Capítulo 2

— Você está bem? — perguntou novamente, retirando a pequena toalha pendurada em seu bolso e me entregando. — Desculpe, esse pano sujo não vai ajudar muito... Vem comigo, vou ajudar você a se secar.

Ele estendeu a mão para me ajudar a levantar, mas eu só consegui ficar parada, olhando para ele. Alto, porte másculo, cabelos escuros e sedosos, daqueles que quando mexemos não param no lugar e provavelmente escorrem pelos dedos, olhos cor de mel, os dentes pareciam levemente tortos — notei enquanto ele falava sem parar —, mas eram tortos de uma forma sexy... Combinava com ele.

— Moça? Droga! Será que entrou água no cérebro? Está bêbada? — perguntou, franzindo o cenho e me analisando mais de perto. — Alô?! — caminhou um pouco mais e nivelou seu rosto com o meu.

Piscando para trazer de volta o meu foco, balancei a cabeça para responder a ele.

— Desculpe. Sim... Estou bem. — E bêbada também, mas não assumi essa parte.

— Que bom, menos mal. Serei apenas demitido, e não preso. — Ele riu aliviado, me fazendo sorrir também.

Seus olhos pararam nos meus por um momento e logo mudaram de destino, mirando cada canto do meu rosto e depois seguindo para o meu corpo metade molhado.

Pude ver o momento em que sua curiosidade se transformou em atração.

Eu entendia. Oh, sim! Eu entendia muito bem. Ele era um pedaço de mau caminho e tinha me interessado também. A boa e velha química que raramente acontecia sem que houvesse um toque mais íntimo, como um beijo, estava lá. Eu já senti isso antes. Tony. Eu lembro, foi bom. Muito bom mesmo. E eu também estava bêbada quando isso aconteceu. Hum... Algo a se analisar.

Esqueça Tony, Amelia. Foco no presente.

— Você não será demitido — Consegui dizer depois de decidir que o momento estava tenso o suficiente. — Não direi nada. Não foi sua culpa. Aliás... O que aconteceu? — perguntei, deixando escapar um sorriso.

— Fui lhe oferecer uma bebida e bem na hora você... Estou lhe chamando de você, desculpe, senhorita.

— Não há necessidade de protocolos comigo, me chame de você.

— Tudo bem... — Suspirou aliviado antes de recomeçar — Você levantou rapidamente, batendo a cabeça na minha bandeja. — Sua mão foi para a nuca, em um gesto constrangido que fazia par à testa enrugada.

— E agora estou toda molhada! — Comecei a rir.

— Sim.

— Devo estar parecendo um panda, minha maquiagem não era a prova d’água. — Meu riso aumentou.

— Sim, um pouco... — Sua voz era divertida quando ele respondeu, tentava se controlar para não rir junto comigo. Levantando-se, estendeu a mão para mim novamente. — Venha, há um lugar onde você pode se arrumar, secar um pouco os cabelos e limpar a maquiagem.

Mirando seus olhos, aceitei o convite e deixei que ele me levantasse.

— Meu nome é Amelia — Balancei sua mão em um cumprimento discreto, sem desviar do seu olhar.

— Sou Joshua, mas meus amigos e pessoas que tento afogar me chamam de Josh — Seu sorriso torto destacava uma única covinha em sua bochecha esquerda, o que me fez ainda mais atraída por ele.

— Neste caso, meus amigos e as pessoas que tentam me afogar me chamam de Amy — brinquei de volta.

— Vamos, Amy, vamos limpar você.

— Lidere o caminho, Josh.

**

Em um canto da cozinha industrial do salão, provavelmente um depósito, Josh ajeitou duas cadeiras e buscou uma toalha de rosto limpa. Quando me entregou o tecido, se desculpou novamente pelo ocorrido. Dispensando seu pedido, passei a toalha no rosto, e o pano felpudo e branco imediatamente ficou com manchas escuras de rímel. Olhando para a sujeira de maquiagem, fiz uma careta e ergui o rosto na direção de Josh.

— Melhorou? — perguntei, piscando algumas vezes, como se fosse uma donzela.

— Não estava ruim antes. — Ele deu de ombros e alcançou uma taça de espumante para mim.

— Sim, tenho certeza de que não estava — brinquei e peguei a taça com a mão livre enquanto secava meus ombros, pescoço e peito. — Obrigada.

— Arruinei seu vestido, não é?

Olhei para ele e percebi que novamente estava com as mãos na nuca, como se coçasse a cabeça. Mas seus olhos continuavam em mim. Em meu corpo e rosto. A embriaguez não me permitia sentir timidez ao notar sua análise, eu apenas me sentia ainda mais atraída. Queria saber o que ele estava pensando. Gostaria que ele se aproximasse mais.

— Provavelmente não voltará para a festa — concluiu.

— Eu não voltaria para a festa de qualquer maneira, mesmo se estivesse arrumada. — Ergui rapidamente os ombros antes de beber um gole do espumante.

— Mas ela está tão bonita... — Josh argumentou, e levantei a sobrancelha para ele. — Digo, casamentos são legais.

