmo disse, ele não vai ficar aqui para sempre, um dia eu serei dono de tudo e poderei determinar o que deve ou não deve ser. Serei a autoridade máxima, independente de ser ou não casado, só preciso ser esperto o suficiente para chegar nesse ponto e talvez precise sacrificar um ano da minha vida jogando o jogo dele para finalmente ser aquele quem distribui as cartas.
“A Imperial Catering Services, empresa referência em eventos de alto padrão, está em busca de garçonetes profissionais para atuar em um coquetel exclusivo no prestigiado Lee Palace Hotel.”As palavras ainda se embaralhavam na minha memória.Isso era ruim. Péssimo. Catastrófico. Eu conhecia a Imperial Catering Services e conhecia o Lee Palace Hotel. Já havia contratado um e participado de coquetéis no outro, mas parece que foi em outra vida.Porque foi. Eu era outra Isabella naquele tempo, é isso que alguns zeros do lado certo da vírgula fazem por você. O Lee Palace Hotel brilha como um castelo moderno sob a iluminação dourada da fachada. Suas enormes portas de vidro refletem a sofisticação dos convidados que entram, vestindo roupas que custam bem mais do que eu consigo ganhar em um ano inteiro.Respiro fundo antes de cruzar a entrada lateral destinada aos funcionários, o estômago dando piruetas de ansiedade. Eu já me sinto humilhada antes mesmo de começar o serviço.A sala de funcio
Nunca fui surpreendido facilmente e olha que já estive em situações constrangedoras ou particularmente preocupantes. Já lidei com acionistas furiosos, modelos chorando por atenção, brigas, escoltas, reviravoltas inusitadas.Mas nenhuma dessas experiências me preparou para o que eu poderia sentir quando reencontrasse Isabella Mendes. Talvez porque eu nunca considerei reencontrá-la. Mas aqui estamos.Os olhos dela ainda têm o mesmo brilho feroz de que eu me lembrava, os cílios longos lhe conferindo um aspecto delicado e feminino, contrastando com o misto de choque e algo mais, algo muito parecido com ódio.Bella se desvencilha do meu toque e finalmente presto atenção no que ela veste. Um uniforme preto com uma bandeja a tiracolo,
O apartamento está escuro e silencioso quando chego, pelo corredor percebo a porta do quarto do meu pai fechada e o sofá disponível para que eu me arraste até ele e despenque igual fruta podre. Meus pés estão latejando, os ombros e braços rígidos de tanto equilibrar bandejas e a dor de cabeça parece uma sinfonia preenchendo todo o interior do meu crânio.Mas eu sobrevivi. E fui paga por isso.Não era muito dinheiro, mas qualquer quantia sempre é bem-vinda.O coquetel foi exatamente como eu esperava: um desfile de hipocrisia, arrogância e sorrisos falsos. Alguns poucos rostos me reconheceram e nenhum deles teve o impacto que eu temia. Todos eles me atingiram de maneira superficial.Ex
O silêncio do apartamento de cobertura é opressor. Quando jogo as chaves sobre o aparador ao lado da porta e afrouxo a gravata sinto a pressão da noite pesar sobre mim.Não sei dizer o que me incomodou mais: o encontro inesperado com Bella, ou o jeito que ela me olhou. Como se eu fosse a personificação de tudo o que havia dado errado em sua vida.Eu não era um erro, sabia disso. No instante em que ela falou comigo, sua voz engatilhou tantas memórias, tantas declarações. Não tinha como eu ser seu erro.Mas naquele momento, parados naquele corredor, ela me convenceu.Pego um copo e me sirvo com uísque, não que eu já não tenha tomado o suficiente naquele coquetel, a
O celular vibra em cima da mesa da cozinha enquanto lavo a louça do café da manhã. Olho de relance para a sala, onde meu pai não desgruda os olhos da TV, e quando espio o celular a tela já apagou. Como não tenho pressa para ler mais uma notificação de cobrança, termino de lavar minha louça com calma.Quando enfim pego o celular, antes mesmo de desbloquear a tela, sinto uma esperança como se fosse um raio me acertando. A notificação que ignorei poderia ser uma oferta de trabalho temporário da agência.O dinheiro que recebi do coquetel no final de semana passado tinha aliviado várias contas atrasadas, eu estava até me convencendo de que poderia usar só um pouquinho para sair essa noite. Não tanto para comemorar, não tinha nada a ser celebrado, eu ainda continuo devendo dinheiro, vivendo num apartamento caindo aos pedaços, mas eu preciso tanto de uma distração.
O alívio de Bella durou pouco. Quando ela finalmente me vê ali, o vermelho sobe por seu busto, seu pescoço, orelhas e bochechas. De repente, me vejo muito consciente do quanto a pele dela deve estar quente e preciso contar o impulso de tocá-la.Ela está linda e eu me agarrei a todo o meu autocontrole para não interceptá-la mais cedo. Mas deu para notar como ela precisava disso, de um espaço, de um momento só dela. Algumas coisas nunca mudam.Enzo tenta mediar a situação enquanto Bella e Lucca discutem sobre sua atitude invasiva. Não me intrometo mais porque a culpa é de Enzo, ele foi quem a viu primeiro, uma coincidência e tanto, quase boa demais para ser verdade. Lucca é um babaca e teria merecido se eu tivesse batido nele de verdade.
Engulo a vontade de chorar, porque seria um erro fatal demonstrar o quanto as palavras de Dante me machucam.Pelo visto, não foi à toa que ele me superou tão rápido. Se teve sangue-frio para me pedir em casamento, só como uma estratégia para sei lá o quê ele está planejando, dispensando meu amor, é porque ele não é mesmo mais o Dante que eu conhecia, ou que acreditava conhecer.“São negócios” ele disse. As palavras ainda ecoam na minha mente.Ouvi essa frase mais vezes do que fui capaz de contar. Quando perdi tudo, era sempre sobre negócios. As pessoas parecem esquecer que por trás de empresas existem pessoas de carne e osso, que também lutam, que também sofrem, que também amam.Eu nunca mais amaria Dante de novo. Isso era óbvio. Provavelmente não é uma boa ideia trazer Bella para meu apartamento, mas quando ela não recusou meu convite para comer, só consegui pensar nas pizzas que ela me pedia quando estávamos juntos.Nunca fui bom cozinheiro, mas adorava inventar recheios mirabolantes com o que quer que tivesse na geladeira e porções absurdas de queijo para matar nossa fome. Sempre amei ver sua reação experimentando cada uma delas.Tá, isso foi uma péssima ideia.Só me resta torcer para que ela se lembre disso também e, com alguma sorte, isso funcione a meu favor no que diz respeito ao casamento falso.Ela encara a banqueta que costumava ser seu lugar, do outro lado do balcão, mas não senta.— Tudo continua igual por aqui… — comenta cruzando os braçoCapítulo 12 - Dante Vasconcellos