Capítulo 2 A Máscara de uma Perfeita Luna
Ponto de Vista de Scarlett

Às 21h30, a porta da toca finalmente se abriu. Lucian entrou, exalando o perfume de rosas de Lily, a gola da camisa manchada com o inconfundível batom vermelho dela.

— Me desculpe pelo jantar. — Sua voz carregava culpa, mas o cheiro dela ainda impregnava sua pele. — Os assuntos da Matilha...

— Demoraram mais do que o esperado? — Meu sorriso parecia feito de vidro quebrado. — Tudo bem. Sente-se. Coma. A comida está fria, mas, pensando bem, parece que tudo anda assim ultimamente.

Ele se sentou hesitante, a culpa transbordando enquanto mexia na comida fria. Eu o observei, gravando cada traço do homem que amei por dezoito anos.

— O cervo... — Ele tentou, sem convicção. — Está perfeito. Como sempre.

Empurrei meu prato para longe, incapaz de engolir mais uma migalha das nossas mentiras.

— Você parece cansado, meu Alfa. Deveria descansar.

O alívio transpareceu em seu rosto diante da chance de fuga.

— Tem certeza? Ainda podemos...

— Outra hora. — Minha voz era suave, definitiva. — Vá dormir.

Ele hesitou por um instante antes de assentir. Ao se levantar, contornou a mesa e depositou um beijo na minha testa.

— Eu vou compensar isso, prometo. Vamos comemorar direito neste fim de semana.

Me forcei a sorrir, sabendo que talvez não restassem muitos fins de semana para nós.

— Claro. Boa noite, meu amor.

Esperei até que ele desaparecesse escada acima antes de deixar meu sorriso cair. Agora, havia algo muito mais importante a fazer.

No silêncio do escritório de Lucian, sentei-me à sua imponente escrivaninha de carvalho, puxando uma folha de papel de carta em tom creme. A luz do abajur lançava um brilho suave sobre o papel enquanto eu pegava a caneta.

"Meu amado Lucian,"

"No nosso aniversário de casamento, descobri que meu coração está falhando. A maldição que tomei para te salvar finalmente venceu. O Dr. Kane diz que tenho, no máximo, três meses."

Minha mão tremeu levemente ao começar a escrever a primeira carta. Uma lágrima deslizou pela minha bochecha, borrando a tinta.

O sol da manhã ainda não havia nascido quando comecei a passar o terno de Lucian. Minhas mãos deslizavam com cuidado sobre o tecido, alisando cada vinco com precisão. As veias escuras sob minha pele pulsavam a cada movimento, mas ignorei a dor.

— Scarlett? — A voz de Lucian me assustou. Ele estava parado na porta, os cabelos bagunçados pelo sono. — Por que está acordada tão cedo?

— Sua reunião com o conselho é às nove. — Foquei na manga do terno, pressionando-a até deixá-la perfeitamente lisa. — Quis garantir que tudo estivesse pronto.

Ele se aproximou, envolvendo minha cintura com os braços por trás. Seu toque ainda fazia meu coração acelerar, mesmo enquanto ele morria.

— Mary pode fazer isso agora. Você não precisa...

— Eu quero. — Girei em seus braços, encontrando seu olhar. — Eu sempre passei suas roupas à mão, assim como sempre te segurei. Lembra quando você só tinha um terno para todas as reuniões da Matilha? Eu o passava todas as noites para que você parecesse impecável no dia seguinte.

A expressão dele suavizou com a lembrança.

— Quando mal tínhamos alguma coisa.

— Mas tínhamos um ao outro. — Passei as mãos suavemente sobre seu peito, do mesmo jeito que fizera com o tecido. — E isso era o suficiente.

Ele me puxou para mais perto, roçando o pescoço contra o meu.

— Você sempre cuidou tão bem de mim.

— E sempre cuidarei. — "Pelo menos, pelos próximos três meses."

Ele beijou meus lábios, suas mãos acariciando minha cintura, minhas costas, meus quadris. Em tantas manhãs anteriores, havíamos nos abraçado docemente assim, até que ele quase se atrasasse. Mas hoje, depois de descobrir sobre seu caso com Lili, eu não entendia por que ele ainda estava tão íntimo comigo. Meu coração de repente apertou. Eu o afastei suavemente.

— Ok, se continuar com esses beijos, vai se atrasar.

— Minha perfeita Luna. — Ele me soltou e beijou minha testa. — Mas, sério, deixe a Mary cuidar disso. Eu não sou mais aquele lobo sofrido. Agora sou o Alfa.

Algo em sua voz fez meu peito apertar, mas sorri.

— Pelo menos, deixe-me preparar seu almoço. Estou tentando uma nova receita de molho de frutas da lua.

Seus olhos brilharam.

— Você me mimando.

Na cozinha, preparei cuidadosamente seus sanduíches de carne de veado malpassada, seus favoritos. Cada ingrediente escolhido com atenção, cada detalhe perfeito. Assim como a máscara que agora usava ao seu redor.

— Isso está com um cheiro incrível. — Lucian apareceu em seu terno recém-passado, parecendo o verdadeiro Alfa poderoso. — Os outros lobos vão ficar com inveja.

De repente, lembrei-me do passado, quando eu tinha 14 anos e Lucian tinha 17. Eu era quem preparava os sanduíches de veado mais deliciosos de toda a matilha. Sempre que eles precisavam sair para treinos longos, eu os preparava para ele levar, e os outros guerreiros morriam de inveja.

