CORES RARAS
CORES RARAS
Por: MAGNO NOVAES
PARTE 01

CORES RARAS por Magno Novaes, 2017 - 2021 - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.

Não importa quantos livros e enciclopédias, Esther Ferreira leia, nenhum deles tem a resposta de quem de fato ela é, e qual a influência dela, neste mundo.

Uma verdadeira febre por saber por quê ela veio ao mundo da forma que viera, a consumia vorazmente, fazendo-a se afundar em um rio denso de dúvidas. Entretanto, a garota sempre se mostrou ser a mais entusiasta da família, e ainda que se sentisse receosa quanto a tudo o que acontecia consigo mesma, tinha fé, esperança e uma positividade corpulenta que a mantinha em ordem, mas mesmo assim parecia estar estreitamente a ponta de um precipício. 

Sua mãe, Jéssica Ferreira, achava. — Ainda que ela não fosse psicóloga por título. — Que esta dúvida existencial era apenas um reflexo da excepcional adolescência da garotinha.

Pais… A “garotinha” estava prestes a completar dezoito anos. São dezoito primaveras bem vividas, mas peculiares aos olhos de Esther.

Desde que sua família se mudou há oito anos para Monteiro, ela começou a questionar ações, atitudes, coisas que ocorriam naturalmente na vida de todos, inclusive na sua. Contudo, a verdade é que ela tinha consciência do evolutivo mundo, e este, não a perdoava só devido a sua condição.

Ela olhava para as pessoas e elas demonstravam um padrão de comportamento que era sempre a favor do aparentemente impossível. Isto a fazia pensar: por que as pessoas desistiam?

Deixavam de levar seus projetos para frente, abandonavam os seus sonhos que chegavam nem sequer a tentar, cediam em seus romances quentes, que por um único deslize, era descartado como uma lata de refrigerante. Seria mais fácil abandonar um sonho e anseio e seguir o fluxo natural das coisas, mas esta correnteza é realmente natural?

Esther desenvolveu um medo, algo que era irracional e inevitável de sentir. Ela buscava entender o motivo pelo qual Fernando Rebouças. — Um dos seus melhores amigos e conselheiro. — Desistiu de tudo e todos, desaparecendo sem deixar rastros. Isso aconteceu no último dia do ano, quando todos estavam felizes e concentrados em suas próprias felicidades.

Ele inconscientemente, segundo alguns, talvez permitiu a passagem e instalação das indesejáveis sensações de desconforto, solidão, infelicidade e sobretudo medo, este último, que o roubou tudo, e ainda que Esther não entendesse muito bem, também a invadiu gradualmente, quase que sem alarme e se estabeleceu dentro dela, como uma bomba relógio prestes a detonar.

Talvez esta não seja a única coisa em que Esther deveria gastar seus neurônios em tentar consertar ou entender. No fundo, além de ter desenvolvido o medo de perder as pessoas que amava, ela começou a questionar seus sonhos e anseios, e sabia que cedo ou tarde aconteceria algo semelhante ao que ela vinha observando há tempos nas pessoas: a desistência. 

Fernando tinha sonhos. Ela também. Ele tinha tudo o que poderia deixá-lo feliz. Ela também. Esther questionava um tanto egoísta ao se comparar, numa indagação profunda. Que diferença existia entre ambos? Será que ele já não enxergava as coisas de um modo surrealista como Esther havia aprendido a enxergar? Ou seriam verídicos os fatos e ele se perdeu no fundo, e estreito poço da depressão? Por mais que as pessoas jogassem toda a culpa sobre o admirável garoto, Esther sabia que Fernando era iluminado demais para ter planejado e executado uma fuga sem evidências.

VOLTA ÀS AULAS

A primavera começava para Esther quando o cheiro das rosas do quintal e das outras flores do grande e extenso campo logo atrás de sua casa, chegavam suavemente até ela, entrando sem permissão pelo seu nariz e acionando um pensamento instantâneo de romance, fazendo-a lembrar das grandes praças ornamentadas com belas tulipas mencionadamente¹ amarelas, que havia no centro de Monteiro. 

De todas as estações do ano, esta seguia sendo a sua predileta pelo simples fato da garota ser compensada mais em aromas e bons gostos, o que sua visão não conseguia mostrá-la com mais cor e definição.

Esther nasceu com acromatopsia, uma deficiência congênita. — Ainda que ela não considere como falha. — Que a impedia de ver o mundo como as pessoas normais o enxergavam. 

Seus olhos não podiam processar as cores. Era viver no que a maioria das pessoas conhecia como: preto e branco. Não como os daltônicos, mas cem por cento preto e branco. Estas eram as suas únicas cores.

