Caminhos Cruzados
Caminhos Cruzados
Por: hmarttiny
Prólogo

– Mas... Doutor, você tem ideia do que está me pedindo? Logo para mim?

            Um homem alto, magro, com óculos e vestido com jaleco branco, sentado de frente para ele respondeu bem seguro:

            – Essa é a única opção que consegui para você. Depois de tudo o que aconteceu, não acho que você tenha muitas escolhas, meu amigo.

            – Mas... depois de tudo... É muito difícil.

            – Eu sei, Alex. Entretanto, você sabe qual é a outra opção.

            Alex coçou a cabeça. Estava vestindo uma calça preta, camisa azul e um casaco cinza. Era quase final da tarde e o frio insistia em chegar.

            – Não sei se seria tão ruim assim.

            – Alex, não quero entrar de novo nessa questão. Você sabe que seria ruim sim.

            – É o que me resta...

            – Restava. Consegui uma alternativa, como lhe prometi.

            Mesmo sendo um homem alto, sentia-se pequenininho naquele momento. Sabia que o doutor tinha razão. Aquela era a chance de sua vida. Se a perdesse, não teria um destino muito agradável o esperando.

            Por outro lado, não sabia se queria uma chance. As memórias recentes o atormentavam.

            Em sua mente, percorreram lembranças de quando era garoto e idealizava chegar exatamente na vaga que estavam lhe concedendo. Era um sonho antigo. Porém, agora, depois de todos os acontecimentos recentes em sua vida, não se sentia mais capacitado para aquele fim. Não era questão de formação. Era questão de quem ele se tornara e tudo que fizera recentemente.

            – Doutor, eu...

            – Pense bem nisso tudo. Olhe como um todo. É a chance de voltar a fazer a coisa certa.

            Olhou para um espelho que ficava na parede da direita. Viu aquele rosto abatido, envelhecido pela vida.

“Quem é esse que me tornei? Onde foi que me perdi?”

            Não se sentia incapacitado. Sabia que poderia realizar tudo com muita segurança. Aliás, era uma de suas especialidades. Sentia apenas que assumir a sagrada profissão de educador naquele exato momento da sua vida não era certo. E o doutor sabia disso também.

            – Alex, você sabe que de todos que tenho, é o único que posso confiar em realizar um trabalho certo e confiável. Além disso, com a seriedade de todas as coisas, essa pode ser mais do que uma chance para você. Tem ideia do que pode lhe acontecer?

            – Não é esse somente o problema.

            – Então qual é?

            Alex tentou mais uma vez:

            – Doutor, o que será se eles descobrirem tudo que aconteceu?

            O doutor levantou e respirou fundo:

            – Alex, estou fazendo o possível para que essa história continue em sigilo. Pretendo que seja assim até que eu consiga convencê-los de que você está bem e não precisa ser monitorado mais. Por mais que uma parte foi descoberta, nem tudo eles sabem. Os principais detalhes estão entre nós dois. Mais do que isso. Essa é a chance de provar que eles estão errados.

            – E se eles estiverem certos?

            O doutor respirou, levantou os óculos e coçou os olhos que ardiam. Estava há dias sem dormir, analisando se aquela era realmente a melhor opção.

            – Confie em mim, Alex. Sei o que estou falando.

            Alex levantou. Olhou para o doutor, aquele que era o único a quem confiara todos os seus segredos, manias, erros e acertos. Era, durante todo esse tempo, o único amigo.

            Por mais que não achasse correto, sabia que não poderia ignorar tudo que seu amigo fizera. Não era sua obrigação, mas tomara difíceis para que Alex pudesse rever a vida e seguir em frente.

            Sim, deveria aceitar por todo tempo investido, por tudo que lhe foi dado, pela confiança em meio ao caos.

            – Doutor, se você confia em mim, acho que devo fazer isso. Afinal, você é o único em quem confio.

            O doutor não escondeu um sorriso:

            – Alex, vamos acertar tudo. Primeiro, veja como uma oportunidade de recomeçar. Você vai deixar tudo e começar uma nova vida. Além disso, duas vezes na semana no mínimo preciso de um encontro pela internet com você para que me passe um relatório de tudo que está acontecendo em sua vida naquele lugar. Mais do que isso, preciso que você observe o funcionamento daquele abrigo e a conduta de todos que ali trabalham. Recebi recentes denúncias de problemas internos, e quero que descubra tudo o que puder para mim. Lembre-se. Você vai atuar como professor. Só que entre nós, mais do que isso. Vai descobrir o que acontece lá.

            Os dois se abraçaram. Alex sabia que demoraria a se encontrar com seu amigo pessoalmente de novo.

            Era o momento da virada. Deixaria para trás sua vida, seus problemas e recomeçaria tudo. Na verdade, era o que precisava naquele momento. Sabia que o doutor tinha razão. Ali, estava se destruindo.

            Uma semana se passou desde aquele encontro. Alex entrou em um ônibus de viagem. Passaria cinco horas e meia ali para chegar a uma cidade no interior, onde assumiria a vaga como professor de informática em um abrigo de crianças órfãs.

            Sabia que realizar aquele trabalho social poderia trazer nova vida a ele. Esperava assim. Não aguentaria mais problemas como o que recentemente enfrentou.

            Por outro lado, sabia que fora enviado para este cargo por algum motivo especial. “Algo está acontecendo lá e quero que você descubra”. As palavras do doutor ecoavam em sua mente. Se por um lado iria recomeçar, por outro, temia o que poderia encontrar.

            Olhou para trás pela última vez e disse baixinho:

            – Adeus, para tudo que vivi aqui. Não levo comigo nem mesmo as recordações.

            O ônibus percorria um caminho por meio a árvores e matas. Alex escutava uma música relaxante que dizia:

“Que uma estrela do anoitecer

Brilhe sobre você

Que quando a escuridão cair

Seu coração seja verdadeiro.”

            Uma lágrima solitária percorreu seu rosto e, pela primeira vez em um ano, deixou um sorriso tímido brotar em seus lábios.

            Adormeceu, com a certeza que seu novo destino estava traçado.

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