“A Imperial Catering Services, empresa referência em eventos de alto padrão, está em busca de garçonetes profissionais para atuar em um coquetel exclusivo no prestigiado Lee Palace Hotel.”
As palavras ainda se embaralhavam na minha memória.
Isso era ruim. Péssimo. Catastrófico. Eu conhecia a Imperial Catering Services e conhecia o Lee Palace Hotel. Já havia contratado um e participado de coquetéis no outro, mas parece que foi em outra vida.
Porque foi.
Eu era outra Isabella naquele tempo, é isso que alguns zeros do lado certo da vírgula fazem por você.
O Lee Palace Hotel brilha como um castelo moderno sob a iluminação dourada da fachada. Suas enormes portas de vidro refletem a sofisticação dos convidados que entram, vestindo roupas que custam bem mais do que eu consigo ganhar em um ano inteiro.
Respiro fundo antes de cruzar a entrada lateral destinada aos funcionários, o estômago dando piruetas de ansiedade. Eu já me sinto humilhada antes mesmo de começar o serviço.
A sala de funcionários pulsa com garçons e garçonetes se ajeitando, ajustando gravatas e aventais ou prendendo os cabelos.
Coloco minha bolsa no armário etiquetado com o tamanho das peças de roupa, onde o resto do meu uniforme está disposto.
Espero na fila improvisada diante do espelho rachado num canto, então visto o colete, amarro o avental na cintura e encaro a gravata que ainda nem está em meu pescoço e já me tira o ar.
— Precisa de ajuda? — uma mulher oferece com um sorriso gentil. Ela tem os cabelos curtos e a expressão cansada de quem já fez isso vezes demais.
Acabo aceitando, porque meus dedos estão trêmulos e ela percebe.
— Primeira vez? — Pergunta enquanto me puxa para o lado, liberando o espelho para outros funcionários.
— Mais ou menos — respondo com a voz rouca.
— Eu sou a Clara, se precisar de ajuda é só me chamar, mas não precisa se preocupar muito, o segredo é tentar se manter invisível. Quanto menos os convidados notarem a gente, melhor.
Assinto, como se fosse fácil fingir que nenhuma dessas pessoas já me viu antes mesmo de eu estar aqui, não nessa noite, mas nessa posição.
Pouco depois, nos organizamos em filha, recebendo ordens do supervisor.
— Quero bandejas sempre cheias, nada de conversinhas desnecessárias com os convidados, e pelo amor de Deus, sem derrubar nada. — Ele lançou um olhar severo a todos antes de bater palmas para nos enxotar — Movam-se!
Respiro fundo, tentando encarar a realidade, ou talvez entrar num personagem. Preciso ser alguém que não teme o passado, que se orgulha de ainda estar de pé.
Pego uma bandeja com taças de champanhe francês e sigo os outros para o salão.
Assim que cruzo as portas douradas, é como ser transportada para outra realidade, até o cheiro aqui tem uma elegância singular. Por um instante, é como ter um vislumbre do passado. Até que o toque metálico da bandeja em minha mão e o peso dela me despertem.
Tento traçar rotas evitando as pessoas conhecidas, o coração batendo acelerado, a fé toda depositada na ideia de que, se ninguém me reconhecer, a noite vai passar mais rápido.
A vantagem é que ser invisível nesse meio não é tão difícil quanto parece. Por isso, congelo quando estou a caminho da área de serviço, a bandeja vazia debaixo do braço, e uma voz feminina me chama.
Viro devagar e encontro uma das antigas amigas de minha mãe. A mulher franze a testa, segurando uma taça vazia, me analisando de cima a baixo.
— Meu Deus, é você mesmo. O que está fazendo aqui? Cadê sua mãe?
Inspiro fundo, subitamente tomada pelo pânico de que minha mãe pudesse ter sido convidada para esse evento. Forço um sorriso antes de responder:
— Boa noite, senhora. Faz anos que não vejo minha mãe, posso levar isso para você? — pergunto apontando para a taça.
Ela hesita e recusa, quase abraçando o objeto delicado, com um olhar consternado.
— Você está trabalhando aqui? Ouvi dizer que sua mãe se casou de novo…
— É verdade.
