Senti o rosto queimar e um frio espalhar por minha espinha, parando no estômago. Meu corpo ficou completamente travado, como de costume.Flora certamente percebeu o pânico nos meus olhos:- Clara, está tudo bem?- Não... Não está... – Certamente pelo nervosismo, deixei o celular cair de minhas mãos, espatifando no chão – Eu... Preciso de ajuda.A mulher riu, de forma sarcástica:- Mais uma vez? Voltamos no tempo?Não falei nada. Parecia que o destino queria me pregar uma peça. A vida inteira Flora me ajudou e justo quando me pedia um favor, por mais absurdo que fosse, eu lhe negava. Eis que novamente precisava desesperadamente de socorro. E não havia a quem recorrer... A não ser ela e Pedro.- Preciso de você! – Implorei, jogando fora toda soberba e orgulho que tive um dia.Na verdade, nem era ela em si que poderia me ajudar. E sim Pedro, que eu sabia que era bem conhecido no ramo jurídico em Noriah Norte.- Eu ajudo! Em troca, você fará o que pedi. Dormirá com ele.- Será só uma vez?
Aquilo me doeu como se ela tivesse cravado uma faca no coração. Eu tentava não ser uma filha da puta desde o dia que parti de Laranjeiras, no início do ano 2000. Mas naquele momento senti meu sangue ferver:- Renan tem um filho, que se chama Junior. O menino tem 9 anos. É um fofo.- Ele... Casou? – Foi nítida a dor nos olhos dela.- Ele é feliz... Muito feliz. – Devolvi a frase.- E você é feliz, Clara?Eu ri:- Felicidade? Defina felicidade, por favor... Esta palavra não existe mais no meu dicionário.- Eu serei feliz se quando me for, Pedro ficar com você.- Está louca?- Não acho que ele tenha me amado algum dia. Quero que Pedro se sinta livre e com meu consentimento para que fiquem juntos.- Não... Precisamos do seu consentimento... – Fiquei confusa e tentei me defender.- Pedro não ficaria com você em hipótese alguma se eu não permitisse.O que ela queria? Me destruir definitivamente? Eu não tinha como sofrer ainda mais. Foram 19 incontáveis anos vivendo de passado e tentando seg
POV PEDROEu queria me mover, afinal estava na minha casa. Mas não conseguia. Era como se eu tivesse de volta em 31 de dezembro de 1999, quando Clara virou as costas e foi embora, nunca mais voltando. E o pior, casando com outro homem.Era possível que alguém não mudasse absolutamente nada em 19 anos? Para Clara pelo visto sim. Embora um pouco mais magra, seu rosto não havia mudado absolutamente nada. Os cabelos estavam um pouco mais curtos e pareciam mais volumosos. Também os seios estavam notavelmente mais crescidos, pois se sobressaíam ao restante do corpo. Porém naquele azul de seus olhos eu não conseguia ver nenhum tipo de alegria. Era como se a “minha querida” estivesse completamente morta por dentro.Ainda assim... Eu tinha necessidade de pisar ainda mais sobre seu corpo já praticamente sem vida, para que ela entendesse o quanto sofri, desesperadamente... Por 19 anos longe dela.- Achei que “conhecidos” marcavam antes de aparecer. – Falei, desviando os olhos dela e mirando em F
- Ela jogou a pedra nele para defender Artemis. – Flora foi quem me explicou, levantando-se e indo em direção à cozinha.Ficamos nos olhando, sem dizermos uma palavra. Ela passou a palma das mãos no rosto, tentando limpar as lágrimas. Parte da maquiagem borrou, deixando sua pele com manchas pretas. Mordi o lábio, sentindo tantas coisas dentro de mim que que tinha medo de não me conter.A vida toda esperei por aquele momento. Mas nunca pensei que reagiria daquela forma... Tendo força para maltratá-la e querendo feri-la ainda mais, mesmo sabendo que já estava destruída.Será que eu definitivamente odiava Clara?Mas e a parte em que tinha vontade de abrir os braços e apertá-la entre meu corpo e dizer que estava tudo bem e que ela estava protegida e que nada nem ninguém a machucaria de novo?O desgraçado do Patrick Huxley a tirou de mim para maltratá-la?Clara abriu mão de todo nosso amor e planos para viver uma vida desgraçada como a da mãe?Ela umedeceu os lábios e desviou o olhar do me
