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Capítulo 06 - Impostor

LIMPO O VAPOR DO ESPELHO COM A MÃO E ENCARO O MEU REFLEXO. O que eu vejo? Mal reconheço minha imagem. Não mudei nada nos últimos anos, a cor dos olhos e o fato de que na minha arcada dentária superior tenho presas. As mudanças ocorreram mesmo dentro de mim.

Visto o roupão, pego uma muda de roupa roubada do varal de pessoas que não conheço de cima da bancada de mármore e vou para o closet, escolho uma gaveta e coloco as roupas em uma caixa velha de papelão.

Escolho no closet uma roupa. Normalmente uso calça, botas de salto alto e suéter, mas quando tenho reunião no Conselho ou com os nobres preciso seguir um code-dressing. Ternos. Coloco as joias que esperam que eu use: o anel de Bawarrod, um relógio, abotoaduras e o prendedor de gravata.

Ao contrário do que parece, ouro e esse tipo de riqueza material não tem exatamente valor de troca na Sociedade dos Vampiros. Qualquer vampiro mais poderoso da Casa Blonard pode usar seus poderes de Alquimia Tátil para transformar pedras em ouro. Temos qualquer tipo de material antes considerado de luxo em abundância. O que valorizamos? Água, comida, sangue...

Alcanço um pacote de papel velho amassado, coloco no bolso da calça social e saio do closet. Ando até a cama em que Lucretia está dormindo com uma de suas camisolas. O quarto é todo escuro, desde que nos mudamos Lucretia ordenou que as janelas fossem cimentadas, ela tem fobia da luz do sol. Uma vez, fiz uma ilusão para que ela visse a luz do sol, mas era noite, sabe? Arrependo-me muito de ter feito isso, ela gritou desesperada, achando que iria se queimar. O sol é algo que eu amo de paixão e nunca imaginei que ele pudesse ser assustador, mas os vampiros o odeiam.

Engatinho sobre o colchão até ficar sobre ela e roço meu rosto no de Lucretia dando beijinhos até ela resmungar sonolenta. Vampiros dormem pesado. Eu não. Para ser sincero as poucas vezes que dormi eu ainda era um humano, especialmente se estava doente ou muito exausto de alguma atividade. Atualmente, com a regeneração de um vampiro, quase não preciso descansar.

— Acorda, cretina. — Falo baixinho. — Tenho um presente para você.

— Shh, cretino. — Lucretia reclama, mas enlaça meu pescoço com os braços. Sua boca morna encosta na minha. Ela descobre onde guardei o presente deslizando a mão pela minha coxa, tenho que sorrir quando ela faz isso, mesmo que seja por entre seus lábios. — Indecente.

— Você que está me alisando.

— Bem, estou. — Lucretia abre os olhos e pega o pacote de dentro do meu bolso, os cabelos espalhados por cima do travesseiro macio. — O que é dessa vez? Esteve no orfanato de novo? Ou foi na feira de artesanato?

Dou risada, balançando a cabeça fazendo que não e sento ao seu lado na cama. Lucretia continua deitada, abrindo o papel embolado.

— Bem, tem esse garoto em uma cabana nas margens da aldeia inuit, Josh, ele acabou de chegar em N-D44 e seus pais estão doentes. Ele precisava de alguns remédios. — Conto, pegando o travesseiro no qual eu deveria dormir e coloco no colo, abraçando. — Ele faz essas pequenas esculturas com arame. Troquei com ele.

— Awm, você é um fofo. — Ela tira os olhos do pacote para olhar para mim, sorrindo. Gosto quando ela faz isso. — Tome cuidado para ninguém te ver andando por aí durante o dia.

— Ninguém me reconheceria.

— Há pinturas do Imperador em todos os cantos do Império, caso não tenha reparado.

— Quando eu ando, eles não vêem exatamente a mim. — Pisco um olho, divertindo-me. — Uso a ilusão para me parecer com outra pessoa.

Lucretia tira a bugiganga que eu trouxe para ela do pacote, um quadrúpede indefinido de arame retorcido, É esquisito e tão pequeno que apenas as mãos de uma criança poderiam ter feito.

— Nossa! Isso aqui é muito bizarro. Não me admira que ninguém esteja comprando as esculturas de Josh, coitado. O que é isso?

