Parte 1...
Lucas - 35 anos
“Carolina é uma menina bem difícil de esquecer
Andar bonito e um brilho no olhar
Tem um jeito adolescente que me faz enlouquecer
E um molejo que eu não vou te enganar
Maravilha feminina, meu docinho de pavê
Inteligente, ela é muito sensual
Te confesso que estou apaixonado por você
Ô, Carolina, isso é muito natural
Ô, Carolina, eu preciso de você
Ô, Carolina, eu não vou suportar não te ver
Carolina, eu preciso te falar
Ô, Carolina, eu vou amar você
De segunda a segunda, fico louco pra te ver
Quando eu te ligo, você quase nunca está
Isso era outra coisa que eu queria te dizer
Não temos tempo, então melhor deixar pra lá
A princípio, no domingo, o que você quer fazer?
Faça um pedido, que eu irei realizar
Olha aí, amigo, eu digo que ela só me dá prazer
Essa mina Carolina é de abalar, oi.”
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Nossa, hoje o dia parece que vai ser daqueles de pelar. Logo cedo já faz calor. Diz o termômetro na parede que está trinta graus, mas eu não creio nisso. Seguro que está mais. O tempo está abafado demais. E eu odeio calor!
Abro a janela do quarto. Lá embaixo o movimento começa a ficar maior. Ainda é cedo, mas a maioria das pessoas já está no seu caminho para o trabalho e outros compromissos.
Olho para o canto onde está a camminha do meu cachorro e ele não está lá. Isso quer dizer que eu também tenho que descer para passear com ele e colocá-lo para fazer suas necessidades na rua, como ele prefere.
Dog é um husky muito mimado. Ele tem duas caminhas, tem vários brinquedos e tem seu canto de liberar suas necessidades na varanda do fundo. Mas ele gosta mesmo é de sair e caminhar lá por baixo e eu, como bom escravo dele que sou, tenho que sair com uma sacolinha carregando papel, sacos plásticos e até uma pazinha pequena caso precise.
Depois disso eu posso ir até o escritório onde trabalho para começar mais um dia cheio de tretas para resolver. Sou advogado na maior firma do país e estou em busca de uma promoção maior do que o cargo que ocupo agora.
Não posso reclamar de meu salário que é muito alto e a cada novo caso que venço, recebo um bônus bem gordo, o que só faz aumentar minha conta bancária.
Me sinto um pouco sem ânimo hoje, mas não deveria estar. Não posso ser ingrato de achar minha vida ruim. Porque não é. Eu já tive muitos problemas no passado, mas me recuperei, dei a volta por cima e venci. Nem todo mundo consegue isso.
Vi uma garota lá embaixo, parada na esquina, carregando uma cestinha com flores. Não sei se as flores são reais ou de plástico, daqui de cima não dá para ver.
E isso me puxa a lembrança de uma garotinha que eu conheci há muitos anos. Eu estava indo para a escola, meio de saco cheio porque o que eu queria mesmo era ir jogar bola com os meus colegas da rua, mas minha mãe iria me dar uma surra se eu não fosse para a escola.
Eu andava de cabeça baixa, pensando que um dia cheio de sol como aquele era para ser aproveitado no campo e não trancado em uma sala de aula.
Quando virei a esquina eu quase caí quando tropecei em algo. Me virei cheio de raiva para reclamar, quando vi que era só uma menina, sentada no chão e encostada na parede da casa.
Eu quase pisei na perna dela, mas ainda dei uma raspada de lado e ela fez uma cara de choro, esfregando a perna. Eu até ia brigar com ela, mas a cara dela foi tão bonitinha, segurando uma mochila rosa, que eu não tive coragem de brigar.
Andei alguns passos e olhei para trás. Ela ainda estava lá no mesmmo lugar e olhava de um lado para outro, como se estivesse perdida. Torci a boca e suspirei. Decidi voltar e me paroximei dela, que se encolheu colocando a mochila na frente do corpo.
— Eu não vou brigar com você - eu me expliquei — Eu não te vi... Desculpe... Eu não queria pisar em você.
Ela fez um biquinho dengoso e assentiu com a cabeça. Não me respondeu. Nem olhou para mim.
Tinha um monte de gente passando por ali, mas ninguém parava para falar com ela. Fiquei curioso. Ela não parecia ser uma mendiga. Até que estava usando um vestido bonito.
— Cadê sua mãe?
— Ela está em casa - me respondeu baixinho.
— Quantos anos você tem?
— Cinco - ela me olhou.
