— Sabemos disso, e seu lindo titio já se adiantou. Ele disse que quando quisermos é só avisar, que as passagens estarão em nossas mãos. O hospital está com poucos profissionais no momento. O diretor pediu para esperarmos pelo menos até o final do verão. Você sabe, Júlia, aumentam os acidentes, doenças gripais, viroses e desidratação. Parece que as pessoas não sabem que vivem em um Rio quarenta graus.— Mas mesmo assim, agilizem.— Ah, agora aí está muito frio também — acrescentou Ângela.— Mas vocês teriam muita chance de ver a neve. A previsão é boa.— Hum, vamos ver. Nunca te decepcionamos, mas temos um código médico a cumprir. Iremos no momento certo.O som de uma mensagem chegou no celular.— Hum, mensagem do gato cantor?— O que diz? Fala logo! — pediu Lorena.“Boa noite, tenha sonhos lindos, envoltos no amor que sinto por você.”— Misericórdia. Esse homem é muito romântico mesmo. — disse Ângela. — Será que isso já faz parte da rotina dele? Você nos contou que perguntou como era
Seo-Yun chegou com um sorriso caloroso e eu a abracei com força. No fundo, uma imensa vergonha tomava conta de mim por não reconhecer aquela pessoa tão bela, tanto interior quanto exteriormente. O médico explicou a situação e começou a fazer perguntas, direcionadas tanto a mim quanto à minha tia.— Seo-Yun, sua sobrinha mencionou algum episódio antes do acidente?— Ao falar, não estarei influenciando as lembranças dela?— Não, o problema agora é que a memória da profissão foi desbloqueada de forma rápida e aleatória. No entanto, você e as pessoas que ela ama também fazem parte do ambiente de trabalho, desempenhando funções na administração do hospital. O casal se conheceu aqui, nesta mesma sala, e você estava presente no primeiro almoço deles. Preciso compreender o que pode estar bloqueando essas lembranças.— Min-Ji me confidenciou duas coisas. Era uma segunda-feira, na semana do acidente. Como o hospital estava tranquilo, ela me convidou para almoçar aqui mesmo, no restaurante. Quan
O gato cantor nunca tomava a iniciativa. Eu já havia pedido um beijo a ele várias vezes, na esperança de reavivar minha memória, mas ele sempre recusava, o que me deixava frustrada. A viagem para a ilha de Jeju teve que ser adiada três vezes devido a conflitos de agenda das gravações. Agora, um mês depois, finalmente estávamos embarcando no avião.Ele estava me esperando no hangar e ficou surpreso ao me ver.— O que aconteceu? Estou malvestida?— Não, de jeito nenhum. Alguém mencionou essa roupa para você?— Como assim?— É a mesma roupa que você usou na primeira vez que fomos à ilha, por isso fiquei assustado. Talvez seu subconsciente esteja lembrando algo.— Sério? Olhei no armário, pensei, pensei, e acabei escolhendo essa roupa.— Está maravilhosa.— Sempre me acha bonita. Posso estar usando qualquer tipo de roupa, acredito que até mesmo nua. — Após a fala impensada, corei.— Com certeza. — Riu maliciosamente.Durante a viagem de uma hora, brindamos com uma taça de champanhe. Ele s
Fomos para a casa do meu avô. A família estava na sala de visitas, apreensiva. Titio me abraçou quando cheguei perto de Ha-Jun. Mantive a calma, pelo menos na frente dele. Consegui conter as lágrimas e ordenei às minhas pernas para que parassem de tremer enquanto conversamos.— Já foram contratados mais seguranças? — questionou o vovô.— Sim, pai, e a polícia já está à procura dela — respondeu titio, segurando um pendrive.— Estas imagens mostram como ela escapou da prisão? — perguntei.— Embora as cenas não estejam claramente descritas, é possível dizer que ela pegou as roupas da detenta da biblioteca, permitindo-lhe circular com mais liberdade pelo presídio. Durante a noite, quando era hora de fechar, ela se escondeu em um contêiner de roupas sujas levado para a lavanderia.— A ausência da bibliotecária não foi notada? — Young-Chul quase gritou.— Ela também cuidou disso. Colocou travesseiros por baixo das cobertas na cama dela, simulando que alguém dormia. No dia seguinte, eles enc
