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Ele terminou comigo. E eu? Bom, enquanto dirigia perdida para o norte, eu só pensava em me matar... Apesar de sempre ouvir mentalmente a voz dele, me dizendo que não era para eu fazer aquilo. Cortar os pulsos com uma tesoura ou entupir-me de remédios? Pareciam opções realmente sedutoras. Lá estava eu, próxima do fim, sentada na beira do lago May, olhando as opções de materiais com os quais eu terminaria minha jornada na terra. Era o final do verão. Isso combinava comigo: o fim da minha vida num fim de verão. Poético.
Olhando pelo lado bom, eu não precisaria mais ir à aula, nem precisaria aguentar meu irmão indiferente ou meus pais me dizendo o que fazer. Não que eles me dissessem o que fazer, já há bastante tempo. Mas eu simplesmente não suportaria viver sem a pessoa na qual me apoiei durante tantos anos. Tanto tempo de amizade e quase um ano de namoro e sonhos juntos, jogados fora.
Quando alguém terminava o namoro e me contava que “foi para o bem dos dois”, eu não conseguia entender. Agora, ele terminou comigo dizendo exatamente isso e, ainda assim, não consigo entender. Pelo meu próprio bem? Porque ele não quer mais me ver triste com ele? Porque estamos só fazendo um ao outro sofrer? Ainda podemos continuar amigos!
Se eu não tivesse tanta certeza de que ele me amava, eu acharia que isso não passava de um conjunto de desculpas maldadas. Era completamente incompreensível... nós dois combinamos até que iríamos para a mesma faculdade e que depois nos casaríamos. Tantas vezes me vi mentalmente em um vestido lindo e branco ao lado dele, vestido como um príncipe, e, agora, eu nem conseguia ver a mim mesma no reflexo da lagoa. Também, não importava. Não queria mais ver a minha própria imagem, porque eu sabia que não estava mais viva. Eu não estava mais ali.
Sempre fui uma pessoa estranha. Às vezes me olhava no espelho para ter certeza de que eu estava ali, ter certeza de que eu existia. Havia um peso e uma dor nas minhas costas que eram definitivamente muito esquisitos. Nenhum médico jamais encontrou qualquer problema em minhas costas e todos os exames tiveram resultados normais. A dor podia ser psicológica, portanto, minha mãe me levou a psicólogos e psiquiatras, mas nada adiantou. Com o tempo, parei de reclamar das dores e do peso em minhas costas. Parei só de reclamar, porém a dor sempre continuou a mesma.
E agora, iria aliviar-me dessa dor para sempre. Morta, me livraria da dor nas costas – o que era algo realmente bom, no fim das contas. Olhei para a tesoura sobre a terra da beira do lago e fiquei pensando o quão aquilo seria chocante para os meus pais. Ainda poderiam pensar que pessoas aleatórias me mataram e me desovaram no lago May. Seria um transtorno. Eu não queria causar rebuliço. Ou pelo menos queria causar o mínimo possível.
Novamente olhei a passagem para Seattle. Nós compramos as passagens e as entradas para o show de nossa banda favorita de metal melódico: Palante. Íamos juntos neste sábado. No término do namoro, ele ainda pediu a passagem e o ingresso dele de volta. Tudo bem, ele que tinha comprado mesmo. Mas só devolvi o dele. Fiquei com o meu. O que importa é que eu poderia ir ao show e, depois, longe de Colville, eu poderia simular uma queda no mar, bater com a cabeça numa pedra, algo assim. Beberia bastante rum e saltaria. Ninguém iria desconfiar de suicídio, pareceria mais como um pequeno acidente.
Ao lado da passagem, havia um pote de calmantes da mamãe. Eu havia buscado na farmácia antes de me encontrar com o maldito traidor. Ele não exatamente me traiu com outra, é claro, mas traiu meus sentimentos. Tudo bem: quem em sã consciência ficaria comigo? Quer dizer, eu era a psicopata com dor nas costas e ele era o Don Juan da cidade. Até hoje desconfio que ele ficou comigo inicialmente por causa de alguma aposta entre amigos ou coisa do tipo.