O cabelo dela era castanho bem clarinho. O nariz arrebitado tinha algumas sardas e a boca era bicuda. Eu achei que era bonitinha. Os olhos castanhos estavam um pouco vermelho. Acho que ela tinha chorado e não sei porque, fiquei com pena. Me abaixei ao lado dela e perguntei porque ela estava ali.
— Porque meu pai mandou eu sair do carro.
— E por que? - achei esquisito isso.
— Não sei... - ela mexeu os ombros e coçou o olho — Ele disse que meu tio vem me buscar.
— Aqui?... No meio da rua?
Ela só fez que sim com a cabeça.
Parte 2...Eu achei estranho porque ela era muito novinha pra ficar sozinha ali na esquina. Meus pais são esquisitos. Minha mãe só vive ocupada e o meu pai está sempre pela rua. Ainda assim, eu acho que eles não iam me mandar ficar em uma esquina esperando por alguém. É um pouco perigoso, mesmo sendo cedo.Ela olhou pra mim e seus olhos tinham uma certa mágoa. Eu não entendia, mas achei que ela não deveria estar ali. Me levantei e estiquei a mão para ela.— Você quer vir comigo para minha escola?A minha ideia era levá-la comigo e pedir ajuda a uma professora para descobrir quem ela era mesmo e onde morava. Na escola tem psicólogos e também a diretoria tem contato com a polícia. Isso poderia ajudar. Pelo menos ela não ia ficar ali sozinha.Ela me deu um sorriso delicado e levantou, segurando minha mão, mas antes que eu falasse mais alguma coisa, senti uma mão forte em meu ombro, me puxando para trás.— Você é maluco garoto?Eu me virei para olhar para trás e até ergui as sobrancelhas.
Parte 3...E eu já tive outros casos desse tipo, onde a parte mais forte, no caso com poder financeiro, acaba se safando de ter a punição merecida e a vítima fica abandonada e dependendo do que seja feito, a própria vítima acaba sendo julgada como culpada.A vida é muito cruel.Eu sei bem disso porque quase caí nesse mundo da injustiça e por pouco abandonei meus sonhos de ter uma boa vida. Foi bem difícil, tive que apanhar um pouco da vida, mas aprendi, lutei e consegui ser forte para me posicionar do outro lado.Com a família tóxica que eu tive, seria de se esperar que eu estivesse preso a essa altura ou então morto. É muito difícil você conseguir ter um caminho certo, quando as pessoas que deveriam estar ao seu lado, lhe dando impulso, são as que mais te puxam para baixo e sem motivo nenhum, apenas porque você não pode ser mais do que eles mesmos.Me viro e vejo um pequeno sachê de alfazema em cima da prateleira na estante, ao lado de meu primeiro livro de direito. Me aproximo e o p
Lucas - 35 anosEu estava em um ponto de ônibus com minha irmã Célia. Ela tinha um teste para fazer, na escola de balé. Como nossos pais não podiam ir, então eu a levei. Eu ainda não tinha recebido minha carteira de motorista, mas estava ansioso por isso. Estava com dezoito anos e Célia com quatorze. Era muito bonita e chamava atenção. Alta e magra e tinha uma postura muito elegante devido as aulas de balé.Eu fazia vários trabalhos para conseguir grana, já que meus pais não davam a mínima para minhas necessidades ou de minha irmã. Como ela conseguiu uma bolsa para estudar no municipal, que era muito procurado, eu ajudava a pagar com o pouco que ganhava nos trabalhos que fazia.Se ela fosse depender dos nossos pais, coitada, nem teria ficado um mês na escola. Eu até hoje não entendo porque certas pessoas resolvem ter filhos.Se você não tem mesmo vontade de ter uma obrigação pra vida toda, independente da idade do filho, apenas não tenha. É melhor, mais simples e evita causar problem
Parte 1...Carolina - 24 anos Eu estava lendo uma história em quadrinhos para a Júlia. Ela adora quando eu leio para ela e sempre que pode, ela anda pela casa com algum livrinho ou então uma revistinha que a mãe compra e às vezes o pai também.Célia está enrolada com o pai da Júlia. Eles estão em um processo de separação, mas ainda sentem algo um pelo outro, dá para perceber. Humberto é um pai muito bom para a Júlia. A menina adora quando ele está em casa e sempre que vai embora, eu percebo que ele vai com o coração pesado.Não me meto na vida das pessoas, menos ainda na vida de quem paga meu salário, mas pelo que vejo, os dois ainda se amam, porém não conseguem lidar com o erro de Humberto.Nunca perguntei nada sobre o que houve, mas ouvindo uma coisa aqui e outra ali, comecei a entender que houve uma traição da parte dele, o que causou todo o problema. Célia não aceitou isso e ficou bastante magoada. O que é bem normal.Suzana pelo jeito é do lado de Célia. Toda vez que Humberto c
