CAPÍTULO CINCO: Família.

WILLIAM MARTINS

_ Vamos comer.- Não esperei que eles falassem mais nada, apenas direcionei o meu corpo para a sala de jantar, onde Mary estava sentada à mesa, apenas nos esperando.- Você evoluiu, criança, conseguiu nos esperar chegar.

Não resisti à vontade e acabei implicando um pouco com ela, sentando na cabeceira da mesa. Quando mais nova, Mary não nos esperava chegar à mesa, já estava montando o seu prato ou comendo a sua refeição. Chegava a ser engraçado quando, com a cara mais lavada do mundo, ela nos encarava e dizia que havíamos demorado muito e por isso não nos esperava. 

Confesso que sinto uma saudade daquele tempo, das suas visitas frequentes e o quanto Megan se divertia com ela. Oh céus, que saudades da mulher que mais amei na minha vida.

_  Está tudo bem?- Sinto a maciez da pele de sua mão em contato com a minha, trazendo-me de volta do meu mar de pensamento. 

Antes que eu me afogasse neles novamente, ela me trouxe de volta. Mesmo sem saber, ela me salvou antes de que acabasse entrando na tristeza sem fim que vem junto a saudades e a dor por tudo que me aconteceu no passado. Normalmente, quando me afogo ali novamente, apenas com as bebidas fortes que tenho no meu estoque. 

_ Está sim.- Rapidamente afastei minha mão da sua, evitando que ela sentisse o quanto estou nervoso com tudo.- Do que você falava?

Mary me encarou profundamente, como se ela soubesse que não estou sendo totalmente sincero, como se estivesse lendo todos os meus pensamentos. Ela sabe que não estou sendo sincero, ainda assim, disfarçou quando os seus pais voltaram para a sala.

_ Não sou mais a mesma, tio, melhorei muito nesses últimos anos.- Respondeu como se fosse a coisa mais simples.- Não sou mais uma criança.

Concordei com a cabeça, olhando bem para o seu rosto, nem de longe ele seria o de uma criança. Os traços marcantes, os lábios nem muito fino ou grosso, com a medida certa para elevar os pensamentos. O olhar singelo, mas com uma profundidade que me prende de uma forma que não consigo entender, nem mesmo se eu quisesse. 

_ E então, Silvia, o que fez para a gente hoje?- David perguntou enquanto se sentava, observando a bela mesa que fora montada.

_ Fiz o prato favorito da Mary, ao menos o que ela mais gostava antigamente.- Silvia.

_ Lasanha?- Com a voz regada de animação, a mais nova perguntou com uma felicidade bem nítida.  

_ Pelo visto continua a ser o seu favorito.- Silvia concluiu com um sorriso, tirando um ainda maior da minha sobrinha.

_Forever my favorite dish.- Mary não pensou muito antes de concordar. “Para sempre o meu prato favorito”

Uma coisa, ao menos, não mudou; o seu amor incondicional pela comida. Lembro-me bem do quanto Silvia amava a notícia de que esta moça, nem tão pequena assim, iria vir passar uns dias com a gente. Minha amiga sempre se empenhava em fazer as melhores comidas possíveis, tudo com o objetivo de agradar a sua fã número um de toda uma vida.

_ Ela não está mentindo, Sil.- David olhou para sua filha com o amor transbordando no olhar, encarando-a como se fosse a coisa mais preciosa da sua vida. O que, de fato, realmente é. A família sempre foi tudo para o meu irmão, sua maior prioridade.

_ Experimentamos diversos pratos deliciosos, mas ela sempre fez questão de lembrar que o favorito era a sua lasanha.- Hermione concordou com o marido, segurando em sua mão e mandando um beijo para a primogênita do casal. 

_ Fui descoberta.- Mais uma vez, Mary levantou suas mãos em sinal de redenção.- Agora, se me permitem, vou almoçar.

Sem falar mais nada, ela se colocou de pé, pegou o prato e colocou um pouco da lasanha de quatro queijos. Quando ela se sentou, fiz um sinal para um dos meus empregados que logo veio e encheu nossos copos com suco natural. Todos acabamos por seguir seus passos, colocando a nossa refeição. Durante todo o almoço, não tivemos um minuto de silêncio que fosse, a todo momento tinha um assunto que predominava e a minha família não deixava passar em branco. 

Minha família! O quão estranhas essas palavras parecem ser agora, depois de tanto tempo sem ouvir ou falar qualquer uma delas. O quanto a sala de jantar, no momento presente, parece ser da cobertura de qualquer pessoa, menos a minha depois de tanto tempo que sons de gargalhadas não a predominavam. Essa parece ser a realidade de qualquer pessoa que não seja eu, ou melhor, a minha versão atual, pois esse cenário, em um tempo não tão distante, era deliciosamente corriqueiro em minha rotina. 

