A aridez atmosférica se agarrava à garganta. O sol estava no ponto mais alto no céu, e se houvesse qualquer poça de água naquele cruzamento desértico no meio da estrada, certamente evaporaria.
Passei a mão na testa para tirar a gota de suor que teimava em escorrer e descolei as costas da lataria preta do jipe. Lambi os dentes, procurando expulsar a sensação de sede.
— Estão demorando — resmunguei.
— Eles estarão aqui — Liam assegurou, dando um gole no cantil. Havia um lenço em seu pescoço, a camiseta branca sem mangas ficava larga em seu corpo, acho até que era de Nero.
Nero olhou no relógio sem dizer nada, ele nem se levantou do volante, ficou o tempo todo com os olhos firmes do outro lado do cruzamento, que era em "T". Ali onde estávamos não dava para sentir o cheiro do mar e nem o frescor das montanhas, a terra tomava tanto sol que não cresciam árvores nas beiradas da estrada de terra e o vento era quase inexistente, mas levantava em redemoinhos a poeira do chão para o ar.
Não sei como Nero é capaz de sentir amor, visto que ele não sente nem calor. Ele estava ali de jaqueta preta, calças pretas, botas militares, e duvido que fossem sem meias... E não estava suando. Queria ter esse autocontrole.
— Tem certeza que os caras que você contratou são bons? — perguntei impaciente, esfregando as mãos.
— Pelo preço que estão cobrando, é bom que sejam os melhores. — Liam esticou o cantil para mim e eu peguei, bebendo a água fresca para refrescar. — Além disso, nos últimos dois anos, estão no topo do ranking.
— Você e esses rankings — resmunguei e devolvi o cantil para Liam, que o tampou, dando um sorriso.
Por estar sempre fora, Liam trabalhava com os estrangeiros e sempre que a gente precisa fazer alguma coisa sem envolver os homens do Carosello, corremos para sua rede de contatos. Eu não gosto muito de trabalhar com mercenários internacionais, prefiro fazer tudo como foi ensinado: com os homens de sangue e de honra da Giostra.
Limpei os cantos da boca, sentindo a barba um pouco longa. Ouvi o barulho dos motores e desencostei do carro. Liam subiu um pouco no carro e colocou o cantil dentro do porta-luvas. Ele e Nero trocaram um selinho antes de meu primo descer novamente, passando as mãos nos cabelos cacheados como se quisesse penteá-los.
Um Maserati azul encostou na beirada do cruzamento. Encarei o tridente no centro do carro e as portas abriram-se para cima. Armani Vanucci desceu trajando um terno preto e sapatos lustrosos. Ele fez uma careta ao deparar-se com o calor, tirou uma maleta prateada do banco da frente e bateu a porta, vindo nos cumprimentar.
— Trouxe tudo? — Liam perguntou.
— A primeira parcela, sim. — Armani soltou a maleta no capô de seu carro, mas não abriu, ainda esperávamos um grupo. — A garota é uma amiga de Jonah, então ele quer que a operação seja um sucesso.
— Por acaso isso é um código para me dizer que ele está comendo ela? — Liam perguntou, arrancando uma gargalhada de Armani.
— Jonah não está comendo ninguém desde o lance com sua prima, então, se algum de vocês tiver interesse, o caminho é livre. Só tire os malditos de Sarajevo daqui depois que terminar. — Armani deu um sorriso de desprezo. — Não gostamos dos de fora.
É assim que funciona. Você pode ser o melhor, fazer o serviço com perfeição, mas se você tem má reputação, isso gruda em você. A Giostra não esquece, não perdoa. E todo mundo que era de fora vivia com esse estigma. A xenofobia atinge todos os níveis do Carosello, inclusive já expulsei alguns imigrantes, mesmo os com dinheiro, e trabalhei para não deixar que grandes cadeias internacionais assumissem o controle do comércio em nosso território. Protegemos o que é nosso.
— Estarão fora assim que encerrarmos. — Liam estalou a língua. Ele se sentia uma pessoa de fora, por isso eu sabia que ele tinha levado aquilo como ofensa.
Não demorou muito para o último dos carros chegarem pela terceira via do cruzamento, ficando bem de frente para nós. Um tanque canadense blindado, que era um exagero para a operação, mas esses ex-militares não são muito de guardar munição e gostam de intimidar pela impressão.
Vi os cabelos loiros compridos pulando para fora da janela e, assim que a porta abriu, fui surpreendido por uma mulher de curvas largas, sorriso fácil e calça camuflada com botas.
