Ye-JunAo mesmo tempo em que Young-Chul recebia uma mensagem de despedida de Min-Ji, o motorista dela entrou com um envelope e explicou que a deixou no aeroporto sem saber seu destino. Tentamos ligar na hora, mas sem sucesso. O rapaz ligou para as amigas dela no Brasil mais de dez vezes até elas atenderem.— Olá, quem fala? Já recebi mais de dez ligações desse número no meu celular. — disse Ângela, a mais fluente em inglês.Young-Chul colocou no viva-voz para que todos pudessem ouvir.— Olá, tudo bem? Sou Young-Chul, namorado da Min-Ji. Gostaria de saber se ela está no Brasil. Ela saiu de Seul hoje, mas não disse para onde ia. Não temos ideia de onde está agora.— Vou matar essa garota! — disse Ângela, logo pedindo desculpas. — Onde ela está com a cabeça? Júlia deveria estar aí, tentando se lembrar... Ela nos disse que perdeu a memória. Young-Chul, estou triste porque ela não está aqui e já deveria ter chegado, caso tivesse vindo para cá.— Se ela aparecer ou souber do paradeiro, nos
Min-JiApós várias cervejas — não me recordo de quantas — misturadas com Soju, comprado em uma importadora, acordei com uma ressaca infernal. Minha cabeça pesava toneladas. Ao meu redor, percebi que estava no meu quarto. Vi a pequena mala vermelha, com um casaco de inverno em cima, o passaporte e a bolsa, tudo arrumado.O cheiro de café me guiou até a cozinha. As meninas estavam sentadas à mesa, assistindo ao noticiário, e pelo barulho do chinelo batendo na madeira, estavam bravas, elas olharam para a pessoa ressacada que vos fala.— Bom dia. Nem perguntarei como me trouxeram para casa. Pela dor na cabeça, acho que vim dormindo.— É, você nos deve muito, principalmente pela dor nos braços ao carregá-la. Percebeu a mala que estava no quarto?— Sim, e não entendi.— Você vai embora. Às seis da tarde, um avião particular contratado pelo tio vai te levar de volta para o lugar de onde nunca deveria ter fugido. Não se escapa dos problemas ou se afoga na bebida para esquecê-los, e nem venha
Quando cheguei, estava sem jeito, mas agi o mais naturalmente possível. Sentei-me ao lado de Seo-Yun. Eles, seguindo as orientações dos médicos, organizaram tudo para que acontecesse da mesma forma que há dez meses. No entanto, ninguém previu o que estava por vir ao longo do dia. O Chef chegou com uma caipirinha e um prato de bolinho de feijão.— Isso é o que estou pensando? O cheiro está ótimo. Só vou dispensar a caipirinha, já disse que não estou bebendo — falei em português e traduzi para o coreano. Perguntei se queriam experimentar, mas não consegui olhar diretamente para Young-Chul, o que me machucava, mas ele parecia não se importar e continuamos conversando.— Está sem álcool, apenas para relembrar os velhos tempos.— Ah, obrigada!O almoço estava delicioso e o café brasileiro com sobremesa para finalizar completou o dia. Enquanto o meu suposto namorado ficava indignado com o café forte que eu tomava, eu me deliciava com o bom e velho cafezinho brasileiro.— Como conseguem bebe
O grito de socorro e o som do coração daquele homem fizeram-me recordar tudo sobre medicina. A felicidade ao escutar a vida pulsando trouxe-me de volta à realidade da profissão que eu realizava e amava. Passei a mão pela cicatriz em minha cabeça.— Lembrei da medicina, acho que de todas as pessoas ainda não. Ainda não sei.— Sim, você lembra, é porque a senhora está no piloto automático. Não percebe o que está ao seu redor.O diretor do hospital entrou na sala sorrindo. Agora eu compreendia a felicidade de todos, pelo menos ali.— Boa tarde, doutora Kang, Min-Ji.Abri um sorriso feliz. Com a visão menos turva, cumprimentei-o sabendo quem era.— Boa tarde, doutor.— Fico feliz em vê-la de volta, mas os familiares estão ansiosos por uma atualização. Estão aflitos.— Estou indo. Podem entubar. Fechem o corte, por favor. Pontos precisos. Relembrei-me de uma agulha de crochê — disse, rindo.— Sim, senhora.O diretor caminhou ao meu lado. Na sala de espera, as surpresas não pararam por aí.
