— Lise?
— O que foi? — Estreitei meu olhar sobre ela, preocupada.
— Hoje é Natal! — Inês disse com as bochechas vermelhas ao entrar no quarto.
— E desde quando você liga para isso? — Eu sorri.
— Bem, é que acabei de ouvir que o Victor não vai estar aqui por uma semana! — Ela me devolveu o sorriso, entusiasmada.
Eu, ao contrário, tremi diante do que isso poderia significar aliado às conversas que ele vinha tendo com papai.
— Você ouviu algo mais, Inês?
— Só que ele vai falar com o Carl Hakkinen, aquele membro do conselho que papai não vai muito com a cara — disse ao se jogar na cama. — Você e o Edmund vão poder se encontrar sem medo! — deu um risinho abafado.
— Shhhhhhhhhiu! — eu a recriminei e, depois de algum tempo, me ergui fitando a neve lá fora pelas cortinas. — Não gosto disso, Inês.
— Você está tensa porque namora Edmund escondido de todos, é só isso. — Ela meneou a cabeça enquanto comia um chocolate e se virava de barriga para cima no colchão, agitando as pernas no ar em desenhos imaginários, os cabelos enrolados em papelotes. — Deve ser excitante, né? Ele é tão certinho. Tirar um homem desses do bom caminho é deveras excitante!
— De onde você arruma essas ideias? — Eu agora ria da forma como ela falava do meu envolvimento com o Edmund. Os lábios apertados fazendo biquinho enquanto me sentava ao seu lado. — Olha o que diz... — Fitei-a com carinho, não tinha como ficar chateada com a Inês, ela tinha um modo de agir muito diferente do meu, mas que me completava. Adorava poder tê-la ao meu lado, me fazendo esquecer o que era convencional. Inês sempre foi mais arredia às tradições do que eu, acredite.
— Ahnnn... Edmund — ela debochou, se sentando e se inclinando na minha direção. — Ele beija bem, Lise? — os olhos castanhos alargados nos meus castanhos.
Silêncio enquanto me lembrava do gosto dele, ela me fitou uma vez mais impaciente e me fez cosquinhas, reclamando falsamente:
— Conta! — Empurrou-me, fazendo-me tombar no colchão e se sentou nas minhas pernas, arrancando risadas com os dedos nas minhas costelas. — Se não falar, vai morrer de rir!
— Está bem. — Segurei as mãos dela. — Eu conto, mas para com isso.
— Quero detalhes — ela exigiu ao se afastar.
— Detalhes? — eu me assustei. Como eu poderia dar detalhes se nunca beijara alguém?
— É... foi com língua? Igual aos franceses? — Os castanhos brilharam de curiosidade nos meus .
— Foi — eu disse sem graça.
— E ele te mordeu? — era quase um sussurro de excitação.
— Sim... — Mordi meus lábios ao lembrar-me da sensação quente dos caninos dele na minha pele.
— Uau! — Ela caiu para trás na cama. — Vou pedir para o Augustus me morder.
— Augustus? — eu disse incrédula. Talvez mais incrédula do que desejasse parecer. Ela com o Augustus? Onde eu estava que não percebera isso?
— Uhum...
— Inês, você ensandeceu? — isso realmente me assustava. Augustus vivia metido com os conselheiros desde sempre, nem parecia um Ernöyi.
Você deve se perguntar por que tanta prevenção de minha parte em relação a eles, já que foram escolhidos por nós, os clãs imortais... Bem, isso se deve ao Carl, o mais velho dos Hakkinen. Era ele quem comandava o Conselho na época em que os Oslen foram exterminados, e, apesar de todos os tabus envolvendo a caça de humanos por imortais, o número de vampiros e renegados aumentara assustadoramente nos últimos quatrocentos anos, quando a maioria de nós começou a ser despertada. Um após o outro.