— Buongiorno! — falou com um sotaque que parecia um gato ronronando. — Uh, belo terno, gatinho! Gostei. — Seus olhos subiram e desceram de forma indecente pelo corpo de Armani.
Meio nerd, sem jeito com garotas, Armani apenas trocou olhares com Liam e com Nero, sem responder, mas coçou a nuca, empurrando os cabelos ondulados tão cheios de gel que pareciam lisos.
— Você deve ser Karen. — Liam adiantou-se.
— E você deve ser Liam. — Muito simpática, ela estendeu a mão para trocar um aperto de mão audível enquanto seus companheiros desciam do veículo. — Foi com você que falei no telefone.
Era estranho trabalhar com uma mulher em qualquer operação. Não damos muita fé. Dentro da Giostra elas estavam começando a ocupar cargos de poder nos negócios, mas no exército, nas ruas, os homens eram mais de noventa por cento, exceto as prostitutas e informantes, essas ainda estavam no ramo.
Aquela mulher não era nada como as que estamos acostumados na Giostra, ela tem o físico acima do peso, até mesmo para uma militar, com seios fartos e barriga flácida, sua pele tem a cor do leite e, apesar de parecer bem doce, é durona para dirigir um tanque daqueles!
Um total de quatro homens desceu do tanque, rapidamente virei-me para contar os donos dos passos que ouvi e gravar seus rostos e nomes. Um era mais velho, de cabelo grisalho, certamente um militar aposentado, mas fiquei travado na segunda pessoa, que rangeu os dentes e cerrou o punho da mão direita, se amaldiçoando internamente ao me ver.
— Daniel Kovaliev — soltei o nome com desgosto, simplesmente escapou pela língua.
— Espera, vocês se conhecem? — Liam ficou confuso, transitando o seu olhar azul de mim para Daniel.
— Não — eu disse.
— Sim — Daniel exalou violentamente pelo nariz, estreitando os olhos azuis. Ele cruzou os braços por cima da camiseta cinzenta e tocou a língua no canino, não sei se queria afiar a faca e cortar o meu pescoço ou se estava segurando uma ofensa. — Não posso dizer que foi um prazer.
O que ele estava insinuando? Suas palavras me deixaram desconcertado. Passei a mão no rosto, coçando a barba, mas não tirei os olhos daquele homem de cabelos castanhos claros e lisos. Era como um fantasma na minha frente.
— Daniel é quem está no comando — Karen avisou se aproximando e passando a mão na cintura dele, que baixou a guarda, descruzando os braços. — E esse é Trevor, nosso especialista. E aqueles são os irmãos Berovic. — Ela apontou para os três homens altos, de cabelos ruivos em corte reto e calças na cor da areia do deserto.
— Certo, ótimo — Liam disse, virando-se para cumprimentá-los.
— E qual é o lance? — Trevor perguntou passando as mãos na cintura, puxando as calças camufladas.
— Estou sabendo que vamos para Nápoles — um dos irmãos disse, o de bigode e barba.
— De fato. — Armani tomou a frente, fazendo todos se aproximarem do capô do carro. Eu não sabia exatamente me posicionar, ficava me sentindo deslocado e fui mais para o canto, deixando os mercenários contratados chegarem mais perto. — Aqui está a primeira parcela, deve cobrir os gastos iniciais, o restante será enviado no final da operação. As reservas no hotel foram feitas para vinte dias, não ultrapassem o prazo, quanto antes resolvermos isso, mais felizes meus chefes ficarão. A prioridade é a segurança dos sobreviventes da família Torsello, temos motivos para acreditar que os ataques podem voltar a acontecer, Anna foi atacada em casa há dois dias. É essencial localizar os responsáveis, queremos saber os nomes e, como é de se esperar, retaliação. Desejamos sigilo absoluto.
— Vai ser moleza — Trevor assegurou.
— Estou começando a ter segundos pensamentos sobre isso. — Daniel atirou os olhos como facas em mim.
— Nem comece. — Karen deu um tapinha no ombro dele. — Prometeu-me um gelatto e um passeio em Pompeia para me convencer a vir aqui. Agora que cheguei, não vou voltar atrás.
— Pompeia? Que desejo mórbido — Trevor resmungou.
— Eu pago o gelatto e te levo nas lojinhas da Via San Gregorio. — Liam deu aquele sorriso simpático.
— Temos um acordo, capitão — ela aceitou, sorridente.
