Parte 3...
Eu fiquei nervosa e só fiz que sim com a cabeça, agarrando minha mochila. Meu pai disse que um tio vinha me buscar, mas eu não sabia quem era. Eu nunca tive um tio antes.
Ele voltou para o carro e saiu sem olhar para mim. A última vez que eu vi meu irmão Mateo foi naquele carro, quando ele se virou e colocou a mão no vidro de trás, olhando para mim com cara de choro, enquanto o carro desaparecia pela avenida.
Eu nunca mais vi ninguém da minha família.
E depois de um tempo, eu até acabei esquecendo de que tive uma família um dia. Me acostumei com a ideia de que eu era sozinha e de que ninguém gostava mesmo de mim.
E foi assim que eu cresci.
Demorei um bom tempo, passando por muitas coisas, para então entender que eu tinha sido abandonada naquele dia. Por meu próprio pai, que foi embora levando meu irmão.
Ele não me queria. Ao Mateo e aos meus outros irmãos sim, mas por algum motivo que me magoou por muitos anos, a mim ele não queria. E eu tentei entender, tentei arranjar motivos porque ele não iria me querer, sendo o meu pai. Só que eu nunca achei um que se encaixasse no que ele tinha feito. E isso foi muito triste e marcou muito minha vida.
Nunca cheguei a falar com minha mãe depois dessa manhã, então não faço ideia se ela sabia e queria o que meu pai fez comigo. Eles eram meus pais, deveriam me amar.
Eu achava que tinha acontecido alguma coisa errada que tinha impedido meu pai e minha mãe de me levarem de volta para casa, mas depois de muitos sustos e de muito choro, finalmente entrou na minha cabeça que eu apenas fui descartada.
Assim como se descarta um saco de lixo. Deixada em uma esquina para que alguém recolhesse.
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Cheguei na casa de Célia. Na verdade uma mansão. A casa é enorme. Moderna, bonita e muito bem cuidada. Tem muitos empregados e ela é de família rica.
Célia é separada. A filhinha dela, Júlia, tem quatro anos. É uma menina muito esperta e inteligente. Eu vi em um anúncio de jornal digital que uma empresa que presta vários tipos de serviço domésticos, estava precisando de uma pessoa para trabalhar como babá. Logo entrei em contato e peguei a vaga.
Foi muito bom pra mim porque o trabalho é tranquilo. Aqui na casa tudo funciona bem e eu gosto muito de cuidar da pequena Júlia e ela já se acostumou comigo.
Às vezes estamos em um dia tão bom, que quando chega meu horário de ir embora, ela começa a chorar. É uma fofa.
Parei na guarita e toquei a campanhia. O porteiro confirmou que era eu e abriu o portão de pedestre para que eu entrasse. Passei por ele e lhe dei bom dia. Ele me respondeu e sorriu, fazendo um gesto com a cabeça.
Caminhei até a porta lateral. Os empregados entram pela cozinha. Não que Célia exija isso, mas é porque a empregada que dorme na casa, Suzana, é a primeira a acordar e logo começa a preparar tudo para quando a família levante.
Isso me recorda algumas coisas também, mas eu balaço a cabeça e entro, limpando os pés no tapete grosso da entrada. Suzana está secando as mãos em um pano de prato. Ela me dá bom dia e me pergunta como está a Nilce.
— Está bem, dentro do possível - eu dou um meio sorriso.
— Você já conseguiu marcar a consulta para ela?
— Marquei para duas semanas pra frente, mas vou continuar tentando pra ver se acho algum médico por esses dias.
Passei por ela e fui para o quarto do fundo me trocar. Deixo minhas coisas no pequeno armário e já saio com o uniforme de babá. Paro ao lado dela para beber um pouco de água.
— É... Hoje o dia parece que vai ser quente - ela disse.
— Parece mesmo - olhei para fora pela janelinha em frente da pia — Eu acho que isso é chuva que vem por aí.
— Verdade. Está muito abafado e logo cedo.
Eu até gosto de chuva, mas tenho pavor quando vem muito forte e também com raios e trovões. Eu sei que posso parecer exagerada para certas pessoas, mas para quem morava nas ruas e ficava exposta a tudo isso, acaba mesmo pegando um certo medo dessas coisas.
Eu pelo menos tenho medo. Procuro não deixar isso muito à mostra para não incomodar as pessoas, mas é difícil para mim quando tem dias assim e se for pela noite, ainda pior.
Eu também tenho um pouco de receio porque o telhado da casinha onde moramos está precisando de uma reforma. Estou empurrando isso para a frente porque fiz um orçamento em dois lugares e fica caro para fazer a troca. Estou até juntando dinheiro para isso e a Nilce também.
— Você tomou seu café antes de vir? - Suzana me pergunta enquanto retira a jarra da cafeteira.
