— Lúcia está preocupada comigo? — Perguntou Basílio, com os olhos fixos na estrada e as mãos firmes no volante. A pergunta saiu de forma casual, quase despretensiosa.Lúcia não pensou muito. Para ela, era normal que amigos se preocupassem uns com os outros e respondeu:— Estou.Os olhos de Basílio ganharam um brilho diferente. Um sorriso suave curvou os lábios dele:— Obrigado pela preocupação, Lúcia.Por anos, ele havia ficado à sombra dela, protegendo-a em silêncio. Ouvir aquelas palavras da pessoa que ele mais admirava era como um bálsamo que ele nunca pensou que pudesse experimentar. Ser cuidado por alguém que amava... era uma sensação indescritível.Será que algum dia ele teria a chance de transformá-la em algo mais? Será que, com o tempo, conseguiria vencer a barreira que os separava?Mas Sílvio estava de volta. E Basílio sabia que, como um coadjuvante, seu papel era deixar o palco novamente.— Sr. Basílio, quem deveria dizer “obrigada” sou eu. Tudo o que você fez por mim... Eu n
As batidas na porta ficaram mais fortes, agora acompanhadas de murmuros irritados vindos do corredor.— Lúcia, abre logo essa porta e deixa ele entrar! — Reclamou uma vizinha. — Amanhã todo mundo trabalha, e com essa barulheira ninguém consegue dormir! Se isso continuar, vou chamar o síndico, hein!O celular de Lúcia vibrou novamente. Outra mensagem chegou.[Se você não abrir a porta em um minuto, vou retirar o novo investimento do Grupo Araújo.]Aquele tom, aquele conteúdo... Lúcia não precisava pensar muito para entender quem era. Mesmo que quisesse se enganar, era impossível. Somente uma pessoa poderia ameaçá-la daquele jeito.Ela soltou um suspiro pesado. Não era um maníaco nem algum criminoso, apenas Sílvio. Mas o alívio de saber que não estava diante de um perigo maior logo deu lugar à irritação. Ele nunca mudava. Sempre recorrendo às mesmas ameaças, sempre tentando controlá-la.Mas, para proteger o Grupo Araújo e evitar mais problemas para Basílio, ela engoliu a raiva e, relutan
Casa? Ela ainda tinha uma casa?Depois do acidente que lhe roubara todas as memórias, restara apenas Sílvio. E foi ele quem a levou a perder tudo, de forma completa e irreversível. Sempre que o via, era impossível não lembrar das escolhas tolas que havia feito por ele.Sílvio notou o silêncio dela e, com os olhos avermelhados, continuou, como se precisasse despejar tudo de uma vez:— Lúcia, na verdade, foi no dia em que você apareceu no Grupo Baptista para me entregar aquele relógio, falando sobre o nosso passado, sobre os detalhes que só nós dois conhecíamos... Foi ali que eu te reconheci.Lúcia franziu a testa, encarando-o com um olhar vazio. Por um momento, ficou paralisada, sem saber como reagir, até ouvir ele começar a relatar tudo, em detalhes. A voz dele, carregada de emoção, tentava justificar suas ações. Ele falava sobre seus "motivos", sobre como recusara trazê-la de volta por medo de que ela fosse alvo de conspirações.Explicou que o noivado com Giovana era uma farsa, algo a
— Lúcia... — A voz de Sílvio tremia levemente. — Eu sei que errei.Lúcia soltou uma risada amarga, enquanto seus olhos começavam a ficar vermelhos. — Já é tarde demais. Se está doente, cuide-se. Pare de perder tempo comigo.Ela o empurrou novamente, abrindo a porta com firmeza:— Vai embora.— Está com o Basílio agora? Se apaixonou por ele?Ao ouvir a pergunta de Sílvio, Lúcia sentiu uma mistura de tristeza e vontade de rir. Depois de tanto tempo juntos, ainda não havia confiança. Ela o olhou, e ele continuava o mesmo de sempre, como em suas lembranças. Mas ele jamais entenderia o quanto ela o amou.No passado, ela tinha enfrentado a oposição da família para ficar com ele, um rapaz pobre. Por que ele agora achava que ela não seria capaz de apoiá-lo, de estar ao lado dele mesmo em tempos difíceis?Sílvio sempre foi assim: cheio de presunção, sem nunca considerar os sentimentos dela.Lúcia não entendia. Se tudo era uma mentira, por que ele não podia simplesmente explicar? Ele nunca se im