— Va bene. — Armani abriu a maleta e mostrou as notas, era bastante dinheiro! Fechou e empurrou para Trevor, que pegou com os dois braços e seguiu para seu carro-tanque. — Há um avião particular no aeroporto à espera de vocês.
— Vamos pela estrada — Daniel cortou. Todos olharam para ele, acho que a maioria daqueles homens poderia aproveitar as horas extras para descansar, comer alguma coisa realmente boa e preparar os ânimos para a investigação.
— Demora muito — eu disse.
Todos viraram para mim, estranhando minha intromissão. Mercenários costumam respeitar o líder, nenhum deles ia dizer que preferia o avião, mas Karen olhou para mim como se quisesse me incentivar a convencê-lo.
— Não se eu tiver dirigindo — Daniel retrucou.
— No tanque? — desafiei.
— Qual o problema? — irritou-se, cruzando os braços e curvando as sobrancelhas.
— Não é veloz o suficiente.
— Er... Okay — Liam comentou com Karen, que ergueu as duas sobrancelhas sem saber o que dizer. — Claramente uma disputa está em curso, não acho que tem a ver com o tempo de chegada.
— Quer saber, eu nunca viajei de avião particular antes — Karen retrucou baixinho.
— Vamos fazer uma aposta — Armani disse com um sorriso. — Meu Maserati no seu tanque.
— O tanque custa pelo menos três vezes mais — Daniel retrucou.
— Meu carro corre três vezes mais, o motor é modificado.
— Isso vai ser interessante — um dos irmãos Berovic comentou, os outros acenaram concordando com a cabeça.
— Vamos apostar? — Armani perguntou.
— Melhor não — cortei.
— Claro — Daniel aceitou. Aposto que foi apenas para discordar de mim.
— Pesa quanto? — Armani tirou as chaves do bolso e jogou no ar para Daniel, que olhou para Karen indicando com a cabeça para ela jogar as chaves do tanque. — Oito toneladas? Acha que o avião decola com ele?
— Dez. Fiz umas modificações — Daniel explicou.
— Uau. — Armani sorriu largo. — Rapazes, vêm comigo?
— Sim, senhor. — Trevor passou a maleta para Karen e os irmãos Berovic seguiram com eles.
— E você vem com a gente, Karen. — Liam puxou a garota pelo braço. — Tem gelatto no avião.
— Uau, assim você ganha minha fidelidade para sempre. — Karen deu os braços com Liam e eles caminharam para o jipe. Nero ligou o motor.
Sobrei? Fiquei parado no meio da estrada enquanto todos se dirigiam para os veículos. Daniel contornou o carro, sentando-se no volante, e Karen subiu no jipe com Liam. Armani foi conversando com Trevor sobre as modificações, animado por dirigir um carro que foi construído para aguentar tiros de artilharia pesada e até minas terrestres.
Abri a porta do Maserati e sentei no banco dos passageiros.
— Que diabos você está fazendo? — Daniel me esfaqueou com os olhos de novo.
— Se vamos trabalhar juntos, então temos que conversar — exigi. — Além disso, você precisa de um copiloto.
— Você só quer aproveitar o ar-condicionado — Daniel retrucou.
Ele ligou o carro e acelerou com a exótica alavanca atrás do volante, fazendo o motor roncar.
♜♜♜
Olhei no relógio e fazia meia hora que seguíamos pela estrada. Os outros carros se despediram de nós com um buzinaço e pegaram a entrada para o aeroporto, mas assim que viraram, Daniel passou a marcha e acelerou, desviando dos carros e dirigindo no limite da velocidade permitida.
Homens treinados no exército, homens que sujam suas mãos de sangue, bem... Velocidade é apenas uma parte da adrenalina, não é assustadora, é viciante. Não me incomodou que ele estivesse dirigindo rápido, além do mais, eu sabia que ele era bom piloto. Daniel costumava pilotar caças aeronáuticos. Um homem que é treinado para ter autocontrole suficiente e suportar a força g em períodos extremos, simplesmente não se contenta com a velocidade de um carro.
— Pensei que você tinha largado o exército. — Coloquei os dedos no rádio, apertando o botão para ligar. O aparelho acendeu-se em uma luz verde, que depois ficou vermelha e começou a tocar.
— E larguei, ou não estaria aqui — respondeu o óbvio.
