Vestido listrado

Alex passou o dia em torno de Jenifer. Queria realmente ter a certeza de que a deixaria bem. O seu nível de preocupação com a menina era tão alto que deixou de lado até mesmo sua crise de ansiedade e seus problemas, focando somente em deixa-la bem.

Assim como nos outros dias, a turma de Jenifer foi a última a ser levada para a sala. Curiosamente, Pedro chamou a menina para ser sua dupla. E ela aceitou. Alex não pode deixar de ficar feliz e encantado com as crianças, que, tão inocentes, deixaram de lado uma briga para poderem estudar e se divertir juntos naquele momento.

Por outro lado, Alex conhecia a maldade humana em sua essência e não se enganava com as pessoas. Percebera que Estela e João estavam planejando algo para a menina. E não poderia deixar de se preocupar, já que a menina era pequena e inocente.

Talvez nem tanto. Talvez ela tivesse algum segredo também. Quem sabe o que ela poderia ter passado?

Algo era bem claro. Aquela menina, que deveria ter aproximadamente sete anos, tinha uma grande habilidade com computadores. Era claro que ela já tinha se familiarizado com aquelas máquinas.

Outro fato que chamara a atenção de Alex foi o fato de que, junto com Pedro, ela falara muito mais do que os dias todos com ele. Ficou feliz. Por mais que os dois estavam feridos, a briga tornara as crianças amigas.

Quando as aulas acabaram, Jenifer e Pedro ficaram. Alex trocou o curativo da cabeça da menina e deu uma nova dose do remédio para ela. Pedro estava cabisbaixo. Alex passou a mão nos cabelos dele:

– Ei, Pedro. Esse olho deve estar doendo.

Ele, sacudiu a cabeça concordando, triste, sabendo que merecia aquilo, depois do que fizera com a menina.

            Alex sorriu:

            – Abra a boca. Você não precisa ficar com dor.

            Deu um remédio para o garoto também. As crianças fizeram careta e depois riram juntos. Ajudaram Alex a desligar os computadores, no momento em que a sirene avisava do jantar. Saíram em disparada.

            Alex virou para pegar suas coisas, quando sentiu algo vindo por trás.

            Ao virar, Jenifer correu e o abraçou:

            – Obrigado! Até amanhã!

            E correu, antes que ele pudesse falar qualquer coisa.

            Após juntar todos seus pertences e conferir se os remédios estavam ali, ele colocou a mochila nas costas e trancou a porta. Pensou em não ir naquele momento, já que ainda estava preocupado com a menina, mas lembrou que ela não estaria sozinha.

            Passou pelo refeitório. As cozinheiras continuavam com a mesma cara do outro dia. Antipáticas e ignorando a presença de Alex. No fundo, no meio das crianças, Pedro e Jenifer comiam.

            Alex olhou para as 57 crianças naquele lugar.

“57 histórias diferentes e justamente a Jenifer teve que parar na minha frente. A única que me lembra ‘ela’.”

Ele virou e foi embora. Não queria que as crianças o vissem ali.

Passou pela sala de Estela, que mexia no computador e berrava com João:

– Seu imprestável! Você gastou mais do que tínhamos na conta! Como conseguiu?

João estava respondendo à altura:

– Eu gastei mesmo. Faço um esforço gigante para conseguirmos dinheiro. E você? Só fica aí neste computador, sua gorda horrorosa!

Nem se atreveu a entrar. Seguiu caminho.

A velha senhora continuava na sala, datilografando um papel.

– Boa noite!

Ela não respondeu. Alex partiu sem olhar para trás.

Exatamente no momento em que saiu do abrigo, o celular de Alex tocou. O doutor ligava para ele:

– Ei, doutor, como estamos?

O doutor parecia agitado:

– Já está em casa?

O professor caminhava sob a lua cheia:

– Estou quase chegando. Por quê?

– Temos duas coisas para conversar. Uma eu lhe falo agora, a outra eu preciso que esteja na frente do seu computador.

Deu uma pausa:

– A primeira é que consegui uma liberação da sua carteira de motorista. A partir de amanhã pode dirigir seu carro tranquilamente.

Alex chegou a parar na rua:

– Que bom! Meu velho carro estava lá triste, olhando para mim! Nem sei como você o enviou para cá, só senti a dor de ver meu veículo estacionado lá.

– Excelente. Agora, assim que abrir o computador, me ligue de volta. Abra um e-mail que lhe enviei.

– Pode deixar, doutor.

Alex estava sorridente. Gostava de dirigir. Porém, devido a todos os problemas que o envolvia, sua carteira apreendida.

“Pelo menos, coisas boas acontecem.”

Ele se sentia leve. Como não se sentia há muito tempo. Foi então que lembrou que tomara muito mais remédio do que realmente precisava.

Alex entrou em casa, pegou um copo de água e sentou no sofá da sala. Pegou seu notebook e ligou. Entrou na internet e abriu seu e-mail. Ao mesmo tempo, ligou para o doutor:

– Oi.

– Estou no e-mail. Você me enviou uma foto.

– Isso. Abra. Me diga o que você vê.

A foto carregou. Alex respondeu:

– Três crianças.

– E quantas camas?

– Quatro.

Alex coçou a cabeça:

– Onde está a quarta criança?

– Exatamente. Amplie a foto e me diga o que há na cama atrás das crianças.

Alex ampliou a foto. Ele sentiu um arrepio:

– O vestido que Jenifer estava usando!

– Isso mesmo. Tem um detalhe muito importante.