De toda forma, ela precisava dos calmantes. E precisaria de uns extras quando me encontrasse morta. Tomar aqueles comprimidos não era uma opção. No carro que me aguardava na estrada havia um cinto de segurança. Pessoas costumavam matar outras estranguladas em cintos de segurança, mas iria ser difícil puxar o cinto contra meu próprio pescoço, eu o soltaria assim que desmaiasse e continuaria viva. Talvez com lesões no cérebro por falta de oxigênio, o que era bem pior. Meu pai também não iria querer ver o Peugeot dele todo ensanguentado ou, no mínimo, cheio de baba.
Resolvi, portanto, pegar uma corda e amarrá-la a uma pedra pesada. Morrer afogada. Pois muito bem. Era justo, considerando as outras dolorosas opções. Guardei todas as outras opções na mochila, segui até o carro e busquei a corda que meu pai usava para amarrar as bicicletas quando íamos passear.
Obviamente, meu conhecimento náutico não era suficiente para amarrar tudo tão bem assim, mas fiz o que pude. Atei minha perna à corda e, a corda, à pedra mais pesada que encontrei ao redor. Era tão pesada que tive que ir a arrastando até a água. Novamente, fiz meu “super” nó de tênis e dei mais algumas voltas na corda. É impressionante como não conseguimos embolar fios quando queremos. Algo sempre dava errado e eu não conseguia prender direito a pedra, quando finalmente consegui. Fui arrastando a pedra para dentro d’água.
Meu corpo arrepiou-se quando entrei aos poucos no lago. Não era frio, a água estava até morna, pois o sol a aquecera durante todo o dia e a noite mal havia começado. Era um arrepio de nervosismo mesmo. Molhei os tênis, minha mãe me mataria. Claro, se me encontrasse viva. Com a água nas canelas, tive que começar a submergir o rosto se quisesse continuar empurrando a pedra com as mãos. Agora sim, mais para o fundo, a água estava fria. Com as pernas, continuei empurrando o pedregulho.
Levei um susto. De repente, o peso caiu em um buraco puxando minha perna com força e fiquei completamente submersa. Automaticamente, prendi a respiração. Ri amargamente, soltando bolhas ao fazê-lo. Meus instintos me contrariaram.
Na hora da morte, eu sempre pensei que veria pessoas e momentos especiais da minha vida... foi muito pelo contrário. Desesperada para subir, minhas mãos se sacudiram para cima, meus pés tentaram se soltar da corda, eu não conseguia simplesmente desistir. As lágrimas, antes insistentes, imediatamente pararam de querer sair, mesmo porque eu estava debaixo d’água afinal. A única coisa em que meu corpo pensava era em respirar um pouco de ar. Segurei o ar pelo máximo que eu pude e, quanto mais me sacudia, de mais oxigênio eu precisava...
Senti as últimas bolhas saírem da minha boca quando eu já achei que não tinha mais ar dentro de mim. Minhas narinas puxaram água, ardidas, crentes que o líquido sairia pelas minhas brânquias... senti meu corpo amolecendo aos poucos...
Olhos e cabelos negros. Barba por fazer. Foi o que eu vi debaixo da água quando senti meu corpo fazendo um movimento involuntário.
De repente, abri os olhos. Eu estava trêmula, mas fora da água. E viva. Reclamei mentalmente. Com as sobrancelhas trêmulas, abri os olhos para a luz da lua e me deparei com a estrelada abóbada celeste. Eu estava deitada no meio de uma clareira e aquele homem de cabelos negros olhava para mim, segurando meu queixo, aparentemente fizera respiração boca a boca. Olhando para o outro lado, vi uma mulher estonteante, loira, de cabelos longos encaracolados e uma roupa alvíssima, que segurava minha mão. Eles tinham me salvado. Normalmente, balbuciaria algum agradecimento, mas dessa vez eu só consegui amaldiçoá-los.