— Eu tomei uma xícara sim, obrigada.
— Mas comeu algo junto? - eu dei um sorriso pequeno e ela apertou os olhos, com a mão na cintura — Já vi que não. Menina, você está muito magra, não pode ficar pulando as refeições e pela manhã é importante. É o que nos sustenta pelo dia.
— Eu sei, mas é que hoje acordei agitada e realmente nem senti fome - me justifiquei.
— Então aproveita que a Julinha ainda está dormindo e come algo - ela pegou um pratinho para mim — Quando ela acordar você não vai ter tempo mais para nada - riu balançando a cabeça.
Ela tem razão. Peguei o pratinho e fui me servir. Não vou comer muito, só o suficiente para ficar em pé, como ela diz.
Deborah Bland
Autora de romances nacionais
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Parte 1...Lucas - 35 anos“Carolina é uma menina bem difícil de esquecerAndar bonito e um brilho no olharTem um jeito adolescente que me faz enlouquecerE um molejo que eu não vou te enganarMaravilha feminina, meu docinho de pavêInteligente, ela é muito sensualTe confesso que estou apaixonado por vocêÔ, Carolina, isso é muito naturalÔ, Carolina, eu preciso de vocêÔ, Carolina, eu não vou suportar não te verCarolina, eu preciso te falarÔ, Carolina, eu vou amar vocêDe segunda a segunda, fico louco pra te verQuando eu te ligo, você quase nunca estáIsso era outra coisa que eu queria te dizerNão temos tempo, então melhor deixar pra láA princípio, no domingo, o que você quer fazer?Faça um pedido, que eu irei realizarOlha aí, amigo, eu digo que ela só me dá prazerEssa mina Carolina é de abalar, oi.”** ** ** ** ** ** ** ** **Nossa, hoje o dia parece que vai ser daqueles de pelar. Logo cedo já faz calor. Diz o termômetro na parede que está trinta graus, mas eu não creio nis
Parte 2...Eu achei estranho porque ela era muito novinha pra ficar sozinha ali na esquina. Meus pais são esquisitos. Minha mãe só vive ocupada e o meu pai está sempre pela rua. Ainda assim, eu acho que eles não iam me mandar ficar em uma esquina esperando por alguém. É um pouco perigoso, mesmo sendo cedo.Ela olhou pra mim e seus olhos tinham uma certa mágoa. Eu não entendia, mas achei que ela não deveria estar ali. Me levantei e estiquei a mão para ela.— Você quer vir comigo para minha escola?A minha ideia era levá-la comigo e pedir ajuda a uma professora para descobrir quem ela era mesmo e onde morava. Na escola tem psicólogos e também a diretoria tem contato com a polícia. Isso poderia ajudar. Pelo menos ela não ia ficar ali sozinha.Ela me deu um sorriso delicado e levantou, segurando minha mão, mas antes que eu falasse mais alguma coisa, senti uma mão forte em meu ombro, me puxando para trás.— Você é maluco garoto?Eu me virei para olhar para trás e até ergui as sobrancelhas.
Parte 3...E eu já tive outros casos desse tipo, onde a parte mais forte, no caso com poder financeiro, acaba se safando de ter a punição merecida e a vítima fica abandonada e dependendo do que seja feito, a própria vítima acaba sendo julgada como culpada.A vida é muito cruel.Eu sei bem disso porque quase caí nesse mundo da injustiça e por pouco abandonei meus sonhos de ter uma boa vida. Foi bem difícil, tive que apanhar um pouco da vida, mas aprendi, lutei e consegui ser forte para me posicionar do outro lado.Com a família tóxica que eu tive, seria de se esperar que eu estivesse preso a essa altura ou então morto. É muito difícil você conseguir ter um caminho certo, quando as pessoas que deveriam estar ao seu lado, lhe dando impulso, são as que mais te puxam para baixo e sem motivo nenhum, apenas porque você não pode ser mais do que eles mesmos.Me viro e vejo um pequeno sachê de alfazema em cima da prateleira na estante, ao lado de meu primeiro livro de direito. Me aproximo e o p
Lucas - 35 anosEu estava em um ponto de ônibus com minha irmã Célia. Ela tinha um teste para fazer, na escola de balé. Como nossos pais não podiam ir, então eu a levei. Eu ainda não tinha recebido minha carteira de motorista, mas estava ansioso por isso. Estava com dezoito anos e Célia com quatorze. Era muito bonita e chamava atenção. Alta e magra e tinha uma postura muito elegante devido as aulas de balé.Eu fazia vários trabalhos para conseguir grana, já que meus pais não davam a mínima para minhas necessidades ou de minha irmã. Como ela conseguiu uma bolsa para estudar no municipal, que era muito procurado, eu ajudava a pagar com o pouco que ganhava nos trabalhos que fazia.Se ela fosse depender dos nossos pais, coitada, nem teria ficado um mês na escola. Eu até hoje não entendo porque certas pessoas resolvem ter filhos.Se você não tem mesmo vontade de ter uma obrigação pra vida toda, independente da idade do filho, apenas não tenha. É melhor, mais simples e evita causar problem