Mal as palavras foram ditas, a porta do quarto se abriu de repente com um estrondo. Lúcia, assustada, acendeu a luz num movimento apressado. A escuridão do cômodo foi instantaneamente substituída por uma claridade intensa.Leopoldo entrou ensopado, sem guarda-chuva. A água escorria pelo cabelo e pelas roupas, e em seus ombros descansava o corpo desmaiado de Sílvio. Ele fez um gesto rápido de cumprimento para Lúcia antes de passar direto e colocar Sílvio no sofá. Em seguida, foi até a janela, celular em mãos, e começou a ligar para o médico.Lúcia se aproximou de Sílvio. Seu rosto estava mortalmente pálido, com manchas de sangue espalhadas, diluídas pela chuva. Gotas avermelhadas pingavam da ponta de seus dedos frios no chão. O terno, encharcado, colava-se ao corpo magro e alto. Do nariz, ainda escorria sangue.Era a primeira vez que Lúcia o via naquele estado. Ela ficou paralisada por alguns segundos, sem saber o que fazer. Logo depois, pegou alguns lenços de papel e começou a tentar e
— Senhora, a verdade é que a senhora também ama o Sr. Sílvio. Depois daquela cirurgia, ele ficou dias na UTI. Quando soube disso, a senhora foi capaz de rezar na neve para ele acordar, até mesmo derramando seu próprio sangue enquanto copiava escrituras.Leopoldo fez uma pausa, olhando para o rosto de Lúcia, que permanecia em silêncio. Então, continuou:— Se vocês se amam tanto assim, por que gastar o tempo precioso que têm brigando? O Sr. Sílvio está com leucemia avançada. Ele não tem muito tempo.O ar ficou pesado, mas Leopoldo não recuou. Sabia que precisava ser direto:— Senhora, por favor, compreenda o que ele está tentando fazer. Pare de criar barreiras entre vocês. Sabe por que ele foi até Viana para marcar aquele noivado com Giovana?Lúcia mordeu os lábios, demorou um instante antes de perguntar:— Por quê?— Porque ele não queria resolver isso na Cidade A, com medo de que isso a prejudicasse. Durante as crises que teve lá em Viana, ele passava as noites olhando para a lua e pen
Sílvio era pesado, e Lúcia precisou fazer um esforço enorme para ajudá-lo a chegar até a cama.A jaqueta que ele usava estava completamente encharcada. Seus olhos permaneciam fechados, o rosto tenso, e ele tossia de forma tão violenta que parecia que os pulmões iam sair pela boca.Ela estendeu a mão para tocar o tecido molhado do terno preto que ele vestia. Estava frio e úmido, e sua primeira reação foi tirar logo aquela roupa para evitar que ele piorasse.Mas, ao pensar em tudo o que ele tinha feito para irritá-la, hesitou.Depois de um breve dilema, bufou e, contrariada, começou a tirar a jaqueta molhada. Em seguida, removeu a camisa preta, a calça social e os sapatos.Ela não tinha roupas masculinas em casa. Há poucos dias, comprara pijamas em uma promoção que vinha com um brinde: uma camisola larga de algodão. Foi essa a solução que encontrou.Ela pegou a camisola e começou ajudando o vesti-lo. Mas, de repente, o braço dele caiu bruscamente sobre seu ombro. Antes que pudesse reagir
Aquele vestido era ridículo. Mas, como tinha sido Lúcia quem o vestira, Sílvio decidiu suportar. Qualquer desconforto valia a pena. Ele sabia o que era usar roupas de má qualidade. Quando criança, a pobreza o obrigava a vestir peças usadas que vinham dos parentes. Foi por isso que, quando ficou rico, passou a ser exigente com tudo, especialmente com roupas.A dor de cabeça persistia, mas ele a ignorou.Olhou ao redor e percebeu que não havia chinelos masculinos no quarto. Isso o deixou satisfeito. Era um sinal de que Basílio não havia passado a noite ali. Felizmente, os chinelos que Lúcia comprara tinham um estilo masculino e eram maiores, ajustando-se perfeitamente aos pés dele.Sílvio caminhou até o sofá e parou diante de Lúcia. Ela estava encolhida, abraçando os próprios braços, como um pequeno gato arisco, pronta para se proteger a qualquer momento.Sem hesitar, ele se abaixou e a pegou no colo.Ela estava tão leve, tão frágil, e, enquanto dormia, era como se toda a resistência del