— E não te levou junto? Pobrezinha…
Engulo em seco, tentando não pensar muito nisso. A postura da mulher muda drasticamente.
— Por que não estou surpresa? É bem algo que ela faria — ela desdenha. — Mas seu pai não merecia…
— Desculpe, eu realmente preciso voltar para lá — interrompo, apontando por cima do ombro.
— Claro, claro. Vamos marcar um café, se tiver algo que eu possa fazer para te ajudar…
— Obrigada — interrompo outra vez, praticamente correndo para longe.
Não foi um encontro agradável, mas definitivamente poderia ter sido pior. De qualquer forma, ainda preciso me recompor. Quando viro no corredor, esbarro em algo sólido e quente.
Mãos firmes me seguram no lugar, me impedindo de cair. Por reflexo, me afasto e abaixo a cabeça, o olhar fixo nos sapatos lustrados que protegem pés enormes.
— Nossa, desculpa, estou procurando o banheiro. Será que você pode me ajudar?
Tento não pensar em como o toque ainda é familiar ou como já ouvi essa voz antes. Rezando para algum milagre me salvar, para que o chão se abra bem abaixo dos meus pés e o concreto me engula.
— Você está bem? — ele pergunta preocupado. A mão tocando gentilmente meu antebraço. — Se machucou?
Considero sair correndo, mas isso poderia implicar diretamente no meu trabalho e na avaliação do serviço. Preciso do dinheiro. Preciso tanto que me vejo obrigada a erguer os olhos e encarar aquele homem, como se isso não fizesse meu coração parar e acelerar em seguida.
Ele lança aquele sorriso automático, aquele que ele usa com todas as mulheres, mas dura só o tempo de me reconhecer. Então, o tempo parece se arrastar.
Dante Vasconcellos franze a testa, confuso.
— Bella? O que você tá fazendo aqui?
A forma como ele diz isso faz algo dentro de mim ferver de ódio. De todas as coisas que poderiam dar errado, encontrar meu ex-namorado é definitivamente o pior dos cenários.
Nunca fui surpreendido facilmente e olha que já estive em situações constrangedoras ou particularmente preocupantes. Já lidei com acionistas furiosos, modelos chorando por atenção, brigas, escoltas, reviravoltas inusitadas.Mas nenhuma dessas experiências me preparou para o que eu poderia sentir quando reencontrasse Isabella Mendes. Talvez porque eu nunca considerei reencontrá-la. Mas aqui estamos.Os olhos dela ainda têm o mesmo brilho feroz de que eu me lembrava, os cílios longos lhe conferindo um aspecto delicado e feminino, contrastando com o misto de choque e algo mais, algo muito parecido com ódio.Bella se desvencilha do meu toque e finalmente presto atenção no que ela veste. Um uniforme preto com uma bandeja a tiracolo,
O apartamento está escuro e silencioso quando chego, pelo corredor percebo a porta do quarto do meu pai fechada e o sofá disponível para que eu me arraste até ele e despenque igual fruta podre. Meus pés estão latejando, os ombros e braços rígidos de tanto equilibrar bandejas e a dor de cabeça parece uma sinfonia preenchendo todo o interior do meu crânio.Mas eu sobrevivi. E fui paga por isso.Não era muito dinheiro, mas qualquer quantia sempre é bem-vinda.O coquetel foi exatamente como eu esperava: um desfile de hipocrisia, arrogância e sorrisos falsos. Alguns poucos rostos me reconheceram e nenhum deles teve o impacto que eu temia. Todos eles me atingiram de maneira superficial.Ex
O silêncio do apartamento de cobertura é opressor. Quando jogo as chaves sobre o aparador ao lado da porta e afrouxo a gravata sinto a pressão da noite pesar sobre mim.Não sei dizer o que me incomodou mais: o encontro inesperado com Bella, ou o jeito que ela me olhou. Como se eu fosse a personificação de tudo o que havia dado errado em sua vida.Eu não era um erro, sabia disso. No instante em que ela falou comigo, sua voz engatilhou tantas memórias, tantas declarações. Não tinha como eu ser seu erro.Mas naquele momento, parados naquele corredor, ela me convenceu.Pego um copo e me sirvo com uísque, não que eu já não tenha tomado o suficiente naquele coquetel, a
O celular vibra em cima da mesa da cozinha enquanto lavo a louça do café da manhã. Olho de relance para a sala, onde meu pai não desgruda os olhos da TV, e quando espio o celular a tela já apagou. Como não tenho pressa para ler mais uma notificação de cobrança, termino de lavar minha louça com calma.Quando enfim pego o celular, antes mesmo de desbloquear a tela, sinto uma esperança como se fosse um raio me acertando. A notificação que ignorei poderia ser uma oferta de trabalho temporário da agência.O dinheiro que recebi do coquetel no final de semana passado tinha aliviado várias contas atrasadas, eu estava até me convencendo de que poderia usar só um pouquinho para sair essa noite. Não tanto para comemorar, não tinha nada a ser celebrado, eu ainda continuo devendo dinheiro, vivendo num apartamento caindo aos pedaços, mas eu preciso tanto de uma distração.
