Alejandro Albeniz Eu adiei demais essa conversa, agora corria o risco dela pensar que só contei porque iria ser descoberto, o que de certa forma, acabava sendo uma verdade, mesmo que eu já tivesse decidido contar a Ximena antes, mas acabei protelando e agora estava com a corda no pescoço.Entrei no quintal da casa e Lito veio feliz me receber, então lhe fiz um carinho, ele estava na sua nova casinha. Quando entrei na sala, vi o compilado de caixas dos utensílios que havíamos comprado e Ximena ao fundo da sala, de pé e feição destruída, olhos vermelhos e inchados, com os cabelos por trás das orelhas. Não queria imaginar o pior, foi só quando vi minhas malas à direita, jogadas ao chão, que confirmei que o que eu mais temia, tinha se concretizado.— Ximena, o que é isso? — perguntei, mesmo já sabendo do que se tratava.— Suas malas, seus utensílios críticos, não está reconhecendo? — mesmo visivelmente triste, ela usou de ironia.— Eu iria te contar, fiquei esperando o melhor momento. Ju
Ximena ValverdeEra inverno, mas a segunda-feira amanheceu abafada, pesada, como se o céu soubesse do que estava por vir. Acordei decidida. O fim de semana tinha servido para muita coisa, inclusive para entender que não podia continuar trabalhando lado a lado com Alejandro. Não depois de tudo o que descobri.Ao sair de casa, coloquei no carro todas as compras que Alejandro havia feito para mim e minha casa, sem nem me importar em arrumar direito. Minha vontade mesmo era de colocar tudo num saco e queimar no quintal, mas isso era pouco. Ele precisava ver com os próprios olhos que não podia me enganar. Não queria nada dele por aqui.Para caber toda a parafernalha elétrica que ele comprou, tive que deitar o banco do Terraco, principalmente as duas lavadoras, fui espremida no banco do motorista, a sorte foi que a marcha desse carro era no volante, senão estaria ferrada, não tinha espaço para nada.Quando cheguei à empresa, estacionei o carro de Alejandro na vaga dele. Uma provocação, talv
Ximena Valverde Eu pensei em passar uns dias na casa dos meus pais, porque talvez lá, Alejandro tivesse um pouco de vergonha de vir atrás de mim. No entanto, ele aprovou minha mudança para o hangar de voos fretados, e melhor do que ele me incomodar no meu trabalho, era ele vir aqui em casa e a gente pôr uma pedra no assunto. Quero dizer, uma pedra no nosso relacionamento, porque o assunto ia demorar muito para ser encerrado.E como era de se esperar, um barulho de chaves me chamou a atenção e fui verificar. Alejandro estava entrando na minha sala, mas eu não queria brigar. — Desculpa ter entrado, seu pai disse que iria trocar a fechadura, mas você não o fez, então… — ele pareceu sem graça ao notar minha presença assim, logo de cara.— Eu estava na Granafly quando o chaveiro apareceu. Ele ficou de voltar à tarde, mas até agora não veio. — respondi secamente. — Não precisa, vou deixar as chaves que você me deu aqui, e fica tranquila que não fiz cópia.— Está bem, é só isso?— Não. Ta
Ximena ValverdeAinda era cedo quando a campainha tocou. De pijama e com os cabelos presos em um coque frouxo, caminhei até a porta com certa estranheza. Não esperava ninguém, muito menos a essa hora da manhã. Ao abrir, dei de cara com um entregador uniformizado, segurando uma caixa grande com o selo da Granafly estampado na lateral.— Para a senhorita Ximena Valverde. — disse ele, me entregando a encomenda.Mesmo achando isso estranho, recebi e assinei o recebimento com uma pontada de curiosidade. Estava se aproximando o Dia do Trabalhador, talvez a empresa estivesse distribuindo brindes comemorativos, o que seria bem comum. Devolvi um sorriso simpático ao rapaz, agradeci e fechei a porta, levando a caixa até a mesa da sala.O pacote era maior do que eu imaginava e pesado demais para ser apenas uma lembrancinha, com algo sólido dentro. Talvez uma peça decorativa, uma porcelana ou até mesmo um kit de escritório. Com cuidado, fui até a cozinha pegar uma faca, cortei a fita adesiva do t