A música que começou era um jazz clássico, de alguma trilha sonora preferida por Armani. Sintonizei uma estação de rádio rapidamente, mantendo o volume não muito alto para conversar. Era estranho estar ao lado de Daniel em um recinto fechado, sem muito barulho e no território italiano, não era como eu estava acostumado a ser.
— Não sabia que você aceitava esse tipo de trabalho. Que eu me lembre, sua família tem uma boa influência financeira.
Daniel me encarou tenso, o maxilar travado e o olhar endurecido, me fulminando. Lembrei que sua irmã morreu em um acidente de carro e que seus pais se separaram; ele pediu licença para ir ao enterro, mas o nosso capitão não liberou. Lembro disso porque foi a época em que éramos amigos e eu que fiz o curativo em sua mão depois que ele socou uma parede por dez minutos.
— Perdemos contato depois que você pediu transferência — emendei, procurando amenizar o momento. — Você entrou para a inteligência.
— Soa como se você realmente tivesse cavado a minha vida — alfinetou, exalei ar pela boca, ele mudou de faixa. — Se fosse o caso, saberia que não pedi transferência, foi mais como uma punição.
— Por minha causa?
— Oh, não. — Daniel deu um sorriso, mostrando os dentes pequenos e o canino pontudo, o primeiro sorriso em muito tempo, foi bom vê-lo ter um pouco de humor. Ele me olhou rapidamente para não se desconcentrar e apertou a mão no volante quando viu o meu sorriso. — Ser parceiro de um cara com uma tatuagem de um cavalo na barriga não colocou um fim na minha carreira. Mas colaborar para ele desaparecer...
— Fizeram você pedir as contas? — Imaginei o que tinha acontecido.
— Depois de algumas humilhações táticas, quiseram desligar-me.
— Você deveria ter me contatado. Eu poderia ter feito alguma coisa, falado com alguns contatos.
— Não ia adiantar nada e você sabe — ele encerrou aquele assunto. — Além disso, com a grana da herança montei a agência.
— Você roubou essa ideia dos meus pais. — Ergui as sobrancelhas, mas eu ainda estava rindo. — Eles vão cobrar essa conta.
— Eles já cobraram, na verdade — Daniel comentou dando de ombros. — Foram eles que me contataram.
— Oh, merda. Vocês conversaram?
— Dois minutos, pelo telefone. O Sr. Benedetto não precisa mais do que isso para passar um recado. Não se preocupe, Karen quem conduziu as negociações, essa parte chata fica com ela e Trevor. Não é o que eu gosto de fazer.
— Você foi da aeronáutica, especialista em blaster, trabalhou como agente em segurança pública... e seus pais eram do ramo da mineração, você estudou para assumir os negócios — enumerei uma série de trabalhos que não tinham a ver.
— Você sabe o que isso tem em comum? — perguntou.
— Não. Não realmente.
— Gosto de explodir as coisas — revelou, arrancando uma risada de mim.
Balancei a cabeça negando, embora soubesse que aquelas palavras tivessem um tom de verdade.
— Então vamos fazer mesmo isso? Trabalhar juntos por vinte dias? — perguntei.
— Se comporte, mantenha sua maldita boca fechada, pague os débitos. Prometo fazer o mesmo. A partir daí poderemos esquecer o passado e nunca mais precisaremos olhar na cara um do outro de novo — Daniel propôs, ficando sério de repente.
Ele rangeu os dentes e engoliu saliva com amargor típico da raiva. Seus dedos apertaram mais forte o volante e ele deu seta para pegar uma entrada para o posto, a fim de abastecer. Um carro como aquele gastava muita gasolina.
— Acho que não temos mais escolha — concordei.