— Blé! — resmunguei, arrancando uma risada dele.

— Não gosta de casamentos?

— Não quando sou mais importante do que o noivo, por exemplo.

— Como assim? — questionou, curioso.

Sem pensar duas vezes, contei a Joshua toda a minha história como madrinha de casamentos até o momento em que tomei um caldo em uma fonte cheia de velas. Não foi porque eu precisava conversar, desabafar ou fazer o tempo passar. Falei tudo porque queria passar mais tempo com ele.

Bem, isso e o fato de eu estar bêbada.

Mas mesmo alcoolizada, eu via que a faísca entre nós estava lá. Seus olhos, por exemplo, fugiam dos meus e olhavam para a minha boca, e eu fingia que nada estava acontecendo enquanto contava a história.

De repente, Fast Car, de Tracy Chapman, começou a tocar. Era a hora de começar a playlist de músicas muito antigas na festa, e isso me fez fechar os olhos e soltar um suspiro chateado.

— Tudo bem, neste momento eu gostaria de estar lá dentro — admiti e me balancei de um lado para o outro, ainda sentada na cadeira.

— Gosta de músicas dos anos oitenta?

— Eu gosto — respondi sem abrir os olhos e sem parar de me embalar.

— Você realmente está bêbada ou é esquisita mesmo? — Sua voz era divertida ao perguntar. Sorri assim que ouvi a pergunta e dei de ombros.

— Um pouco dos dois. Além disso, eu amo músicas antigas, especialmente esta. Então você pode rir de mim enquanto eu mantenho meus olhos fechados e aproveito.

Ele não riu como eu esperava, mas sim começou a cantar a música. Seu tom era baixo, mas ele conhecia a letra e cada oscilação da canção. Abri os olhos e cantei com ele:

Você tem um carro veloz

Eu quero uma passagem para qualquer lugar

Talvez possamos fazer um trato

Talvez juntos nós possamos ir para algum lugar

Qualquer lugar é melhor

Começando do zero, não teremos nada a perder

Talvez nós façamos algo

Eu mesma não tenho nada para provar

Você tem um carro veloz

E eu tenho um plano para nos tirar daqui

Eu tenho trabalhado na loja de conveniência

Dando um jeito para economizar algum dinheiro

Não teremos que ir tão longe

Apenas cruzar a fronteira e entrar na cidade

Você e eu podemos conseguir empregos

E finalmente saber o significado de viver

Eu deveria achar aquilo tudo no mínimo estranho, mas cantar com um garçom realmente sexy dentro de uma cozinha no meio da festa de casamento em que eu era madrinha não era algo exótico para mim. Parecia normal e confortável estar ali com o incrivelmente belo Joshua.

Veja bem, meu velho tem um problema

Ele vive com uma garrafa, é a vida

Ele diz que seu corpo está velho demais para trabalhar

Seu corpo é jovem demais para ter essa aparência

Minha mãe foi embora e o deixou

Ela queria mais da vida do que ele podia dar

Eu disse que alguém precisava cuidar dele

Então eu parei de estudar e foi isso que fiz

Você tem um carro veloz

Mas é rápido o suficiente para que possamos voar para longe?

Nós temos que tomar uma decisão

Nós partimos essa noite ou vivemos e morremos desse jeito

Levantei da cadeira e comecei a me balançar de um lado a outro em pé, sem parar de cantar, e estiquei minhas mãos para Joshua, que ria da minha atitude.

— Quer que eu dance com você? — perguntou, mas logo estava ao meu lado, se embalando comigo enquanto estalava seus dedos. A covinha estava lá, abanando para mim, me seduzindo. — Eu não deveria estar dançando com a madrinha do casamento.

— Você me deve, não posso voltar para a festa toda molhada e eu simplesmente amo essa música. Preciso dançar, Josh.

Mexi meus ombros de um lado a outro, peguei suas mãos novamente e tracei meus dedos sobre elas, brincando, alisando suas palmas e dedos com delicadeza, mantendo meu olhar fixo no dele.

— Seu namorado não vai ficar com ciúmes de saber que você está dançando músicas sobre carros velozes e fugir por aí com outro cara? — Sua sobrancelha levantou, ele continuava se embalando e, Deus! O cara sabia se movimentar.

Estávamos flertando para valer. Sem qualquer pudor ou restrição, nossos olhares diziam exatamente o que queríamos, a brincadeira era empolgante, e a cada segundo, aumentava o clima excitante entre nós.

— Essa é a sua maneira de perguntar se eu tenho um namorado? — questionei descaradamente.

Eu provavelmente não o veria novamente, então não havia motivos para me frear. Culpe a bebida.

 Eu culpei.

— Você é direta. — Foi a sua resposta.

— Para que dar voltas?

Não nos veremos novamente, complementei em pensamento.

Levantei sua mão e girei em meu eixo, como se ele estivesse me virando.

— Bem, então sim, Amy. Eu quero saber se você tem um namorado.

— Não, Josh. Eu não tenho.