Alejandro Albeniz Ximena chorou muito até soluçar abraçada a mim, com a cabeça recostada no meu ombro e eu afagava os seus cabelos desgrenhados. Não tinha muito o que fazer, a não ser envolvê-la em meus braços e tentar passar um pouco de conforto.Apesar de que precisava entender o que se passava ali, tinha algo estranho envolvendo a minha vida e a da Ximena, eu não queria parecer um louco conspirador, mas esse desaparecimento do Lito e o animalzinho aparecer morto, não parecia natural, como muitas outras coisas. Ximena me falou que ela se distraiu no dia em que ela quase foi atropelada, no entanto, não via firmeza em suas palavras, era hora de parar de pensar que tudo isso era uma infeliz coincidência e procurar ajuda especializada.Ela pediu que eu aguardasse um minuto e foi para dentro do banheiro, pelo barulho da água caindo, devia estar tomando banho. Tinha certas horas que a água batendo no corpo nos relaxava, devia ser essa meditação que ela fazia. O senhor Pedro não estava e
Ximena ValverdeQuando minha mãe insistiu que eu fizesse meu casamento na Basília de San Juan Dios, eu achei um exagero fora do tom. Eu queria uma igreja simples e pequena, não essa exuberante, já na fachada decorada com obras de arte barroca e um monumental de entrada flanqueada por colunas salomônicas. Mas a verdade é que agora me sentia uma princesa, que iria encontrar seu príncipe, que a aguardava ansioso no altar.O motorista trajado como tal, abriu a porta e meu pai e eu descemos da limousine alugada. Meu vestido era o mais simples que consegui convencer a minha mãe a comprar, na verdade, mandamos fazer. Não queria anáguas, ficar parecendo um cupcake, mas da extensa grinalda não consegui fugir. Enquanto puxava metros de pano de dentro do veículo, vi meu irmão e minha mãe descerem as escadas à frente da basílica, eles chamaram meu pai em um canto e cochicharam algo não audível para mim.Já com a grinalda enrolada no braço, me aproximei, querendo saber o que eles falavam. — Volta
ALGUNS DIAS ANTES Alejandro Albeniz Assumir a empresa aérea foi algo que sempre almejei. As exigências do meu pai é que tardaram minha volta à Espanha, mais precisamente à Granada. O senhor Albeniz, como quase todas as pessoas desse país, tinha valores arcaicos, acreditavam fielmente que um homem de sucesso e sério tinha que ter consigo, bem ao seu lado, uma “primeira dama”. Apesar de amar o lugar onde nasci, eu estudei na América e passei boa parte da minha vida por lá, me preparando para assumir o Império Albeniz. Não que aqui eu não conseguiria o preparo necessário para administrar Granafly, o problema é que não queria apenas entender da burocracia, fui atrás das especializações e evolução necessária do nosso produto e serviço, por isso fiz todos os cursos que achei necessário, na Boeing. Na reta final da minha preparação, vim para a Europa, mas não para a Espanha, meu destino foi a França e lá também me dediquei às especializações oferecidas pela poderosa Airbus. E foi na Fr
Ximena Valverde Minha mãe e suas ideias, por mim eu preferia ir em lojas de alugueis de roupa, encontrar o vestido do meu gosto. Ela e suas crenças de que a roupa que eu alugasse poderia ter estigmas ruins de outras pessoas e meu casamento desandar. O bom de fazer com uma costureira, é que tudo saiu como eu queria, até os tecidos pude escolher. Estava na última prova, ao me olhar no espelho, me vi linda. Meu casamento seria um sonho. Daqui a dois dias seria a mulher mais feliz do mundo, ia casar com o homem da minha vida.— Filha, tá parecendo uma princesa! — minha mãe falou com lágrimas nos olhos.— Mãe, para de chorar e pega um pouquinho desse café pra mim. — apontei para a garrafa em cima do bufê na sala de costura.Sem demora, minha mãe pegou o copinho descartável e pôs a dose do líquido fumegante para mim.A costureira, que voltava de outro cômodo, tentou prevenir um acidente, mas o efeito foi o contrário.— Não faça isso, não dê café a ela usando o vestido branco! — Ela gritou.