– O quê?

O doutor suspirou:

– Essa foto tem vinte anos.

Alex quase jogou o notebook no chão. Precisou tomar uma água antes de continuar.

O doutor enviou outra imagem. Alex abriu. A cena era semelhante. Três crianças, quatro camas e o vestido sobre uma das camas.

– Recebi a segunda foto, doutor.

– Que bom. Esta foto tem cinco anos.

Alex não entendeu o que estava acontecendo ali:

– Doutor, o que isso quer dizer?

– Calma. Vou explicar todas as coisas que eu sei. Abra a terceira foto.

A imagem era semelhante. Três crianças, quatro camas e o vestido sobre uma cama.

– Alex, essa é a foto do final do ano passado.

– E o vestido está nela novamente. O que isso quer dizer?

O doutor fez uma pausa:

– Eu não lhe enviei para este lugar à toa. Você é uma pessoa preparada. Você é observador e conseguirá ver detalhes que outros não conseguirão. Bom. Vou lhe explicar algumas coisas. Está preparado?

Alex tomou um gole de água:

– Estou.

O doutor começou:

– Como lhe contei. Uma organização toma conta deste abrigo e sou um dos responsáveis. Apesar de não ser o responsável geral, sou o terceiro da ONG. Porém, o único médico. O presidente da instituição colocou Estela e João no comando do abrigo há dez anos atrás. Não sabemos o motivo nem mesmo de onde eles vieram. Só que eles diziam que eram os melhores preparados para isso.

Deu uma pausa:

– A foto de vinte anos eu achei em um arquivo. Não posso lhe dizer o que ela significa, mas espero que você descubra para mim. A foto de cinco anos atrás é um pedido pessoal meu.

Respirou:

– Há seis anos, tive no abrigo. Atendi as crianças, na época eram 49. No meio delas, um menino me disse: “Doutor, tem a Maria”. Perguntei quem era Maria. Ele disse que era a menina que estava com vestido laranja e branco. Estranhei. Não havia nenhuma Maria na minha lista. O menino afirmava que tinha uma amiga chamada Maria, só que desde o dia anterior à visita ela não estava mais no abrigo. Sem nada dizer, percorri todo o abrigo e vi, no quarto da foto, as camas arrumadas e o vestido sobre uma cama. Ao perguntar Estela, ela disse que era uma cama vazia. Que o vestido era uma roupa de doação que ela deixara ali para quando precisasse.

Alex estava intrigado.

– Continue, doutor.

Ele prosseguiu:

– Por mais que procurasse, não encontrei nenhum traço da tal Maria. Curiosamente, no mês seguinte, este menino foi adotado por uma família australiana.

O professor se remexeu no sofá:

– Doutor. Coincidência demais. E o que aconteceu depois?

O doutor continuou seu relato pelo telefone:

– Foi logo depois, na época da segunda foto. Um casal esteve no abrigo. Eles conheceram as crianças e vieram conversar comigo. Resolveram que queriam adotar uma menina chamada de Letícia. Eu questionei, dizendo que não havia nenhuma Letícia no abrigo. A descrição que me deram era de uma menina de cabelos e olhos castanhos, com aproximadamente sete anos e que usava um vestido listrado laranja e branco. Logo lembrei da história do outro ano. Pedi a um amigo que inventasse uma reportagem no local e tirasse fotos. Para minha surpresa, recebi a segunda foto que lhe enviei. Por mais que procurei, por mais que o casal insistiu, não encontramos nenhuma Letícia. E eles acabaram por optar em adotar uma outra criança.

Ele fez uma pausa.

– Não poderia ser coincidência. Como poderia uma menina desaparecer? Como uma menina usaria a mesma roupa que a outra e, pior, por que aquele vestido estava exatamente no mesmo lugar?

Alex pegou mais um copo de água. A conversa estava lhe causando arrepios. 

– Doutor, intrigante demais esta história. Parece até um conto inventado.

– Quem me dera fosse. Ano passado foi ainda pior. Eu vi uma menina com o vestido laranja e branco. Quando questionei algumas crianças, me disseram que nunca esteve nenhuma criança lá com as características. Adivinha qual foi minha surpresa ao pedir fotos no final do ano?

– A terceira foto?

– Essa mesma. Algo muito estranho está acontecendo aí. Não posso confiar em ninguém da ONG. Por isso eu lhe enviei. Sabia que encontraria algo. Só não esperava que você encontrasse uma menina com as mesmas roupas.

Ele estava assustado. Não era possível que algo assim pudesse acontecer.

– Doutor, o que você acha? Qual a ligação das histórias?

O doutor suspirou.

– Não sei. Já pensei em tudo. Fantasmas, reencarnação. Coincidência, loucura coletiva. Mas, nada muito real. Sinceramente? Estou sem rumo nessa história. Quando nos conhecemos, eu vi em você a pessoa certa para resolver este problema. Talvez consiga descobrir o enigma.

Alex olhou novamente para a foto. Naquele momento, achou que as dez gotas do remédio fora uma dose fraca. Sua cabeça doía. Não conseguia pensar.

– Doutor. Sabe como sou cético. Sobrenatural? Não acredito. Acredito naquilo que posso tocar. Porém, tenho uma ideia. Para isso, preciso de sua ajuda.

O doutor, do outro lado do telefone, tirou os óculos:

– Então me diga, Alex. O que podemos fazer?

Ele coçou a barba que crescia em seu rosto:

– O vestido pode ser a chave para solucionarmos isso.

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