_ Deu para matar as saudades da minha comida?- Silvia, quem está almoçando com a gente, perguntou para todos, direcionando o seu olhar para a mais jovem dentre todos os nós.

_ Sei que não vão me dar tanta credibilidade, mas…— Começou ela, dando um certo tempo para uma pausa dramática. É, o drama, com toda certeza, sempre foi uma das coisas que ela faz com excelência.- Está ainda mais delicioso do que eu me recordava, acho que vou precisar comer outras vezes para matar as saudades. 

_ Já estou pensando na receita do jantar.- Silvia informou, tirando sorrisos de todos a mesa.

_ E eu já estou ansiosa.- Hermione.

_ Enquanto isso, senão tiver problemas, quero ir arrumando o meu quarto.- Mary. 

_ Vamos, eu te mostro onde é.- Fiquei de pé, afastando o meu prato para longe. Comi bem pouco hoje, não estou com tanta fome assim.

_ Não vai comer mais um pouco? Quase não tocou na comida.- Silvia perguntou no mesmo momento, encarando-me com aquele olhar regado de preocupação.

_ Depois eu como alguma coisa, não tenho fome agora.- Dei de ombros.

Ela apenas concordou com um manusear de cabeça, deixando os seus ombros cair. Ela sabe bem que não irei comer nada mais tarde, afinal quantas vezes me escutou usar da mesma desculpa? Mais do que eu gostaria, sem dúvidas. Entretanto é algo que não tenho controle, apenas não sinto fome e se continuar insistindo demais, acabo por ficar enjoado e até mesmo vomitar. Simplesmente escolho por respeitar os meus limites, não tem nada demais nisso.

David informa que não vai subir agora, pois irá pegar mais um pouco. Sua esposa fica para fazer companhia a ele e Sílvia, quem prontamente se oferece para mostrar o quarto do casal. Sendo assim, subi com a minha sobrinha, guiando ela para o seu antigo quarto que agora não tem mais a decoração para uma criança, mas sim para uma jovem.

Teto flutuante, com uma iluminação impecável. O quarto em sua grande maioria tem tons rosados, mais puxado para o pastel. Um enorme espelho circular na cabeceira da cama enorme e bem confortável, com um pequeno sofá na frente. Tem um pequeno closet e um espaço com escrivaninha para estudar e uma penteadeira.

Não mandei fazer um quarto muito chique ou bem trabalhado, afinal é provisório. Não sabemos ao certo quanto tempo eles ficaram aqui, quis que se sentissem confortável.

_ O quarto está lindo.- Ela elogiou indo se sentar na sua cama, retirando o seu salto.

_ Fizeram um bom trabalho.- Concordei com a cabeça.

Quando soube que eles ficariam aqui, contratei uma empresa especializada para realizarem a decoração. Posso até negar, mas quero que eles fiquem o mais confortável possível.

_ Sabe, tio, eu sinto muitas saudades da tia Meg. Todo dia eu me lembro dela com carinho e quando a tristeza tenta me pegar, eu lembro que ela era pura alegria e a melhor forma de manter ela viva, é vivendo.

_ Por que está me falando tudo isso?- Encostei o meu corpo no batente da porta, tentando entender o porquê dela ter falado isso, só não faz nenhum sentido.

_ Ela iria querer que você continuasse a sua vida, que fosse feliz.- Falou.

_ Eu estou fazendo isso.

_ Tio, o senhor está sobrevivendo e não vivendo. Não come direito, afastou-se de todos e nem sorrir mais.- Respirou fundo.- Nem de longe se parece o homem cheio de vida que eu vinha visitar. É como se, de alguma forma, o senhor tivesse partido com ela.

_ Você é nova demais para entender, não amou verdadeiramente ainda. Quando perdemos alguém que amamos, nós partimos juntos.- Expliquei. 

_ Podemos morrer junto ou manter cada um deles vivos aqui.- Colocou a sua mão na direção do seu peito.- Deixar essa pessoa orgulhosa e em cada sorriso, sentir a presença dela.

_ São coisas lindas demais para serem reais.- Abaixei a cabeça, me sentindo mais afetado do que deveria com essa conversa. 

Ela não entenderia, nem mesmo se quisesse. Mary vive no seu mundo cor de rosa, onde as coisas são mágicas e simples, sem toda a dor e tristeza do mundo real. Só quando ela perder alguém realmente importante, vai poder entender.

_ Bem, quando quiser conversar com alguém, estou aqui.- Sorriu.- Agora, se me der licença, tenho umas coisas para arrumar.

Concordei com a cabeça, saindo do seu quarto e fechando a porta. Caminhei rapidamente para o meu quarto, sentindo a minha garganta fechar e as lágrimas lutarem para sair. Como eu queria que fosse tudo verdade, que as coisas fossem realmente simples. Bem, para a nossa tristeza, são bem mais dolorosas do que parecem, eu bem sei disso.

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