— Nesse planeta mutante, provavelmente é um urso-alce… ou um cavalo-lobo, vai saber. Ele veio das fronteiras, é o que ele conhece como fauna. — Fica um momento de silêncio entre nós, enquanto contemplamos a escultura estranha. O planeta está esquisito, o que antes era incomum e raro há 15 anos atrás, hoje em dia, provavelmente Josh nunca tenha visto um urso, um alce e um cavalo. As áreas em que os aliens estão próximos são as mais afetadas. — Fiz tudo errado? As fronteiras estão se desfazendo...

— Funcionou perfeitamente na primeira década. — Lucretia sentencia com firmeza, ela está tentando fazer com que eu não me sinta culpado, eu sei. — Você deu aos humanos a liberdade da escrivadão, gerou empregos e ainda mantém cotas assistenciais. Eles estariam mortos se não fosse isso.

— Ainda há tanta miséria e estou falando de pessoas que estão próximas aos nobres, aqui em N-D44. Imagine os mais distantes? Os que estão mais perto das fronteiras?

— São tempos difíceis. Anos de resseção. Os Anjos estão mais fortes.

— Ou nós mais fracos.

— Acha que tem a ver com os Guardiões de Aesis? — Lucretia solta a escultura para o lado.

— Talvez. De qualquer jeito, o povo que confia em mim está morrendo de fome e doença, há escassez de sangue. Os nobres não querem financiar as pílulas de sangue sintético... Talvez eu devesse fazê-las, mesmo sem apoio deles.

— Se fizer sem votação, nobres se revoltarão contra você. — Ela se senta, de frente para mim, o quadrupede de arame em uma mão e com a outra, ela ajeita meu cabelo, fazendo carinho. — Antes de qualquer coisa, precisamos recuperar o território perdido, expandir lavouras e os setores industriais.

— Tudo isso já está na pauta. — Resfolego. — Quero saber o que posso fazer, além disso.

— Você é inteligente e o melhor Imperador que essas pessoas conheceram, então, você vai descobrir. — Ela beija minha boca de leve e se encosta-se à cabeceira. — Não vai se atrasar?

— Droga. — Com um pinote, desço da cama. — Falo com você mais tarde.

— Vou dormir até meia noite, e esperar Lennon chegar. Não mande me chamar! — Lucretia eleva um pouco a voz para se certificar de que escutei suas ordens e se deita novamente.

Saio do quarto, a maioria ainda está dormindo. Vampiros funcionam em um fuso horário diferente do que eu estou acostumado. Alias o que estou falando? Posso somar mais anos vivo como um vampiro do que como um humano, eu já deveria ter me acostumado a essa altura.

Vou até o escritório, pegar uma cópia do relatório que será discutido na reunião, quando me aproximo da porta, já acho estranho que está entreaberta. Empurro devagar, abrindo mais e encontro com Kaiser, em pé de frente para minha mesa, de costas para a porta, olhando os relatórios que estão ali em cima. Nem entro. Apenas sua presença me repele, sua energia parece me conter, mas me aborrece que ele esteja mexendo nas minhas coisas, nos meus papéis.

— O que você está fazendo? — Pergunto só pelo esporte, já que é claro que ele está xeretando.

— Lendo alguns destes relatórios. — O homem de cabelos escuros cacheados rebeldes responde inabalável, sem se virar para mim. Tão irritante! O que encaro são suas costas, o paletó cinza claro brilhante. — Senti necessidade de me informar sobre o que você tem feito pelo Grande Império.

— Por que motivos?

— Não confio em você.

— Você costumava confiar. — Exalo ar pelo nariz de uma vez, uma espécie de deboche mesmo. Kaiser olha para mim por cima dos ombros, esperando que eu me explique, seus olhos vermelhos-sangue buscam uma resposta.

— Cegamente, pelo que pude entender. — Enrijece os ombros, ficando com a postura mais firme que já conheci e me olha com desdém, descendo o olhar pelas minhas roupas, notando os saltos. Eu uso saltos quadrados e de ferro, para ficar mais alto que os nobres e parecer mais imponente (e porque eu gosto de saltos mesmo). Eles não têm medo de mim pela falta de presas e apelo para outros elementos. Meus passos ressoam como trovões no Templo de Nether. — Posso me ver através dos olhos de muitas pessoas, muitos partilharam suas memórias comigo, exceto você.