Com os lábios finos segurando o canudo, Daniel assoprou e fez bolhas levantarem em sua soda italiana com essência de maçã verde. Deslizei as mãos no rosto sentindo o cansaço passar como um rolo compressor pelos meus ombros.— São seis horas da manhã e você já está com esse humor? — resmunguei, jogando as costas para o encosto estofado e vermelho de uma lanchonete com tema de anos 50. — Deveríamos estar na estrada.— Cale-se — Daniel me repreendeu, pegou uma batata frita da porção no meio da mesa, mergulhou na maionese temperada com ervas finas e colocou na boca. — Não poss
O vento entrava pela janela do carro enquanto cruzava a avenida da orla de Nápoles. O céu estava uma divisão visível entre o azul-escuro e alaranjado, criando uma sensação nostálgica com as belas luzes da cidade.— Coloque as mãos para dentro, é perigoso — instruí Anna, que estava sentada no banco de trás balançando a mão no vento e curtindo a sensação de liberdade.— Deixa de ser chato, é apenas o vento — reclamou.— Sou responsável até se um mosquito picar
— Ouvi que os Ferro di Cavallo como você passam uma temporada treinando para o serviço secreto. É verdade? — Sentada no banco de trás do carro, com as pernas cruzadas e um decote revelador na blusa vermelha, Anna perguntou.Era ainda o início da tarde quando ela resolveu almoçar com suas amigas de faculdade — e outras garotas da sociedade secreta —, motivo pelo qual Giancarlo estava dirigindo devagar e eu mantinha os olhos atentos pelas ruas. Por cima, pela janela, vi um drone liderando o caminho e analisando o trânsito. Você não dá nada para essas bugigangas voadoras, mas, de repente, elas funcionam superbem!— F
A terceira garrafa de cerveja estava pela metade e eu tinha escolhido uma mesa mais para o fundo, perto de antigas cabines telefônicas que agora serviam para turistas tirarem fotos ou se beijarem contra as luzes vermelhas.Tamborilei os dedos na mesa e rapidamente passei os olhos pelo pub movimentado. Os irmãos Berovic estavam na mesa de bilhar, rindo e conversando com Trevor de um jeito muito descontraído e que era um contraste com o senhor de cabelos brancos e pele sulcada pelas dificuldades que a vida apresentou. Daniel e Karen conversavam no balcão do bar. De vez em quando olhavam para mim, o isolado.Deslizei as mãos pelos cabelos loiros para prendê-los em um rabo
O ar estava preso no recinto e o cheiro de flores velhas rondava o ambiente como um lembrete de que a morte estava perto. Em cima de uma mesa, imponente e branca, a guirlanda de flores funerárias se destacava como uma ameaça vigente.— Descanse em paz. — Anna rangeu os dentes e puxou a fita branca de uma coroa de flores, reparei em seus esmaltes pretos. — E a data é de hoje. Que audácia! O que vocês fizeram além de trocar as janelas? — Levantou os olhos azuis lívidos na minha direção.— Estamos averiguando o que houve. — Arrumei a postura, cruzando os braços na frente do corpo, segurei o relógio com
A pele de Daniel tem aroma de canela, ao mesmo tempo ardente e sensual, como uma lareira na sala em pleno outono. O único motivo que me leva a dizer isso é o fato de que quando desci do prédio e contornei a Land Rover, aquela visível semiereção que eu tinha estava raspando no zíper da calça jeans, colaborando para que o tesão queimando minhas veias ficasse ainda mais intenso.Parado em pé na calçada não muito limpa, ao lado do veículo preto, Daniel me esperava com a case de violão modificada. Seus olhos tempestuosos me atingiram com sua habitual impaciência em forma de um raio elétrico capaz de alterar as batidas no meu coração. Foram apenas dez minutos de atraso, relaxa!, eu quis diz
— Perdonami, Padre, perché ho peccato. — Com as mãos em prece e um terço de madrepérola entre os dedos, não tive coragem de encarar a janela do confessionário. Ouvi o barulho da madeira deslizando. Mantive os olhos fechados. Respirei fundo o cheiro de pó das cortinas. — Tenho tido pensamentos impuros nos últimos dias.... Não, anos! Sobre um colega de trabalho. — O padre tossiu. Senti uma coceira no bigode. É constrangedor, mas eu me colocava diante dele com humildade em saber os erros e estar disposto a não cometê-los mais. — Tentei me afastar, padre, mas parece que quanto mais eu evito pensar na questão, mais ela fica cutucando a minha mente. Mesmo com vontade, eu não fiz nada... Só fiquei passando vontade mesmo. E me masturbei três vezes só hoje, duas vezes p
Meu corpo estava dolorido de um jeito bom. Com os olhos preocupados esquadrinhei o estacionamento do pub antes de saltar da Land Rover, conferindo se tudo estava em perfeita segurança. A sola da bota chocou-se contra as minúsculas pedras cinzentas do chão e acertei as calças no corpo. Tirei a jaqueta e o coldre, coloquei a pistola para dentro do porta-luvas. Fechei a porta, travei o carro e segui para a entrada.Saí do transe mecânico e relaxei um pouco. A brisa que vinha do mar era refrescante, afastando a sensação de calor que imperava sobre a cidade nos últimos dias. Guardei a chave no bolso da calça e adentrei o local, empurrando as portas duplas de madeira e vidro com as mãos.Último capítulo