- Isso é normal – disse a angelical voz da mulher. – Agora, acalme-se. Vamos, sente-se. Você passou por muita coisa hoje.
Eu olhei para a mulher, agora eu conseguia enxergar melhor. Seus olhos eram muito azuis e sua pele muito clara. Sentei-me, ela me ajudou e, quando me virei, agradeci a Deus. Ela tinha asas. Asas maravilhosas, cheias de plumas para todos os lados, eram duas vezes o tamanho dela e saíam das suas costas delicadamente, estavam retas horizontalmente, como se ela estivesse preocupada ou tensa por alguma coisa. Do mesmo modo estavam as asas do rapaz, negras, embora saíssem de suas costas de uma forma muito mais agressiva. As penas eram lustrosas, muito negras e tinham uma aparência mais rija do que as plumas macias e volumosas da mulher.
- Então, quando Deus vem me buscar? – eu disse, olhando as asas dela.
Eles se entreolharam e riram de mim. Ela se aproximou e era incrível como a roupa dela não sujava, mesmo molhada e ajoelhada na terra da clareira.
- Querida, Deus não vai te buscar.
Confesso que meus olhos se encheram de lágrimas. Como eu poderia pensar em Deus numa hora dessas? Eu cometi suicídio! Ele não iria me perdoar... Bom, talvez se eu pedisse para Ele, mas eu sempre achei Deus muito ocupado para ficar ouvindo minhas asneiras. Tanta gente pedindo para curar doenças, ganhar na loteria ou outras coisas mais importantes. Eu não costumava pedir. Geralmente, agradecia. Talvez esse fosse o momento daquele pedido especial pelo qual eu sempre estive esperando para fazer.
- Não, você não está morta, graças a mim – disse o homem. Achei muito rude. Sua voz era grave e eximiamente encantadora.
- Se está buscando... – eu comecei a dizer, mas ele me interrompeu.
- Não. Não busco agradecimentos de sua parte. Estou só fazendo meu trabalho.
Eu ri, incrédula e nervosa. Ele se levantou e ficou de costas. Sacudindo a roupa negra e requintada, disse:
- Vamos, Miah, vista-a. Não quero ficar vendo estes melões a noite inteira.
E foi quando percebi: eu estava... nua! Tudo bem, morta eu não precisaria ficar com roupas, eu acho, mas ainda assim era vergonhoso. Eu levaria séculos para me acostumar a isso. Pensando bem, eu estava com frio e... agora notara que minha camisa estava... completamente destruída no chão. Era uma camisa do Palante, minha banda favorita. Lágrimas vieram aos meus olhos ao ver a camisa destruída ali no chão, rasgada na parte de trás. Era uma camisa oficial!
Chorando, abracei minha camisa destruída. E pensar que aquela era apenas a primeira dolorosa pegadinha que o demônio tinha preparado para mim...
- Já dissemos, você não vai para o céu. Nem vai pro inferno. Você está viva! – disse Miah, sorrindo.
- Viva, bom, em termos. E graças a mim – resmungou o anjo negro.
Eu tinha certeza absoluta de que ainda não existia espécie alada de homo sapiens. Aquilo não fazia sentido para mim. Miah movimentou as mãos e surgiu ali, do nada, uma blusa parecida com a dela, porém cinza, um top curtinho bem angelical, cheio de tecidos leves e soltos na base. Eu peguei a roupa, tranquilamente, e fui vesti-la normalmente, quando Miah deu uma risadinha leve escondida por trás dos dedos.
- Não vista por cima, agarra nas asas.
- Asas? – minhas palavras refletiram meus pensamentos e, não sei por quê, tentei levantar, mas minha nova envergadura me fez cair no chão novamente.
Era simplesmente impossível. Eu tinha... asas?