— Veio aqui ler relatórios ou pedir para ver minhas memórias? — Cruzo os braços escondendo as mãos, indisposto.

— Os dois. — Kaiser larga os papeis em cima da mesa e se apoia nela, com as mãos para trás. — Você permitiria que eu vasculhasse suas memórias de mim?

— Não! Que indecência.

— Não? — Ele parece incrédulo com a resposta e se desencosta da mesa, andando na minha direção. — Por quê? Tem algo a esconder?

— Porque são minhas e não tenho que partilhá-las.

— É meu direito conhecê-las.

— Seu direito foi vivê-las, mas como se esqueceu, abdicou desse direito.

— Pelo visto você não passa de um imaturo, inconsequente! — Kaiser me ofende, seu olhar vermelho duro e firme é o sinal de que ele não está falando da boca para fora, essa é mesmo a opinião que ele tem de mim agora. — Não preciso olhar em suas memórias para ver que o Império está em decadência! — Joga um papel por cima da mesa. — Ainda que fossem somente atos pueris, eu poderia aceitar. Entretanto, não é infantilidade e sim, incompetência. Não sei onde estava com a cabeça, mas conhecendo sua descendência sidhe posso afirmar que caí em uma armadilha. — Ele afirma.

— Não parecia nada disso quando suas mãos estavam sobre mim. — Embora suas palavras realmente me machuquem, apenas quero quebrar essa aura de superioridade que ele impõe mesmo.

— Nunca tocaria em criatura tão suja quanto você. — Kaiser range os dentes.

— Sinto ter conhecido esse seu outro lado, você não é nem metade do homem que um dia foi. — Digo. Kaiser estreita os olhos, mas ele não responde nesse momento. — Divirta-se com os relatórios, os mais novos estão na segunda gaveta. Evite a primeira, ou encontrará as cartas de amor que me escreveu. — Viro as costas, tomando distância, aceno por cima do ombro.

●●●

Pela janela é possível ver as casas de N-D44, a maioria com as luzes acesas, ainda é cedo e os humanos ainda estão acordados. Vivemos em horários opostos, embora para mim, não faça diferença, acredito que essa seja uma das coisas que separa humanos e vampiros e enfraquece o Grande Império. Como governar para divisões tão distintas e com necessidades tão opostas?

É primavera, algumas árvores estão floridas e não faz tanto frio como nas noites de inverno. Meu corpo agradece, obrigado. O aquecedor do carro está ligado, visto que sinto frio, algo que vampiros totalmente transformados não sentem. O aroma de nossas fragrâncias se misturam no ambiente. Solto um suspiro aborrecido, pensando nas coisas desagradáveis que Kaiser me falou sobre o Império, estou fazendo o meu melhor, mas quando observo N-D44, percebo o quanto ainda estamos vivendo em um aspecto de apocalipse.

— Você não leu os relatórios. — Devon ergue os olhos dourados e sagazes da pasta preta com o símbolo do Grande Império para me acusar, claro.

Ele está de terno vermelho, cores do Brasão Riezdra, os cabelos arrumados para trás e a barba castanho-clara bemdesenhada. Estamos a caminho de uma reunião do Conselho, exigem que nos vistamos bem, para passar ar de seriedade.

— Tão injusta acusação. — Faço bico e cruzo os braços, sentado de frente para ele na limousine.

— Você leu? — Pergunta-me sério e sem paciência comigo.

— Não. Não li. — Abaixo a cabeça em respeito e por ele ter razão em me dar uma bronca, simplesmente.

— Preciso que você seja mais responsável em relação às suas obrigações, Zane. — Aí está, a bronca que estava faltando. Torço a boca descontente. — Estou dizendo isso porque me preocupo com você. — Ele volta a olhar novamente para a pasta, concentrado.

— Posso te perguntar uma coisa e você me responde com sinceridade?

— Claro. — Devon continua olhando os relatórios e não sei se está prestando mesmo atenção em mim.

— Quando você olha para mim, o que você vê?

— Um filho. — Ele responde rapidamente, sem dúvidas, mas não olha para mim ao dizer isso. É desesperador.