— Sabemos disso, e seu lindo titio já se adiantou. Ele disse que quando quisermos é só avisar, que as passagens estarão em nossas mãos. O hospital está com poucos profissionais no momento. O diretor pediu para esperarmos pelo menos até o final do verão. Você sabe, Júlia, aumentam os acidentes, doenças gripais, viroses e desidratação. Parece que as pessoas não sabem que vivem em um Rio quarenta graus.— Mas mesmo assim, agilizem.— Ah, agora aí está muito frio também — acrescentou Ângela.— Mas vocês teriam muita chance de ver a neve. A previsão é boa.— Hum, vamos ver. Nunca te decepcionamos, mas temos um código médico a cumprir. Iremos no momento certo.O som de uma mensagem chegou no celular.— Hum, mensagem do gato cantor?— O que diz? Fala logo! — pediu Lorena.“Boa noite, tenha sonhos lindos, envoltos no amor que sinto por você.”— Misericórdia. Esse homem é muito romântico mesmo. — disse Ângela. — Será que isso já faz parte da rotina dele? Você nos contou que perguntou como era
Seo-Yun chegou com um sorriso caloroso e eu a abracei com força. No fundo, uma imensa vergonha tomava conta de mim por não reconhecer aquela pessoa tão bela, tanto interior quanto exteriormente. O médico explicou a situação e começou a fazer perguntas, direcionadas tanto a mim quanto à minha tia.— Seo-Yun, sua sobrinha mencionou algum episódio antes do acidente?— Ao falar, não estarei influenciando as lembranças dela?— Não, o problema agora é que a memória da profissão foi desbloqueada de forma rápida e aleatória. No entanto, você e as pessoas que ela ama também fazem parte do ambiente de trabalho, desempenhando funções na administração do hospital. O casal se conheceu aqui, nesta mesma sala, e você estava presente no primeiro almoço deles. Preciso compreender o que pode estar bloqueando essas lembranças.— Min-Ji me confidenciou duas coisas. Era uma segunda-feira, na semana do acidente. Como o hospital estava tranquilo, ela me convidou para almoçar aqui mesmo, no restaurante. Quan
O gato cantor nunca tomava a iniciativa. Eu já havia pedido um beijo a ele várias vezes, na esperança de reavivar minha memória, mas ele sempre recusava, o que me deixava frustrada. A viagem para a ilha de Jeju teve que ser adiada três vezes devido a conflitos de agenda das gravações. Agora, um mês depois, finalmente estávamos embarcando no avião.Ele estava me esperando no hangar e ficou surpreso ao me ver.— O que aconteceu? Estou malvestida?— Não, de jeito nenhum. Alguém mencionou essa roupa para você?— Como assim?— É a mesma roupa que você usou na primeira vez que fomos à ilha, por isso fiquei assustado. Talvez seu subconsciente esteja lembrando algo.— Sério? Olhei no armário, pensei, pensei, e acabei escolhendo essa roupa.— Está maravilhosa.— Sempre me acha bonita. Posso estar usando qualquer tipo de roupa, acredito que até mesmo nua. — Após a fala impensada, corei.— Com certeza. — Riu maliciosamente.Durante a viagem de uma hora, brindamos com uma taça de champanhe. Ele s
Fomos para a casa do meu avô. A família estava na sala de visitas, apreensiva. Titio me abraçou quando cheguei perto de Ha-Jun. Mantive a calma, pelo menos na frente dele. Consegui conter as lágrimas e ordenei às minhas pernas para que parassem de tremer enquanto conversamos.— Já foram contratados mais seguranças? — questionou o vovô.— Sim, pai, e a polícia já está à procura dela — respondeu titio, segurando um pendrive.— Estas imagens mostram como ela escapou da prisão? — perguntei.— Embora as cenas não estejam claramente descritas, é possível dizer que ela pegou as roupas da detenta da biblioteca, permitindo-lhe circular com mais liberdade pelo presídio. Durante a noite, quando era hora de fechar, ela se escondeu em um contêiner de roupas sujas levado para a lavanderia.— A ausência da bibliotecária não foi notada? — Young-Chul quase gritou.— Ela também cuidou disso. Colocou travesseiros por baixo das cobertas na cama dela, simulando que alguém dormia. No dia seguinte, eles enc