Parte 1...Carolina - 24 anos Eu estava lendo uma história em quadrinhos para a Júlia. Ela adora quando eu leio para ela e sempre que pode, ela anda pela casa com algum livrinho ou então uma revistinha que a mãe compra e às vezes o pai também.Célia está enrolada com o pai da Júlia. Eles estão em um processo de separação, mas ainda sentem algo um pelo outro, dá para perceber. Humberto é um pai muito bom para a Júlia. A menina adora quando ele está em casa e sempre que vai embora, eu percebo que ele vai com o coração pesado.Não me meto na vida das pessoas, menos ainda na vida de quem paga meu salário, mas pelo que vejo, os dois ainda se amam, porém não conseguem lidar com o erro de Humberto.Nunca perguntei nada sobre o que houve, mas ouvindo uma coisa aqui e outra ali, comecei a entender que houve uma traição da parte dele, o que causou todo o problema. Célia não aceitou isso e ficou bastante magoada. O que é bem normal.Suzana pelo jeito é do lado de Célia. Toda vez que Humberto c
Parte 2...Lucas estava bonito, cabelo mais curto e dirigia um carro que parecia novo. Isso tinha sido mais ou menos uns dois anos antes. Eu o reconheci, assim como aconteceu da outra vez, em que estava no fundo da pick-up e não tive tempo de pedir ajuda a ele, porque o carro saiu rápido e eu tive que me segurar para não ser jogada de um lado para outro.Dessa vez eu estava na calçada e ele no carro, mas fiquei com vergonha de chamá-lo. Talvez porque ele parecia tão feliz e estava acompanhado, que me senti mal de estar com uma roupa velha e suja. Não queria que ele me visse daquele jeito.— Pronto, podemos ir - eu disse sorrindo.— Ainda bem, você demora demais para arrumar as coisas. É só jogar tudo dento da mochila e pronto.Ele pega minha mão e sai me puxando. Sempre apressado. Somos assim. Eu sou calma e ele é agitado. Acho que por isso que começamos a ser amigos e depois ficamos juntos.Eu observo as novas tatuagens que ele tem no braço. Lucas adora tatuagens e resolveu que vai t
Parte 1...Carolina - 24 anosBem que eu gostaria de terminar esse bolo hoje, mas não vai dar. Vou ter que esperar até voltar para casa e aí sim, terminar o mais rápido possível. Ainda bem que eu já tinha acertado com a cliente de só passar aqui em casa depois das dezoito horas.Pedi a dona Célia que me liberasse hoje mais cedo e ela foi uma pessoa muito boa. Como sempre, aliás.Eu já trabalho na casa dela há dois anos como babá da sua primeira filha, Júlia. Uma criança muito fofa e que eu gosto muito de cuidar. Júlia é fofinha, gorduchinha e com um sorriso lindo. Adoro a risada dela.Quando consegui escapar da casa maldita, ainda fiquei um tempo pelas ruas, até que encontrei Nilce, que é a pessoa que eu considero minha mãe. Eu não a chamo assim, mas tenho um grande carinho e gratidão por ela.Se não fosse por Nilce, eu nem sei se estaria aqui hoje. É muito difícil a vida sozinha e nas ruas é mais ainda. É um jogo de sobrevivência que nunca sabemos como vai terminar. Eu pelo menos ach
Parte 2...Júlia é uma menina muito ativa e uma coisa que ela ama, é puxar meu cabelo. Depois de uns dias cuidando dela, aprendi que se quero manter meus fios, a melhor coisa é fazer uma trança que dificulta mais pra ela.Sorri olhando meu reflexo no espelho. Eu gosto muito de cuidar da Júlia, mas não quero ser babá por muito tempo. Esse foi o melhor emprego que consegui, diante da situação que o país está. E não reclamo, Célia paga muito bem e também é uma ótima patroa. Ela não me trata mal e nem como se eu fosse inferior.Graças a Deus, de vez em quando eu encontro pessoas pelo meu caminho que me fazem acreditar que ainda existe esperança para o ser humano.Torci a boca. Minha mente insiste em me puxar de volta a algumas cenas de meu passado que gostaria de esquecer, mas que ao mesmo tempo é importante que me lembre, para não cair de novo em um erro como aquele.— Carol! - escuto Nilce me chamando da cozinha.— Já estou indo - gritei de volta. Peguei a bolsa e fechei o armário — Só