No quarto, Marina havia retirado todas as tesouras, facas, garfos e objetos pontiagudos. Lúcia parecia uma boneca de pano, cumprindo mecanicamente sua rotina diária de comer, tomar remédios, receber soro e ser examinada pelas enfermeiras. Seus olhos estavam sem vida.Durante três dias, ela refletiu, sem conseguir entender como havia se apaixonado por Sílvio. Seu celular ainda não tinha sido devolvido. Observando pela janela, ela via mais de vinte seguranças bloqueando todas as saídas da Mansão do Baptista. Câmeras estavam espalhadas por todos os cantos da casa, inclusive em seu quarto. Sílvio era um verdadeiro maníaco, monitorando cada movimento dela sem nenhuma privacidade.Ela não chorava nem fazia escândalos, sabendo que seria inútil. A situação já estava selada. Nos primeiros dois dias e meio, a comida parecia deliciosa, com aparência e aroma irresistíveis. Mas seu estômago doía, e ela não conseguia comer.Marina, preocupada, tentou convencê-la: - Sra. Lúcia, é melhor a senh
- Já notifiquei os familiares do paciente. Eles estão a caminho.- Que venham logo buscar o corpo, para não obstruir o caminho.Dois profissionais de saúde uniformizados e mascarados conversavam em voz baixa, como se a morte de alguém no hospital fosse a coisa mais normal do mundo.Lúcia virou o rosto, seu olhar fixo na maca coberta por um lençol branco. O tamanho do corpo era semelhante ao de Abelardo. Abelardo tinha ficado no quarto 1502, ela mesma havia feito a internação, não havia como se enganar.Sílvio não mentiu para ela! Seu pai estava realmente morto, realmente morto.Lágrimas grossas caíram, molhando o lençol da maca.Os dois profissionais de saúde notaram a reação de Lúcia e olharam para ela com sobrancelhas franzidas: - Você é parente do paciente?Lúcia assentiu.- Então leve o paciente embora o mais rápido possível e não se esqueça de pagar as contas médicas. Ele deixou uma dívida considerável. - Um dos profissionais disse, antes de se dirigir a outro quarto com seu co
Sílvio vestia um terno preto, luvas de couro preto, um cachecol preto e óculos de armação preta sobre o nariz alto e bem definido. Ele estava impassível, observando Lúcia a distância.Sílvio sempre preferiu o preto. Desde que ela o conheceu, ele nunca usou roupas de cores vivas. Mesmo com um estilo simples e tradicional, nele, as roupas ganhavam uma aura de sofisticação e imponência.Quando Lúcia o conheceu, ele sempre olhava para baixo, com um olhar tímido. Não havia sinal da autoridade que ele exibia agora. De fato, as pessoas mudavam. E ela também não era mais a mesma...Sandra ainda usava o mesmo vestido vinho e o colete de pele de raposa. Em uma noite, seus cabelos haviam embranquecido bastante. Ela andou rapidamente até Lúcia, que estava sentada no chão, e a ajudou a se levantar, com o olhar preocupado fixo no rosto pálido e sem cor de Lúcia: - Filha, ouvi do Sílvio que você não estava se sentindo bem. Por que não ficou em casa descansando? Eu estou aqui para cuidar do seu pai,
Lúcia não queria preocupar a mãe, então apertou os lábios: - Sílvio me contou, mas eu ando tão estressada que esqueci. Mãe, o motorista responsável pelo acidente foi encontrado?- Eu já pedi para o Sílvio investigar, mas ainda não há notícias. Lúcia, as coisas chegaram a esse ponto, precisamos aprender a seguir em frente. Ficar presa aos erros do passado só vai te fazer mal. - Disse Sandra, segurando a mão de Lúcia e a examinando com olhar preocupado.Depois de alguns dias sem ver a filha, Sandra percebeu o quanto Lúcia havia emagrecido, e isso a machucava profundamente, como se uma faca estivesse retalhando seu coração.Lúcia entendeu a mensagem implícita de sua mãe. Ela queria que a filha tentasse se reconciliar com Sílvio.- Vocês já estão em guerra fria há um ano. Seu pai sofreu o acidente, e mesmo que Sílvio tenha ajudado a contragosto, ele ajudou. Sem ele, seu pai não teria sobrevivido. Agora, a família Baptista está nas mãos dele, e nós dependemos dele para nos mantermos de pé