— Hm. Achei que fosse um soldado.

— Perdão? — Devon fecha a pasta em seco e ergue os olhos dourados para mim, as sobrancelhas castanho-claras descem pesadas. Não preciso segurar em suas mãos para saber que eu o ofendi. — O que você está insinuando agora?

— Não é uma insinuação, são fatos. Você faz com que eu me sinta uma peça de xadrez no seu maldito jogo.

— Às vezes você é parte importante de uma estratégia e eu confio em você para o papel, mas isso não anula o fato de que você é, acima de tudo, meu filho. — Sua voz soa impassível e considerando que o assunto está encerrado, ele abre novamente o relatório e se ajeita no banco de couro do veículo. — Você sabe que amo você.

— São apenas palavras.

— Você não acredita em mim porque ainda ressente o passado quando realmente usei você como um soldado e uma peça no jogo. Muito bem. — Devon vira a página bruscamente e respira pesado. — Não tenho como mudar as maluquices da sua cabeça.

— Não consegue porque você não me escuta. — Já estou rangendo os dentes de raiva.

— Estou ouvindo, apenas não estou olhando para você. Precisa de tanta atenção?

— Não sei! Talvez. Sim.

Devon respira fundo como se precisasse inspirar uma névoa de paciência, coloca o relatório ao lado no banco e olha para mim. Preparo-me para ouvir palavras duras e que vão, obviamente, me machucar.

—  Lamento que você esteja sofrendo. — Contrariando o que pensei, ele fala calmamente. — Queria poder te ajudar. Eu tento, mas confesso que fico perdido quando se trata de você. Nós dois sabemos o quanto você é difícil de lidar.

Acabo sorrindo. Ele tem razão.

— Você tem se saído bem, na maioria das vezes. Confesso que sinto falta da época em que tudo o que você precisava fazer para meu dia ser ótimo era me levar para treinar pontaria.

Devon ri, achando engraçado e ao mesmo tempo, lembrando-se de forma nostálgica daqueles dias em que tudo era mais simples.

— Era uma época boa, realmente, mas não precisei te ensinar muito. Quase sempre você era melhor do que eu.

— Não é verdade. — Faço careta de bravo. — Você me crucificou quando errei um tiro.

— Viu? É disso que estou falando. — Ele estende a mão na minha direção. Aperto os lábios tentando ficar calado. — Procuro dizer coisas boas a você e elas se transformam em farpas. Além do mais, no fundo, fico contente que você não tenha matado aquele homem.

— Não importa. — Reviro os olhos. — Estava me referindo à época em que eu tinha sua total atenção e você era um pai dedicado que sentia orgulho de mim.

— Eu tenho muito orgulho de você, meu filho, sempre tive. E peço desculpas por falhar em demonstrar isso. Estarei ao seu lado para quando precisar, não vou abandonar você. Prometo a você.

A limousine estaciona e abrem a porta para que possamos sair. Vou na frente, aproveitando para secar os olhos e não deixar que meu pai veja que estava chorando ou ele vai me considerar fraco e o clima de orgulho se dissipará em dois segundos. Ao ficar em pé do meu lado, ele segura a minha nuca, beija minha cabeça e me guia para dentro do Salão de Nether.

É nesse salão em que acontecem as reuniões do Conselho, os vampiros consideram esse um local sagrado, mas exatamente o local, quem o habita. É uma construção que lembra uma casa, há muitas salas, a maioria com escrivãos e livros do arquivo.

Existe o Livro de Nether, que é a Bíblia dos vampiros e nele está descrito todos os mistérios sobre Nether, a origem do universo, a criação do mundo e diversos rituais que a Sociedade dos Vampiros segue à risca. Ele fica exposto no centro da sala principal, mas não é possível tocá-lo, há uma cúpula de vidro grosso e um sistema de segurança impedindo qualquer um de chegar perto. Há também outra cúpula de vidro, com uma caixa de madeira escura um pouco maior que uma caixa de sapatos, que dizem conter os ossos do primeiro vampiro a carregar no sangue o poder de Nether. Fico completamente incomodado de encarar um crânio e um osso que deve ser o fêmur, o restante, fiquei sabendo, está moído dentro da caixa. Coisa mais esquisita e arrepiante que já vi na vida e sim, eu acho que já vi muita coisa, especialmente durante a guerra.