Ela foi diagnosticada muito cedo. Ainda com seis meses de vida, quando seus pais perceberam que ela apresentava irritabilidade à luz, conhecida como fotofobia.

Para ela pouco importava quão incolor eram as coisas, visto que as mesmas tivessem algum significado bom.

Nas festinhas infantis e nos aniversários de amigos, ela não enxergava a totalidade das cores dos doces, dos cartazes de felicitações ou dos balões coloridos, que para ela, não passavam de variações de preto e branco. — Ou quão belo poderia ser um arco-íris, que curiosamente não passava de listras simétricas no céu.

Tanto no passado como em dias atuais, seus pais sempre a incentivaram a sua independência, prezando uma vida absolutamente normal, e isso definitivamente mudou algo de forma positiva nela. 

A mãe de Esther era uma arquiteta e decoradora que gastava toda sua inspiração na decoração de outras casas, mas que hipocritamente não fazia isso com a própria, que no fim das contas, era muito simples e sem muito aformoseamento, mas aconchegante e de bom agrado para todos de sua família. 

Seu pai, Raul Ferreira, foi jogador de futebol, e agora é técnico da equipe de futebol da cidade. — O mesmo que ele jogara, tempos atrás. O esporte estava em suas veias, e é claro, o futebol não o largava. — é o que ele costuma dizer a sua família. Apesar do convívio assíduo com o esporte, Esther nunca desenvolveu interesse pelo mesmo e nem por qualquer outro, asseguro.

Ser filha única de um casal jovem e de profissões tão distintas a fez alguém com infinita inspiração, mas tendenciosa a caminhos excepcionais.

Quando Esther disse para sua mãe que gostaria de estudar astronomia, ela não compreendeu muito bem, mas gostou da ideia. Estudar astros e estrelas sempre foi seu passatempo quando criança.

Se você está confortavelmente bem com o que faz, não importa quais os contras, a felicidade e a excitação sempre cobrirão estes detalhes. Este sempre foi o lema da família: faça o que lhe faz feliz.

Veja só. Esta era a magia da vida. Você pode nascer de pais totalmente diferentes, ou ser inspirado por vários fatores, mas a seleção da natureza e da biologia humana fará de você um ser único, a partir de sua própria verdade interior.

As fotografias na parede do quarto de Esther, diziam quase que abertamente muitas coisas acerca da vida dela e sobre quem definitiva ou superficialmente era a garota P&B.

Fotos de sua última viagem com seus pais para a Amazônia, podem sugerir, por exemplo, que ela gostava da tranquilidade da natureza. — De fato isto é verdade. — Mas ainda que amasse as plantas e animais, anos atrás Esther descobriu ser alérgica a gatos, ou melhor, ao pelo dos bichanos. Bom, a foto inusitada de Fernando e ela jogados em cima de muitos livros na Biblioteca Pública Municipal Professora Emília de Paiva, mostrava verdadeiramente sua paixão pela leitura. Naquele ano, eles levam isso como passatempo e comumente sua paixão.

Esther se aproximou de todas as fotos que havia na parede ao lado da janela, e as analisou com amor, cada uma delas. São boas recordações. Aquilo a fez se sentir pensativa e aqueceu seu coração. 

Quando ela olhou para as imagens foi como se tivesse viajado para o passado, e por segundos despercebidos, escutou internamente, as risadas gostosas em encontros de amigos, o sabor do açaí gelado que comeram no último verão e o cheiro do perfume amadeirado, um pouco fora de moda, que Fernando costumava usar.

Ela deu alguns passos à frente e desgrudou do mural a sua divertida foto da biblioteca e a colocou dentro de seu livro favorito — A Viagem ao Centro da Terra. — Enfiando-a logo em seguida em sua mochila.

Esther arfou quase sem querer, traduzindo a saudade que sentia de seu amigo naquele momento.

Ela se aproximou do espelho e colocou as lentes de contato que disfarçam as manchas que haviam em sua íris, e por fim, os óculos escuros, objeto este que evitava a passagem exagerada de luz que poderia causá-la irritabilidade. 

Em seguida, pegou sua mochila que estava em cima da cama, e desceu as escadas devagar, deslocando-se para a sala, onde sua mãe estava.

Jéssica andava de lá para cá, e tinha em mãos aquelas revistinhas pequenas de fazer pedidos, algo um tanto ultrapassado, Esther pensou por um momento.

Continue ➜

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >
capítulo anteriorpróximo capítulo

Capítulos relacionados

Último capítulo