Só podia ser alguma espécie de brincadeira. Asas... Asas! Com certeza absoluta, eu estava morta. E, de algum modo, virei um anjo. Fiquei deitada de barriga para cima, sobre minhas asas, que se esticaram no chão automaticamente. Olhei para o lado e as vi. Elas eram... cinzentas. Era estranho ter asas naquela cor. Não que eu estivesse reclamando. Pensando bem... minha loucura, definitivamente, chegara ao extremo. Eu olhava para Miah, boquiaberta.
- Vou te ajudar – ela disse, e levantou-se com tal maestria que eu achei que nunca seria capaz de fazer igual.
Com um pouco de custo, consegui vestir a blusa como se colocasse uma saia. Eu nunca tinha feito isso antes. Obviamente, não havia motivos comuns para se colocar uma blusa pelas pernas! Eu não estava entendendo nada, mas, aos poucos, consegui me adaptar às asas, não ao peso delas, mas à existência das mesmas. Agora, estava conseguindo usá-las para manter-me sentada, apoiada nelas. Era estranho. Imaginei-me um lobisomem... Só que ao invés de um rabo, eu tinha asas.
Enquanto Miah me ajudava, o anjo negro apenas observava. Aquilo estava me irritando. Ele não podia simplesmente dizer alguma coisa?
- Eu poderia passar o dia todo olhando para você – disse ele, e eu mal tinha terminado meu pensamento sobre ele ficar só observando. Ele parecia impaciente, apesar do que belamente havia dito. – Eu já faço isso o dia inteiro mesmo.
- Olha aqui, eu não sei o que está acontecendo, eu quero saber logo quem vai me levar, se é a loira aqui ou se é você. Bom, acho que é você, já que ela disse que Deus não vem me buscar – ralhei. Ele ouviu o que eu tinha a dizer, encostando-se em uma árvore próxima. Ele era... um tanto descolado.
- Escute, eu não vou dizer mais que uma vez, então preste bastante atenção.
Ele parecia tenso. Seu rosto estava de olhos fechados. Claramente, ele estava com medo da minha reação quando ele dissesse o que quer que estava prestes a dizer. Quando eu pensei isso, ele abriu os olhos, irritado. Tentei não pensar em mais nada... aparentemente, ele lia meus pensamentos.
O anjo negro se aproximou de mim, abaixando-se para me ver melhor. Eu pisquei, ele piscou de volta. Eu engoli em seco. Ali, ele deixou muito claro para mim quem estava realmente com medo. E não era ele, definitivamente.
- Você é uma pessoa muito especial. Você nasceu dia doze de agosto, um dia muito importante: é um dos dias em que as próximas gerações de anjos nascem. Há cinco datas como esta por ano e você nasceu em uma delas.
Eu me senti acuada. Aquilo era uma brincadeira?
- Não fique assustada – disse Miah, acariciando meus cabelos castanhos. Sem pensar, eu a abracei. Ela me abraçou de volta, firmemente. – Nós somos seus anjos da guarda.
Eu comecei a chorar de novo. Apertei minhas unhas contra minha cabeça e fiquei estática, o olhar amedrontado perdido na grama queimada pelo sol forte do verão.
- Ela está triste? – disse Miah.
- Não, ela está confusa – o anjo negro falou.
- Nervosa, eu diria.
- Não, confusa, definitivamente.
- Ela está...
- Chega! – gritei. – Parem! Parem de me dizer como eu me sinto!
Meu grito ecoou pela floresta e eu saí correndo. Neste momento, não sei como, as asas entraram novamente em meu corpo. A dor foi lacerante e eu caí de cara numa poça de lama, mas logo me levantei e continuei correndo. Saí saltando as raízes das árvores da floresta e finalmente alcancei a orla do lago.
As luzes de um carro de polícia lampejavam de azul e vermelho, intercaladamente, no meio da noite. Na beira do lago, estava meu corpo. Quanta movimentação! Quanto tempo se passara afinal? Cinco minutos? Com certeza muito mais que isso. Eles já estavam tentando me reanimar. Foi estranho ver a mim mesma deitada no chão. Morta. Eu estava estatelada ali, fria, meu irmão segurava minha mãe, que gritava desesperada pelo meu nome. Me senti horrível ao vê-la chorar por minha morte.