Meus passos ressoam como trovões atraindo a atenção de todos os membros do Conselho e a maioria vem me cumprimentar da maneira formal. Eles se curvam, me chamam de “majestade” ou de “excelência”, e eu retribuo o cumprimento com simpatia finginda, evitando tocar em suas mãos para não ter que lidar com o fato de que a maioria ali me odeia e pensa que sou usurpador da Coroa. Román e Lauralyn estão entre eles, mas pelo menos esses não precisam me bajular para conseguir o meu apoio e me sinto em casa quando estou ao lado deles.

Em determinado momento, que acham ser o correto, acendem as velas do salão e abrem todas as portas ao redor. Cada Casa tem sua própria sala de preparação. Sozinho, entro em uma sala cuja a porta é coberta por uma bandeira preta com o símbolo de Bawarrod, o ouro alquímico. Tecnicamente, nesse ritual, deixo de ser Zane para ser Bawarrod e há um simbolismo gigante em tudo o que faço.

Há um espelho negro com a moldura dourada preso na parede, uma cômoda alta, de porta única. Há uma bacia em cima dela, com água morna, folhas e pétalas, o vapor exala um cheiro que me lembra incenso daquelas lojas de artigos místicos. Lá dentro, dois funcionários se aproximam e tiram tudo o que estou vestindo. Com uma toalha embebecida na água aromática, limpam meu corpo. Eles vestem em mim uma túnica comprida em panos negros e dourados (mas os outros membros vestem uma túnica da cor de seus brasões), colocam as joias de Bawarrod, incluindo o aro dourado que é a coroa do Deus-Interior, na minha cabeça.

Olho-me no espelho de superfície escura. Dizem que para ver o Deus-Interior, e não a mim, mas meu reflexo não muda, simplesmente. Sou eu bem ali, no reflexo, mas como eu era quando era um humano: olhos azuis, bochechas avermelhadas de frio e bem magro. Acho que não entendo esse besteirol vampírico, mesmo. O que eu devia ver nesse espelho que não vejo? Não demoro olhando para mim mesmo e ando em direção à porta. Os funcionários abrem para mim.

Saio, fico um tempo na porta esperando as outras portas e elas sempre abrem na mesma hora, tudo muito sincronizado, pois dizem que os Deuses nesse momento que estão para fora usando o corpo de seu Receptáculo, funcionam como uma colmeia. É o momento em que os Filhos de Nether entram em uma espécie de transe, dizem que as mentes do Receptáculo ficam inconscientes e os Deuses Interiores, as nove partes de Nether, assumem o controle dos corpos. Quando as nove partes estão juntas, se tornam único: Nether.

Eu sou o Recptáculo de Bawarrod. Recebi o Deus-Interior em um ritual de suas mãos como uma prova de carinho. Carregar o Deus-Interior em suas veias é desgastante para os vampiros e Kaiser sofria muito por ter o sangue mais fraco que o normal, quando passou Bawarrod para mim ele sofreu com uma doença chamada Ausência e foi ficando tão fraco que quando o veneno o atingiu, foi letal. Não consigo pensar como ele possa ter sobrevivido a isso, se estava sofrendo sem Bawarrod em seu sangue... Ou talvez...

Começam a andar, o que me interrompe os pensamentos. Sigo com os outros. Dirigimo-nos até a sala de reunião, ela é luxuosa, com um grande tapete vermelho ao chão, poltronas de estofado azul, uma mesa de madeira maciça e um enorme lustre de cristal sob nossas cabeças.

Antes de sentar, damos as mãos.

— Nós somos os Filhos de Nether. Juntos, somos mais fortes. — As vozes saem como um uníssono, eu tento não dizer nada porque sei que se abrir a boca, não vou falar sincronizado.

E esse é o problema comigo, algo que eu não disse ainda para ninguém: mesmo conectado ao Conselho dos Nove, Bawarrod não assume a minha consciência.

Talvez, algo tenha dado errado durante o Ritual de Passagem.

Talvez seja por isso que Kaiser não morreu, talvez ele ainda seja Bawarrod.

E eu… bem, acho que sou um impostor.

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