— Bom — disse com um pequeno levantar no canto dos lábios.

Seus olhos novamente miraram a minha boca, e eu me perguntei por que ele não havia me beijado ainda.

Então se lembre de quando estávamos dirigindo, dirigindo seu carro

Velocidade alta, eu senti que estava bêbada

As luzes da cidade se acendem antes de nós

E seus braços ficam legais em volta dos meus ombros

E eu tive, tive a sensação de que pertencia

E eu tive, tive a sensação que poderia ser alguém,

ser alguém, ser alguém

Você tem um carro rápido

Mas será que ele é rápido o bastante para você voar para longe?

Você tem que tomar uma decisão

Partir esta noite ou viver e morrer desse jeito

Quando a música chegou ao fim, a batida de Under Pressure, do Queen e David Bowie, começou junto de alguns efeitos remixados que os DJ’s adoram fazer.

Josh me olhava com intensidade, parecendo não prestar atenção em mais nada.

— Por que você está me olhando desse jeito? — perguntei num tom provocativo. Eu imaginava o que ele desejava, assim como tinha certeza do que eu queria.

— Que jeito? — rebateu e se aproximou mais de mim, lambendo os lábios.

Já era, meu coração disparou e meu corpo já estava aguardando por todas as sensações que Josh poderia me proporcionar.

— Como se você quisesse alguma coisa...

— Alguma coisa? — Sua voz era mais baixa e seus olhos continuavam mirando meus lábios enquanto ele chegava mais perto suavemente.

— Alguma coisa que eu tenho... Não sei.

— Você tem algo para mim, Amelia? — Puta que pariu, pensei. — Algo que eu queira?

— Eu tenho uma pergunta, na verdade. — Encurtei a distância que ainda existia entre nós, quase colando nossos corpos.

— Sim? — Seu rosto começou a se aproximar do meu.

— Você tem um carro veloz, Josh? — sussurrei minha pergunta quase encostando em sua boca.

E, no momento seguinte, seus lábios estavam nos meus.

Seus braços se enroscaram na minha cintura, me puxando para mais perto, enquanto sua língua fazia o caminho para dentro da minha boca. O beijo era quente, molhado, as bocas, os corpos se encaixavam perfeitamente. Tinha tanto tempo que eu não sentia o encaixe perfeito de um beijo... Era como se nossa dança fosse sincronizada. Não houve dente batendo, lados opostos. Nosso beijo parecia ensaiado. Como se fôssemos acostumados um com o outro.

Minhas mãos foram para os seus cabelos, tão fininhos, lisos. Caramba, eu queria puxá-los. Deus! Que homem era aquele?

Sem conseguir controlar, soltei um gemido, fazendo com que ele me apertasse ainda mais. Mas o vestido maldito grudado em minha pele não me deixava sentir o seu corpo como eu gostaria.

Ao menos suas mãos e boca sabiam o que estavam fazendo.

— Porra! — Ele resmungou assim que seus lábios saíram dos meus e viajaram para o meu pescoço. — Definitivamente serei demitido.

— Não vai — gemi minha resposta, deixando minhas mãos acariciarem seu pescoço.

— Joshua! — Desgrudamo-nos no momento em que a voz feminina e estridente exclamou não muito longe de nós. — O que está acontecendo com vocês essa noite? Primeiro Evie no banheiro, e agora você na cozinha. Mas que droga! Ninguém leva a sério o código de conduta?

— Desculpe, Julie — pediu, mas não parecia arrependido de verdade.

— Ai... — A voz dela era chorosa. — O que vou fazer com vocês?

Não queria que ele se metesse em apuros por minha causa, então respirei fundo, tentando colocar minha embriaguez de lado, e comentei:

— Eu acho melhor eu ir embora. — Olhei para Josh. — Obrigada pela dança, Josh.

Seus lábios se apertaram como se ele tentasse não sorrir para mim. Dei as costas para os dois e saí da cozinha sem olhar para trás. No caminho para o estacionamento, sorri ao ver o chafariz.

Maldita chama do amor da sorte.

Quando estava chegando em meu carro, ouvi meu nome ser chamado.

— Amelia! — Olhei por cima do ombro e vi Josh correndo em minha direção. — Esqueci de responder a sua pergunta. — Sem entender do que ele falava, fiquei em silêncio aguardando que dissesse algo. Ele deu um sorriso sacana e concluiu: — Eu tenho um carro veloz. Me deixa te levar para algum lugar.

Eu deveria ter pensado mais antes de responder. A madrinha de casamento fugindo da festa com um garçom daria o que falar para as tias fofoqueiras. Como se o fato de ela estar bêbada e cair dentro do chafariz já não fosse motivo para fofocarem pelo resto de suas vidas. Mas não era apenas aquilo que eu deveria levar em consideração. Eu mal conhecia Josh, precisava ser prudente.

Mas não fui.

Seus lábios ainda levemente inchados pelo nosso beijo e puxados para o lado em sorriso sexy me fizeram relembrar as sensações de segundos atrás. Então, sem pensar duas vezes, eu respondi:

— Vamos.

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