Habilmente, os anjos desceram do alto, surgindo ao meu lado: Miah do meu lado direito; o anjo negro, do esquerdo.
- Eu... estou morta?
Miah olhou para baixo, em siêncio, entretanto o anjo negro disse:
- Ainda não. Não completamente.
Dei um passo à frente. Minhas palavras imediatamente refletiram meus pensamentos:
- Então, ainda há esperança?
Eu olhava meu peito morto enchendo-se de ar através da respiração boca a boca que o xerife fazia em mim. Eu queria me aproximar, mas Miah me segurava pelo braço.
- Kate, quando você nasce nessas datas... Kate! – o anjo negro gritou comigo e parou bem na minha frente, segurando-me pelo rosto. – Você não acredita que isso seja verdade, certo?
Movimentei a cabeça positivamente. Ele estava certo.
- Mas é verdade. Não é um sonho. Você não vai acordar amanhã e ver que tudo se resolveu. Você? Você é uma pessoa de sorte!
- Uma pessoa de sorte? Eles estão sacudindo meu corpo morto ali na beirada daquela lagoa! Eu não acredito em você, você é um anjo negro, nada de bom pode vir de você! – eu disse, desesperada.
Miah, então, interveio, tomando o lugar das mãos do anjo negro em meu queixo.
- Então, você acreditaria se um anjo branco dissesse o mesmo para você?
A voz delicada de Miah me desarmou, mas eu ainda não acreditava. Eu só ouvia os gritos da minha mãe, abraçada pelo meu irmão, que também chorava, quieto e silencioso.
- Você tem o dom de curar as pessoas, não tem?
No momento em que ela disse isso, um arrepio inebriante correu por todo o meu corpo. Aquilo era... era a mais pura verdade. Eu não sabia como, mas eu conseguia curar as pessoas. Não sabia o que era, se era minha presença, ou o que poderia ser...
- E essa dor nas suas costas? A vida inteira você a teve – ela continuou a falar, antes que eu conseguisse digerir a informação anterior. – Nada resolve esse seu problema. Sabe o que é isso? São suas asas, Kate! São suas asas! Elas querem sair e levar você para o alto!
Agora, sim, eu acreditava. A minha dor nas costas era inexplicável e palpável o suficiente para que eu aceitasse os argumentos dela.
- Kate, você pode fazer uma escolha. Ser um anjo na terra ou um anjo no céu.
- E... Eu realmente preciso escolher isso logo agora? – virei meu olhar ao anjo negro, pedindo piedade.
Eles entreolharam-se e, concordando um com o outro em uma troca de olhares muito breve e enigmática, abriram caminho. Passei por eles correndo e não tive paciência para entrar no meu corpo devagar, me deitando por cima dele, como nos filmes.
A primeira coisa que fiz foi tocar a mim mesma, segurando-me pelo braço, e o que aconteceu na sequência foi extremamente doloroso. Se por acaso essa situação me acontecer mais uma vez, prefiro deitar certinho em cima do meu corpo morto, porque naquele momento pareceu que fui dobrada e retorcida em milhões de partes até que cada célula da minha alma se acoplasse no lugar certo de cada célula do meu corpo. E almas têm células, afinal? Eu tossi forte, um monte de água saiu pela minha boca bem quando todos tinham desistido de mim.
