Capítulo 5

A noite envolvia as ruas com seu manto de silêncio e mistério, apenas o som suave de nossos passos contra o asfalto frio quebrava a quietude. Sob o fraco brilho dos postes de luz, parei por um momento, meu coração pesado de indecisão. Desbloqueei meu celular, a luz da tela iluminando meu rosto numa tentativa de encontrar alguma resposta, algum sinal de Túlio. Ao meu lado, pude sentir o olhar de Cristine sobre mim, uma mistura de irritação e preocupação desenhando suas feições à luz difusa.

— Você vai mesmo ligar para ele agora? — Sua voz cortou o ar noturno, tingida com um tom de desaprovação que não precisava de luz para ser percebida. Ela cruzou os braços, sua postura rígida em contraste com a suavidade da noite.

— Claro, Cristine. Ele não atende desde cedo — respondi, a defensiva emergindo em minha voz como uma armadura frágil, enquanto meus dedos tremiam ligeiramente sobre a tela iluminada do telefone. A ansiedade e a frustração misturavam-se em minhas palavras, uma tempestade interna que lutava para não transbordar.

Cristine suspirou, passando as mãos pelos cabelos numa expressão de irritação contida. 

— Espere ao menos estar em casa, assim você fala com o seu sapo tranquilamente — ironizou, mas seu tom carregava uma corrente subjacente de preocupação, uma tonalidade que eu conhecia bem.

Tentei sorrir, um esforço para aliviar a tensão entre nós. 

— Não fale assim, amiga. Você implica demais com ele — disse, tentando infundir alguma leveza em minha voz, embora o desânimo tingisse minhas palavras de cinza.

Cristine parou e me encarou diretamente, a luz dos postes refletindo em seus olhos. 

— Quando ele deixar de ser um idiota e for digno de você, eu paro — respondeu ela, a firmeza em sua voz era um farol de força e convicção, mas seu sorriso, embora leve, revelava a profundidade de seu carinho por mim.

— Cristine! — Exclamei, fingindo indignação, mas a verdade era que sua presença, sua firmeza, eram o suporte que eu tanto precisava. Não pude evitar sorrir verdadeiramente ao sentir seu abraço, um refúgio seguro no meio da tempestade emocional que enfrentava.

Retomamos nossa caminhada, agora um pouco mais lentas, o abraço anterior ainda aquecendo meu coração. A noite, com sua calma enigmática, testemunhava nosso percurso, um lembrete silencioso de que, apesar de tudo, eu não estava sozinha.

Assim que os contornos familiares da casa de Cristine surgiram diante de nós, banhados pelo suave luar, um sentimento de alívio momentâneo me envolveu, como se a proximidade do lar trouxesse uma pausa nas incessantes ondas de emoção causadas por Túlio. Mas de repente, Cristine lançou-me uma pergunta que fez meu coração pular:

— O que foi aquela troca de olhares entre você e o Murilo? — Sua voz carregava uma mistura de curiosidade e acusação, uma flecha lançada sem aviso que me pegou totalmente desprevenida.

Sob a intensidade de seu olhar, senti meu rosto esquentar, e um sorriso nervoso se formou em meus lábios, uma máscara frágil tentando ocultar a confusão que me invadia. Neguei com a cabeça, mais rápido do que pretendia, uma dança desajeitada de negação. 

— Não sei do que está falando — respondi, minha voz saindo mais alta e mais aguda do que o usual, o disfarce m@l feito de alguém claramente surpresa e desconcertada.

A gargalhada de Cristine ecoou pela rua tranquila, um som cheio de diversão. Ela sabia que eu estava fugindo da questão, e sua risada era a prova de que eu não enganava ninguém, especialmente a ela.

— É claro que sabe. Murilo é lindo, um verdadeiro príncipe e, ele sim, seria o cara certo para você. Eu super apoiaria — continuou ela, sua voz carregada de entusiasmo e uma ponta de conspiração.

Minha resposta foi automática, um impulso defensivo contra a ideia que tanto me desconcertava. 

— Não brinca com isso — reagi, sentindo o rubor invadir meu rosto, uma onda de calor que contrastava com a brisa fresca da noite. Ela apenas riu, encontrando diversão em minha resposta, enquanto eu lutava para manter a compostura.

Ela se aproximou e depositou um beijo carinhoso em minha bochecha, um gesto de afeto que serviu para acalmar um pouco as turbulências emocionais. 

— Não precisa ficar vermelha — disse ela, com uma suavidade que contrastava com sua provocação anterior.