Sílvio, no entanto, cruzou as pernas lentamente e olhou para Leopoldo que estava atrás dele: - Foi você que a mandou se vestir assim?O olhar mortal de Sílvio fez Leopoldo mudar de expressão, e ele imediatamente balançou a cabeça: - Não, não.Ele jamais ousaria tomar tal decisão por conta própria. A mulher, sem entender a frieza e a natureza de Sílvio, se aproximou ainda mais, inundando o ar ao redor dele com o perfume da Chanel.Sílvio franziu ligeiramente a testa.Ela revelou suas longas e esbeltas pernas, sorrindo sedutoramente: - Sr. Sílvio, não seja tão severo, veja só como assustou o Leopoldo. Eu me vesti assim para te arrancar um sorriso. Você não gostou?Sílvio, com um leve sorriso, tirou as luvas de couro e pegou a xícara de café das mãos dela, mantendo uma expressão cortês: - Ouvi dizer que você aceitou dinheiro da minha esposa e, mesmo assim, a pressionou para pagar as despesas médicas?A mulher ficou surpresa, não esperava que Sílvio mencionasse Lúcia de repente. Se n
- Cale a boca! Quando eu estava interessado em você, você fez de santa e não quis nada. Agora que irritou o Sr. Sílvio, quer vir se oferecer para mim? Eu não quero mais! A culpa é sua, sua tola. Você teve a coragem de incomodar a Sra. Lúcia, como espera que o Sr. Sílvio aceite isso? - Exclamou diretor.- Diretor, por favor, me ajude... - A mulher segurou a barra da calça do diretor, implorando.O diretor a chutou para longe e chamou a segurança para expulsá-la do hospital, junto com todas as suas coisas.A mulher, chorando de dor e raiva, cerrou os punhos e gritou: - Lúcia, Lúcia, é por sua causa que estou nessa situação! Sua desgraçada, você vai pagar por isso!Lúcia saiu apressada do elevador do hospital e espirrou. Tentou ligar para Sílvio, mas ele já havia bloqueado seu número.Tentou com vários números novos, mas sem sucesso. Ele a odiava tanto que chegara a esse ponto.Ao sair correndo do hospital, ouviu repetidas vezes a mensagem fria do celular: - O número que você ligou está
As palavras mal saíram da boca dela, Sílvio virou a cabeça e a olhou friamente, com um sorriso de escárnio: - Está querendo que eu diga que fui eu que te salvei? Lúcia, você deveria ir para casa e se olhar no espelho, ver essa sua aparência patética. O que te faz pensar que eu te salvaria? Eu mal posso esperar que você morra logo.- Mas você mandou dinheiro para minha mãe... - Lúcia ficou surpresa.- Porque eu percebi que, se aquele velho morresse rápido demais, o jogo perderia a graça. Mantê-lo vivo e te torturar lentamente não é muito mais divertido? - Os olhos de Sílvio brilhavam com desprezo, ele fez uma pausa. - Quanto a quem te salvou, pergunte a Deus. Ele deve saber melhor do que ninguém.- Sílvio! Então você salvou meu pai só para me torturar mais?Lúcia o encarou, tremendo de raiva. Esse homem era um monstro.Sílvio riu, de forma fria e elegante: - O que você esperava? Que fosse por amor a você? Quanta ingenuidade.É claro, Lúcia, quanta ingenuidade. Ele te odeia, como poder
Mas Lúcia não conseguia se lembrar de onde havia ouvido aquele endereço antes. Afinal, era o endereço da cidade natal de seu marido, Sílvio. No início do relacionamento, ela havia mencionado várias vezes que gostaria de visitar a cidade dele, mas sempre foi friamente rejeitada. Ele dizia que sua cidade natal era apenas uma pequena vila pobre nas montanhas, e que ela, como uma princesa rica, não se adaptaria lá. Além disso, ele era órfão e não tinha mais parentes vivos lá, então não havia motivo para ela ir. Lúcia pensava que a cidade natal dele era uma ferida difícil de tocar em seu coração, então ela sabiamente não tocava mais no assunto.Agora, com seu pai sendo acusado injustamente por seu marido, era muito necessário que ela fosse até ao Bairro das Árvores.O último voo do dia de Cidade A para Hasnan ainda estava disponível no site da companhia aérea. Lúcia comprou o bilhete online, encheu uma mochila com suprimentos, como copos cheios de água, pasta de dente, escova de dentes