Enrolada em um cobertor grosso, eu estava na sala de estar da minha casa quando meu padrasto trancou a porta. As luzes da ambulância e do carro do xerife foram embora enquanto minha mãe me deu um beijo no rosto e foi até a cozinha buscar algo quente para que eu bebesse. Eu ainda sentia minhas vias respiratórias arderem da água que entrara e a garganta muito esquisita com a força da água que saíra dos meus pulmões quando o xerife terminara de me reanimar. Meu irmão acompanhou-me pelas escadas até o banheiro para que eu tomasse um banho enquanto ele separava roupas secas para mim. Ele também me deu um beijo na bochecha e me abraçou, como se a última vez que ele tivesse me visto fosse há uns trinta anos. Sozinha no banheiro, andei como se meus pés não estivessem firmes no chão. Curvei-me e abri o chuveiro para que ele pudesse ajudar a encher a banheira. Retirei a calça e a jaqueta molhadas e olhei-me refletida no espelho, de corpo inteiro. Imaginei-me com minhas asas e abracei meus próp
Novamente, eu acordei atrasada. Para variar, Carl entrara no banheiro de cima antes de mim, de modo que eu tive que usar o de baixo, cuja água era um tanto fria. Me arrumei. Jeans normal, jaqueta amarela normal e camiseta branca, como sempre. All Star no pé, caminhei até a cozinha e engoli um bolinho que minha mãe tinha feito ontem. Ela não estava ali, portanto não tive ninguém para me despedir. Abri a porta e, quando achei que tudo não passara de um sonho, lá estavam eles, me ladeando – Elemiah e Daniel, meus anjos da guarda. Achei melhor me acostumar com isso. Infelizmente, eu estava sem o Peugeot e tive que ir a pé para a escola. Não que eu não gostasse de uma boa caminhada pela manhã, mas eu estava cansada pela minha morte de ontem e tal. Os anjos estavam silenciosos caminhando ao meu lado, quando eu tive aquela divina ideia... - O que quer que esteja tramando, a resposta é não – disse Daniel. Ele sempre estava carrancudo quando falava, parecia estar constantemente com uma pedra
Naquela manhã eu senti um cheiro bom no ar. Era comida feita em casa? Eu estava deitada em minha cama, com o sol da manhã batendo em meu rosto. Mas o cheiro era de almoço. Agora sim eu estava em apuros: atrasadíssima para a escola. Ainda bem que o primeiro horário era matemática e o professor não estava. Quem sabe eu conseguiria chegar a tempo das aulas após o almoço? Eram dez da manhã. Peguei minha mochila, ajeitei mais ou menos meu cabelo e percebi que eu estava com uma camisola. Soltei a mochila, peguei uma calça e uma blusa de frio de moletom, correndo para a sala. Minha mãe me olhou, abismada: - Kate? - Mãe! Você não tem que trabalhar? Eu estou atrasada para a escola! - Kate, você está de atestado até a semana que vem. Você está com febre ainda, volte para a cama! - Mãe, o que aconteceu!? – quando ela disse aquilo, eu realmente me senti mal. - Você teve uma crise nervosa. No meio dos exames, você desmaiou de sono e acordou só agora. O médico fez perguntas e disse que foi devi
- Sabe, eu queria mesmo aprender a voar, mas eu não levo jeito pra coisa – eu disse, tentando desesperadamente fazer com que Dan parasse de me jogar do céu ao chão. Melhor dizendo, do céu à água, no meu segundo dia de treinamento. Nenhuma desculpa adiantava. Eu tentei dizer que ficaria gripada ou que poderia romper algum órgão interno no impacto com a água, mas não consegui tocar o coração daqueles anjos, que agora eram demônios para mim. Quando eu disse pela milésima vez que eu estava cansada, eles ficaram atentos a algo que eu não consegui saber o que era. - Temos que ir – disse Dan, em tom de urgência, me carregando para longe. - Já não era sem tempo – eu não fiz mais perguntas: estava cansada demais para querer saber sobre o estranho comportamento deles de pararem o treino duas horas antes do que combinamos. Finalmente eu tive um pouco de paz à noite em casa e fui olhar meus e-mails. Após passar pelos SPAMs, notei um e-mail em particular que me chamou a atenção. Era sobre o sho