— “O Lucian é tão sortudo, é o único que pode comer os sanduíches da Scarlett.”

Naquela época, eu era filha de um Beta, a jovem mais brilhante da Matilha Tempestade, uma garota adorada por todos. Ninguém imaginaria que eu não tivesse minha própria loba.

— O que está pensando, Scarlett? — Perguntou Lucian, curioso, e de repente sai do meu devaneio.

— Nada, querido. — Escondi minhas emoções.

— Tenha um bom dia, meu Alfa. — Entreguei-lhe o pacote de almoço, ficando na ponta dos pés para beijar sua bochecha.

Ele me envolveu em outro abraço.

— O que eu fiz para merecer você?

— Nada. E tudo.

— Vai. Vai se atrasar. — Eu o segurei pelas costas e o conduzi até a porta.

Depois de caminhar por um tempo, encontrei uma pilha de documentos do conselho na mesa dele. Olhando para o relógio, percebi que esses documentos precisavam de sua assinatura antes do meio-dia.

— Mary! — Chamei em voz alta para nossa serva Ômega.

— Sim, Luna, há algo em que eu possa ajudar? — Mary correu até mim rapidamente.

— O Lucian deixou alguns documentos, você pode levá-los até o escritório dele para mim? — Passei os papéis para ela. Quando Mary estava prestes a se virar, mudei de ideia.

— Espera, me dá eles, em vez disso, eu mesma os levarei até ele. — Minha intuição me fez mudar de ideia, senti que algo me chamava para ir até o Salão da Matilha.

O ar da manhã estava fresco enquanto eu caminhava pelo território. Os lobos acenaram respeitosamente quando passei, mas consegui ouvir seus sussurros.

— Uma Luna Ômega sem loba...

— O Alfa merece algo melhor...

— Ouvi dizer que a Lily, da Matilha Sombria, chegou...

Fingi não ter ouvido nada e continuei andando. O salão da matilha estava agitado. A porta do escritório de Lucian estava parcialmente aberta, e vozes flutuavam de dentro.

— Esses sanduíches estão incríveis. — A voz de Lily me fez congelar. — Mas a Scarlett os fez para você...

— É só o almoço. — A maneira casual com que Lucian descartou aquilo foi como uma lâmina prateada em meu coração. — Se você gostar, eu peço para ela fazer todos os dias para você.

— Você é bom demais para mim, Lucian. — O som dela pronunciando o nome dele de forma tão íntima fez meu corpo se retesar de dor.

— O Alfa tem um gosto excelente! — A voz alta do Beta Jack se juntou. — Lily vem da mais nobre linhagem da Matilha Sombria. Agora sim, uma verdadeira companheira para o nosso líder.

— Ao contrário da nossa Luna atual. — Liam, o Gamma, acrescentou com uma risadinha. — Que tipo de Luna não tem loba? É vergonhoso.

— Lembram quando ela tentou participar da caçada da matilha? — Jack riu. — Não conseguiu nem acompanhar. Teve que ser carregada pelo Alfa.

— Pelo menos ela é boa nas tarefas domésticas. — Disse Liam. — Como uma serva Ômega bem treinada.

Lily ouviu as palavras deles e sorriu com arrogância, mas disse:

— Não deveria dizer isso, Lucian vai ficar chateado.

Esperei que Lucian me defendesse. Que lembrasse a todos como eu salvei sua vida, ajudei-o a se tornar o Alfa, estive ao seu lado quando todos os outros o abandonaram.

Mas ele permaneceu em silêncio.

Os documentos escorregaram de minhas mãos trêmulas, mas consegui pegá-los antes que caíssem no chão. Lágrimas silenciosas deslizaram pelo meu rosto enquanto os ouvia continuarem.

— Você é bondosa demais, Lucian. — A voz de Lily transbordava falsa modéstia. — Mas, sinceramente, o que a Scarlett contribui para a matilha? Ela não sabe caçar, não sabe lutar, não consegue nem se transformar.

— Ela é boa em fazer o almoço. — Jack brincou, e todos riram. Inclusive Lucian.

Apertei os documentos contra o peito. A magia negra da maldição pulsava nas minhas veias, acompanhando o ritmo do meu coração quebrado.

Meu celular vibrou com a mensagem de Lucian:

"Sinto muito, pequena Lottie, mas vou me atrasar esta noite. Tenho algumas coisas importantes para resolver na Matilha. Eu te amo."

Digitei um "ok" de volta.

— Você contou a ela que não vai voltar para casa hoje? — Perguntou Lily.

— Claro, baby, prometi passar o dia com você.

A maneira adorável como Lucian a chamava arrancou meu coração do peito.

Então era isso que ele queria dizer com "importante". Meu coração sentiu como se tivesse sido esfaqueada de novo, meu peito se apertou, e cada respiração se tornou uma tortura.

A risada petulante de Lily ecoou nos meus ouvidos junto com sua respiração. Houve um tempo em que Lucian me dizia que eu era a coisa mais importante para ele. Agora, ele tinha algo ainda mais importante.

Era como se meu coração estivesse sendo espremido entre minhas próprias mãos. O sangue subiu de repente à minha cabeça, e a sensação sufocante fez minha visão escurecer. Antes de desabar, a última coisa que vi foram os sapatos de couro brilhantes de Lucian, aqueles que eu mesma havia lustrado.
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