POV CLARANão tenho certeza de quanto tempo ficamos ali, sem dizermos nada, cada um com seus mil pensamentos passando pela cabeça. Eu tinha muito a falar, mas parecia que bastava ficar ali, ao lado dele, até o dia amanhecer. E quando Flora chegasse, eu sorria e diria que a amava e explicaria que agi sem pensar há anos atrás e queria ficar ao seu lado, se me permitisse. E que se não aceitasse, eu entenderia e não ficaria chateada.- Ele bateu em você? – Pedro me surpreendeu com a pergunta.Demorei um tempo a responder:- Doeu mais o que ele fez com a minha mente... E a alma. – Abaixei a cabeça.- Por que permitiu?- Porque desde que nasci eu vivi criticando a minha mãe. Então o destino talvez tenha decidido que eu tinha que estar no lugar dela um pouco... Para que entendesse que há coisas que não tem explicação.- Por que nunca me deu uma explicação? Por que virou as costas e foi embora como se eu não significasse nada para você? Me traía com ele?- Eu lhe dei uma explicação, embora nã
- Não quero que fuja novamente, Clara. Arranjarei uma forma de livrá-la disto tudo. Vamos ter que alegar legítima defesa e terá que falar tudo que Patrick fez. Precisa denunciá-lo.Eu ri:- Isso vai contra seus princípios... E não quero mudar isso, Pedro. Me indique um bom advogado. Eu fugiria, como sempre... Mas fico em dúvida entre ir e cuidar de Flora.- Eu cuidarei de Flora.- Isso significa que quer que eu vá?- Não... Não quero que fuja. Pela primeira vez na vida, lute pelo que acredita.- E acha que acredito que alguma coisa acontecerá com Patrick? – eu ri – Ele é intocável.- Não em Noriah Norte. Não comigo como juiz.Levantei e peguei minha bolsa. Retirei de dentro da carteira a foto dele, que eu carregava desde que a resgatei da lareira de Patrick, quando morava ainda num morro que pertencia a Gold Coast, na Austrália.A imagem impressa estava gasta e manchada das vezes que Patrick jogava combustível sobre minhas lembranças, ameaçando queimá-las.Entreguei-lhe a foto.- A fo
- Por Deus, Clara... Acorde! – Ouvi a voz ao longe me chamando, enquanto alguém balançava minha cabeça.Tentei falar, mas minha voz não saía e eu não conseguia abrir os olhos. Minha respiração estava acelerada e parecia que o coração batia a ponto de saltar para fora do peito.Senti meu corpo ser erguido, ainda dolorido. Abri os olhos e deparei-me com Patrick. O som estridente dos fogos de artifício coloridos iluminavam o céu.- Não... Não pode ser. Viemos juntos para o inferno? Eu nem fui tão ruim assim. E se eu fui, você deveria estar abaixo do inferno... – A dor não era nada em meio à tantas coisas que eu tinha para dizer a Patrick.- Inferno? – Ele ficou confuso.- Para onde está me levando, seu psicopata?- Psicopata? – Parou de andar comigo ainda em seus braços.Olhei para o lado e vi o mar.- Você... Me trouxe para Gold Coast? – Balancei a cabeça, atordoada.- Gold Coast?- Só sabe me imitar agora? – eu ri, sentindo dor na barriga, tocando-a e fazendo careta – Claro que sim...
Parei, disposta a ficar observando-o por uma, duas, três horas, dias, meses, anos...Dei um passo e ele deu outro. Estávamos a uma curta distância, no meio da rua. Nossos olhos se encontraram e senti uma forte pontada na cabeça, fazendo-me gemer de dor.- O que houve? – Ele diminuiu a distância entre nós – Você está molhada... E... Com cara de dor.- Minha cabeça está doendo muito... – Confessei.- Meu Deus! – Ele me abraçou – Achei que tinha fugido, Clara!O afastei e sorri:- Eu fugi... Me perdoe. Mas nunca mais farei isto, Pedro. Não devia tê-lo deixado para trás, sozinho.- Bem... Me deixou sozinho por 15 minutos – olhou no relógio e sorriu – Me deve a virada do ano.Toquei sua boca levemente inchada, já sem o sangue.- Meu pai... – Fiquei em dúvida do que realmente tinha acontecido, já que minha cabeça doía e eu tinha alguns flashes estranhos com Patrick, a mãe dele, Austrália e Artemis, como se realmente estivesse vivido aquilo, embora imaginasse que foi só um sonho.- Seu pai c