Eu acordei na enfermaria da escola. Daniel e Elemiah estavam ao meu lado e se debruçaram sobre mim rapidamente. Ambos perguntavam coisas aleatoriamente, eu não estava entendendo nada que eles falavam. Mas eu estava com sede. Com muita sede. - Água... – balbuciei. Nenhuma enfermeira estava ali no momento para me atender. Só estávamos eu, Daniel e Elemiah no recinto. - Água... – falei novamente. Ninguém me ouviu. E demorou um pouco para que eu conseguisse montar as frases que os meus anjos refletiam em meus pensamentos. Eles pareciam discutir alguma coisa. - Precisamos explicar para ela imediatamente – disse Daniel, algo que finalmente eu consegui entender. - Água... O que disse? – engoli em seco, olhando para Dan e, depois, para Miah. – O que têm que me explicar? Daniel e Elemiah estavam com espadas em punho, olhando para os lados e para mim, alternadamente. Havia um barulho esquisito de... coisas quebrando...? - Precisamos sair daqui – disse Elemiah, com urgência. De repente,
- Você está em um sonho – disse Miah, para mim. - Eu estou em um sonho... – eu disse, meio tonta, olhando para os lados e tentando me situar. Eu estava de pé, no meu quarto. Mas estava tudo esquisito... A mobília, o piso e – quem diria! – aquelas paredes que não eram pintadas nunca estavam totalmente brancos. Com certeza eu estava em um sonho. - Eu preciso te dizer algo muito importante – disse Miah, num tom grave que eu nunca tinha escutado antes. Tombei a cabeça, duvidando se era Elemiah interferindo de verdade ou se minha cabeça estava inventando aquilo tudo num sonho. - Não precisa ficar confusa. Sou eu, sim. E tudo o que eu te disser aqui é estritamente proibido que repita para mim no mundo terreno – existia grande urgência em sua voz. - Onde está Daniel? - Daniel só consegue aparecer em seus pesadelos. Finalmente você teve um sonho para que pudéssemos conversar com tranquilidade. - Isso é muito louco – comentei, rindo. – Eu quase nunca sonho. - Então precisamos aproveita
Eu estava correndo como uma desesperada. Tentei fazer com que minhas asas saíssem para que eu voasse, mas não estava funcionando. Olhei para trás e o Dr. Austin estava em meu encalço, com aqueles olhos de fogo horríveis fitando para mim e a boca abrindo revelando dentes amarelos e afiados enquanto ele gritava:- Muito esperta. Só que eu sou mais rápido que isso!Com um salto, ele parou na minha frente e veio me atacar com garras enormes! Derrapei e caí aos pés dele. Virei para trás. Havia uma porta preta atrás de mim. Levantei rapidamente e corri. Abri a porta e atravessei para o outro lado, sem nem saber para onde eu estava indo.Bati a porta atrás de mim mesma com força e joguei-me contra ela, com medo do Dr. Austin tentar derrubá-la em meio à perseguição. No susto, derrubei o gancho de toalhas vazio atrás dela, que bateu bem no meio da minha cabeça e caiu na minha frente, dando uma volta de meia lua ao rolar no chão. Após alguns momentos, nada aconteceu.Meio tonta, fiquei olhando
E lá estávamos nós, no Reino Superior. A cidade branca e dourada pronunciava-se por sobre um amontoado de nuvens. Observei tudo ao meu redor enquanto estávamos na praça central, vi prédios brancos com quinas arredondadas e detalhes dourados, a praça calçada com tijolos brancos, a fonte de anjos na praça e um palacete de vidro. Os portões do palacete se abriram para que nós entrássemos. Após o susto que levei em ver a escadaria onde, em uma visão que tive, eu e Justin jurávamos amor um para o outro, pisei com receio dentro do palacete. Será que ia quebrar?Entrar ali era como entrar naquelas edificações de gelo que artistas esculpiam no inverno. Viajando com meu pai, eu já havia visitado alguns museus que eram assim.- Não faça isso – disse Luviah, baixinho. – Esse dia não é hoje.Olhei para o lado e vi que Justin tinha me estendido a mão, para entrar comigo, mas Luviah o impedira.“O que será que está acontecendo?” – pensei.- Fiquem à vontade – disse Miah. – Em breve seremos convocad