— Amanhã vou à sua casa, qualquer coisa me liga — continuou Cristine, acenando com a mão, enquanto mantinha aquele sorriso que parecia iluminar a noite ao redor.

— Tudo bem — consegui dizer, retribuindo o beijo e me despedindo com um aceno. Comecei a caminhar em direção à minha casa, cada passo um eco da pergunta que Cristine havia deixado suspensa no ar.

A sugestão de Cristine, embora dita em tom de brincadeira, lançou sementes em meus pensamentos que eu não estava pronta para explorar. A imagem de Murilo, seu olhar intenso, tudo isso voltava à tona, girando em minha mente, enquanto a noite me engolia em seu abraço frio e contemplativo.

(...)

O silêncio do meu quarto parecia aguardar, junto comigo, o momento em que finalmente criaria coragem para ligar para Túlio novamente. A respiração estava suspensa, presa em algum lugar entre a ansiedade e a esperança. Após um suspiro que pareceu carregar todo o peso do dia, disquei o número familiar, sentindo meu coração bater em um ritmo frenético conforme a tela do celular iluminava a penumbra do quarto.

A ligação conectou e a voz de Túlio atravessou a linha, trazendo consigo uma onda de emoções contraditórias.

 

 

— Oi, July — sua voz, mesmo através da frieza eletrônica, era reconfortante, mas carregada de um cansaço que eu não esperava.

— Oi, amor. Você sumiu, está tudo bem? — Minha voz saiu mais fraca do que pretendia, a ansiedade do dia tingindo cada palavra com um tom de preocupação involuntário.

— Desculpe, fiquei sem bateria. O que você precisa? — Sua resposta veio um tanto quanto distante, desencadeando uma onda de desapontamento que lutei para esconder.

— Queria ver meu namorado... ele disse que viria e não apareceu — tentei brincar, embora meu coração não estivesse realmente nisso. A esperança ainda morava nas entrelinhas do meu sorriso forçado.

— Estou tão cansado, July — sua voz soou pesada, como se carregasse mais do que o cansaço físico.

— Não pode vir nem por dez minutos? — Minha voz assumiu um tom manhoso, agarrando-se à possibilidade de vê-lo, mesmo que por breves momentos.

— Tudo bem, vou passar para te ver, mas tenho que ir à quadra, combinei com os meninos — a rapidez de sua resposta deixou um rastro de alívio, mas também um vislumbre de desapontamento por sua pressa.

— Pois é, eles me disseram — confessei, minha voz revelando uma ponta de decepção que eu não consegui esconder.

— Eles? Quem te contou? — Sua irritação foi quase palpável, uma mudança brusca no tom da conversa.

— O Marcelo e o Murilo estavam na lanchonete — expliquei, tentando manter a calma apesar da mudança de clima.

— O que foi fazer na lanchonete? Com quem você estava? — A acusação em sua voz era clara, e um calafrio percorreu minha espinha.

— Fui com a Cristine comer um lanche, te enviei uma mensagem para avisar — disse, a frustração começando a construir uma barreira em meu peito.

— Não vi ainda as mensagens. Já te avisei sobre esses passeios com essa 'amiguinha' — O descontentamento de Túlio era evidente, cada palavra um golpe no meu já abalado estado emocional.

— Túlio, não foi um passeio, só fomos comer — rebati, a angústia e a irritação crescendo a cada segundo.

— Eu não quero você com essa garota. Sabe muito bem que ela não gosta de mim. Você está de palhaçada comigo, July? Como continua amiga de uma pessoa que não gosta do seu namorado? 

— Ela é minha amiga! Já conversamos sobre isso. Eu já deixei de fazer várias coisas que gostava por você, mas deixar de falar com a Cristine, eu não vou — minha voz, embora trêmula, carregava uma firmeza nova, um sinal de limites que não estava disposta a cruzar.

— Não é para você sair de casa, já vou aí — ele ordenou, sua autoridade deixando um sabor amargo em minha boca.

— Eu não vou sair, eu te amo — confessei, as palavras saindo automáticas, uma resposta condicionada ao caos emocional que se desenrolava.

— Eu também. Até, princesa — foram suas últimas palavras antes de encerrar a ligação. O telefone escorregou por entre meus dedos e eu fiquei ali, sentada no escuro do meu quarto, tentando decifrar a tempestade que acabara de passar, questionando o amor que supostamente deveria me fazer sentir segura e feliz.

 

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