Parte 2...Lucas estava bonito, cabelo mais curto e dirigia um carro que parecia novo. Isso tinha sido mais ou menos uns dois anos antes. Eu o reconheci, assim como aconteceu da outra vez, em que estava no fundo da pick-up e não tive tempo de pedir ajuda a ele, porque o carro saiu rápido e eu tive que me segurar para não ser jogada de um lado para outro.Dessa vez eu estava na calçada e ele no carro, mas fiquei com vergonha de chamá-lo. Talvez porque ele parecia tão feliz e estava acompanhado, que me senti mal de estar com uma roupa velha e suja. Não queria que ele me visse daquele jeito.— Pronto, podemos ir - eu disse sorrindo.— Ainda bem, você demora demais para arrumar as coisas. É só jogar tudo dento da mochila e pronto.Ele pega minha mão e sai me puxando. Sempre apressado. Somos assim. Eu sou calma e ele é agitado. Acho que por isso que começamos a ser amigos e depois ficamos juntos.Eu observo as novas tatuagens que ele tem no braço. Lucas adora tatuagens e resolveu que vai t
Parte 1...Carolina - 24 anosBem que eu gostaria de terminar esse bolo hoje, mas não vai dar. Vou ter que esperar até voltar para casa e aí sim, terminar o mais rápido possível. Ainda bem que eu já tinha acertado com a cliente de só passar aqui em casa depois das dezoito horas.Pedi a dona Célia que me liberasse hoje mais cedo e ela foi uma pessoa muito boa. Como sempre, aliás.Eu já trabalho na casa dela há dois anos como babá da sua primeira filha, Júlia. Uma criança muito fofa e que eu gosto muito de cuidar. Júlia é fofinha, gorduchinha e com um sorriso lindo. Adoro a risada dela.Quando consegui escapar da casa maldita, ainda fiquei um tempo pelas ruas, até que encontrei Nilce, que é a pessoa que eu considero minha mãe. Eu não a chamo assim, mas tenho um grande carinho e gratidão por ela.Se não fosse por Nilce, eu nem sei se estaria aqui hoje. É muito difícil a vida sozinha e nas ruas é mais ainda. É um jogo de sobrevivência que nunca sabemos como vai terminar. Eu pelo menos ach
Parte 2...Júlia é uma menina muito ativa e uma coisa que ela ama, é puxar meu cabelo. Depois de uns dias cuidando dela, aprendi que se quero manter meus fios, a melhor coisa é fazer uma trança que dificulta mais pra ela.Sorri olhando meu reflexo no espelho. Eu gosto muito de cuidar da Júlia, mas não quero ser babá por muito tempo. Esse foi o melhor emprego que consegui, diante da situação que o país está. E não reclamo, Célia paga muito bem e também é uma ótima patroa. Ela não me trata mal e nem como se eu fosse inferior.Graças a Deus, de vez em quando eu encontro pessoas pelo meu caminho que me fazem acreditar que ainda existe esperança para o ser humano.Torci a boca. Minha mente insiste em me puxar de volta a algumas cenas de meu passado que gostaria de esquecer, mas que ao mesmo tempo é importante que me lembre, para não cair de novo em um erro como aquele.— Carol! - escuto Nilce me chamando da cozinha.— Já estou indo - gritei de volta. Peguei a bolsa e fechei o armário — Só
Parte 3...Eu fiquei nervosa e só fiz que sim com a cabeça, agarrando minha mochila. Meu pai disse que um tio vinha me buscar, mas eu não sabia quem era. Eu nunca tive um tio antes.Ele voltou para o carro e saiu sem olhar para mim. A última vez que eu vi meu irmão Mateo foi naquele carro, quando ele se virou e colocou a mão no vidro de trás, olhando para mim com cara de choro, enquanto o carro desaparecia pela avenida.Eu nunca mais vi ninguém da minha família. E depois de um tempo, eu até acabei esquecendo de que tive uma família um dia. Me acostumei com a ideia de que eu era sozinha e de que ninguém gostava mesmo de mim.E foi assim que eu cresci.Demorei um bom tempo, passando por muitas coisas, para então entender que eu tinha sido abandonada naquele dia. Por meu próprio pai, que foi embora levando meu irmão.Ele não me queria. Ao Mateo e aos meus outros irmãos sim, mas por algum motivo que me magoou por muitos anos, a mim ele não queria. E eu tentei entender, tentei arranjar mo