O alívio de Bella durou pouco. Quando ela finalmente me vê ali, o vermelho sobe por seu busto, seu pescoço, orelhas e bochechas. De repente, me vejo muito consciente do quanto a pele dela deve estar quente e preciso contar o impulso de tocá-la.Ela está linda e eu me agarrei a todo o meu autocontrole para não interceptá-la mais cedo. Mas deu para notar como ela precisava disso, de um espaço, de um momento só dela. Algumas coisas nunca mudam.Enzo tenta mediar a situação enquanto Bella e Lucca discutem sobre sua atitude invasiva. Não me intrometo mais porque a culpa é de Enzo, ele foi quem a viu primeiro, uma coincidência e tanto, quase boa demais para ser verdade. Lucca é um babaca e teria merecido se eu tivesse batido nele de verdade.
Engulo a vontade de chorar, porque seria um erro fatal demonstrar o quanto as palavras de Dante me machucam.Pelo visto, não foi à toa que ele me superou tão rápido. Se teve sangue-frio para me pedir em casamento, só como uma estratégia para sei lá o quê ele está planejando, dispensando meu amor, é porque ele não é mesmo mais o Dante que eu conhecia, ou que acreditava conhecer.“São negócios” ele disse. As palavras ainda ecoam na minha mente.Ouvi essa frase mais vezes do que fui capaz de contar. Quando perdi tudo, era sempre sobre negócios. As pessoas parecem esquecer que por trás de empresas existem pessoas de carne e osso, que também lutam, que também sofrem, que também amam.Eu nunca mais amaria Dante de novo. Isso era óbvio. Provavelmente não é uma boa ideia trazer Bella para meu apartamento, mas quando ela não recusou meu convite para comer, só consegui pensar nas pizzas que ela me pedia quando estávamos juntos.Nunca fui bom cozinheiro, mas adorava inventar recheios mirabolantes com o que quer que tivesse na geladeira e porções absurdas de queijo para matar nossa fome. Sempre amei ver sua reação experimentando cada uma delas.Tá, isso foi uma péssima ideia.Só me resta torcer para que ela se lembre disso também e, com alguma sorte, isso funcione a meu favor no que diz respeito ao casamento falso.Ela encara a banqueta que costumava ser seu lugar, do outro lado do balcão, mas não senta.— Tudo continua igual por aqui… — comenta cruzando os braçoCapítulo 12 - Dante Vasconcellos
Vir aqui foi uma péssima ideia. Desde essa maluquice de casamento por contrato até a pizza e esse sofá, e o perfume de Dante impregnando minhas narinas e cada uma das memórias que ameaçam despertar.— É só um ano, Bella — ele diz num sussurro. — É mais fácil a imprensa acreditar que a gente se reencontrou por acaso e que o destino nos juntou de novo. O que é parcialmente a verdade.— E depois de um ano, Dante? O que acontece?— Divórcio amigável. Você sai e leva o que for seu por direito e eu garanto minha herança.Encaro Dante por longos segundos. É muita, muita maluquice. Então, por que não consigo simplesmente dizer não? Por que não me levanto daqui e vou embora agora mesmo? Já fiz isso antes, posso deixá-lo falando sozinho.Último capítulo