A polícia havia instruído minha tia sobre como lançar mensagens nas redes sociais, uma informação que rapidamente se espalhava como fogo em campo seco. O plano meticulosamente planejado estava começando a ganhar vida, as peças se encaixando com precisão. As redes sociais, uma força que moldava o mundo contemporâneo, serviam como um portal tanto para a bondade quanto para a maldade.Enquanto encarava Young-Chul diante das câmeras, um turbilhão de emoções me envolvia. Era difícil acreditar que tudo aquilo estava acontecendo, que estávamos arriscando tanto para alcançar a justiça e a verdade. O cenário ao redor parecia embaçado, as luzes do clube diminuindo de intensidade em comparação com o brilho intenso que eu via em seus olhos.Eu ainda estava inconformada com o dinheiro que seria gasto para forjar uma festa de noivado. Apesar do número reduzido de convidados, a maioria sendo policiais e agentes à paisana, o restaurante do clube foi fechado para o suposto evento. O chef, que nos cont
Após mais um julgamento, a mulher perturbada que havia se passado pela ex-namorada de Young-Chul foi transferida para um presídio de segurança máxima, sob medidas reforçadas de segurança e supervisão psiquiátrica por profissionais do sistema judiciário. Enquanto o sistema judicial seguia seu curso, a vida continuava a trilhar seu caminho. Enquanto eu me dedicava aos meus pacientes no hospital, Young-Chul estava imerso na gravação de seu mais recente álbum, aguardando ansiosamente por um momento especial: o dia em que eu finalmente recuperaria mais uma lembrança, marcando o passo decisivo para o nosso casamento.Simultaneamente, eu ansiava pela chegada do evento cultural das Américas. Apesar da impossibilidade das minhas amigas comparecerem, meu tio havia adquirido o camarote mais privilegiado para mim. Esses camarotes eram designados como "locais de honra".No entorno do local, diversas barracas ofereciam iguarias típicas, enquanto no auditório interno aconteceriam performances de dan
Young-ChulPavilhão culturalAinda me sentindo um tanto deslocado diante dessa cultura tão distinta, não pude evitar estranhar os gestos afetuosos entre Min-Ji e suas amigas. Havia pouco mais de um mês, Ye-Jun me contou sobre a surpresa que estava preparando para a minha amada. As amigas dela tinham mentido, alegando que não poderiam vir à Coreia, enquanto secretamente se preparavam para o show brasileiro na Conferência das Nações.As duas amigas tinham uma beleza notável, uma morena e a outra negra, ostentando corpos tipicamente brasileiros, traços que Min-Ji herdou de sua mãe. Com sorrisos contagiantes, elas conquistaram a todos, em especial Lorena, que fez o chef do restaurante, nosso convidado para celebrar o Brasil, ficar hipnotizado, seus olhos grudados nela como se fosse um encanto irresistível.— Chef parece hipnotizado — comentei, divertindo-me com a cena — Será que seu coração está batendo mais forte?— Apenas a achei bela. Nosso padrão de beleza difere bastante do de vocês.
Finalmente, aquilo se tornara uma realidade. O salão estava repleto de convidados, todos ansiosos pela entrada da noiva pela nave central. Vestido impecavelmente em um smoking, Young-Chul irradiava felicidade enquanto sorria para todos. Eu aguardava na lateral, pronta para caminhar. Tínhamos atravessado tantos dias de alegria, mas também enfrentado momentos de tristeza, e agora estávamos ali para celebrar o ápice do nosso amor.Vestidas com trajes azul-celeste, minhas amigas seguravam delicados buquês de flores-do-campo. Após terem participado do espetáculo cultural na Coreia do Sul, elas haviam permanecido no país por quinze dias antes de retornar ao Brasil. Lorena, que havia encontrado o amor no Chef, empolgou-se com a ideia de obter um visto de trabalho e vir trabalhar comigo no hospital. Já Ângela tinha uma ligação profunda com o Brasil e alguém a esperava lá, e ela optou por voltar definitivamente.Com o casamento programado para ocorrer em seis meses, Lorena decidiu permanecer n