No início, isso gerou uma desconfiança sobre os Duprat, o clã imortal que geria junto com os Hakinnen o Conselho desde a época da primeira guerra entre vampiros e renegados, e que envolveu também os imortais. Entretanto, tanto os Protettori quanto a Sociedade de Órion não obtiveram um indício de que eles estivessem relacionados com a criação de novos seres da noite, caindo a culpa novamente sobre os imortais de segunda classe, vigiados de perto por ambos os grupos. Todavia, quando meu pai foi acordado, as suspeitas deles caíram sobre os Hakkinen uma vez mais. Eles tiveram centenas de anos comandando o Conselho sem intervenção direta dos imortais, já que as suspeitas não se confirmavam e os Duprat eram malvistos, aproveitando-se disso para traçar acordos escusos com os humanos sedentos de poder, época após época.
Uma mão por trás dos panos, das guerras e flagelos de todas as espécies que acometeram os humanos... A Santa Inquisição, usada deliberadamente para exterminar vampiros que estivessem ao lado dos imortais. Afinal, era mais fácil se aproximar deles como meros humanos. Um vampiro colaborador de imortais não teme os humanos, mas se junta aos chamados de infiéis — pelos de sua própria raça — como alvo dessa caçada. Um crime hediondo, tanto aos olhos humanos, quanto aos nossos. Infortúnios de ambas as espécies. O lado mais sórdido de cada sociedade exposto friamente.
Assim também ocorreu com os imortais de segunda classe, os descendentes de nossos clãs que se uniram sanguineamente a vampiros. Infelizmente, ou não, essa relação não gera descendência. Salvo, talvez, se a mãe for uma imortal. Essa é uma teoria de meu tio, que é totalmente passível de ser verdadeira, visto que o corpo de uma imortal resiste a uma gravidez de um ano e não teria problemas em gerar o fruto de um vampiro, exceto pelos tabus. Mas o que isso poderia significar nas mãos de pessoas como aquelas? Um número ainda maior de predadores de humanos com a capacidade de transformá-los em seus semelhantes indiscriminadamente. E se uma nova fêmea surgisse deles? Uma híbrida? O que seria dos humanos? Eu era só pavor quando meu pai me contou isso outro dia, enquanto conversávamos na biblioteca. Ambos acham que essa é a mais nova obsessão de Carl e o temor de todos os líderes dos clãs. A fêmea imortal é considerada sagrada entre os clãs, todas são provenientes de seus líderes e da sua relação com sua noiva... Sua esposa, como vocês denominam. Sua eleita. Suas filhas, então, são destinadas aos irmãos ou primos, casando entre si, como já citei.
Esse é um dos motivos que levou os Hakkinen a não nos exterminar por completo enquanto hibernávamos. Mesmo que tenham conseguido a longevidade, ainda lhes falta o dom da procriação, da manipulação de elementos da natureza e da telepatia. As duas últimas se perderam junto com a faculdade humana adquirida, de usar apenas uma pequena parcela de seu cérebro. Talvez ele nunca conseguisse isso para si, mas era possível que seu herdeiro o tivesse... E havia ainda muitas coisas que Carl desejava obter, e muitas delas que se colocavam ao seu alcance com a boa relação entre Augustus e o Conselho. Quem se oporia a todas as decisões dos conselheiros quando o herdeiro do Clã Real lhes era favorável? Teoricamente, essa posição não poderia ser revelada por meu primo, mas nem mesmo meu tio confiava que ela ainda estivesse em segurança quando ele era visto frequentemente em companhia de Carl.
Eu sempre gostei de me inteirar nas questões políticas do Conselho. Sempre procurei ouvir e aprender o máximo que podia com meu pai, e me doía saber o quanto maculávamos o mundo dos humanos sem que eles se dessem conta, pelas mãos dos Hakkinen. Dentro de minha casa, meu maior inimigo era meu irmão. Dentro de minha existência, meu maior inimigo era Carl. Não havia muitas escolhas positivas, eu pensava naquele momento, mas isso estava muito longe dos pensamentos da minha irmã quando ela prosseguiu no seu modo despachado:
— Ah, que nada, Lise! — Fitou-me maliciosa. — Foi um beijo maravilhoso, molhado e intenso — ela gargalhou. — Lá no calabouço.
— No calabouço? — eu me surpreendi. Aquele lugar me dá arrepios, as histórias que papai me contou sobre a Inquisição davam conta que na nossa ausência o castelo foi usado para prender vampiros caçados pelos humanos e condenados à morte por eles. Seu Inquisidor era, na realidade, o Conselho. A morte? Queimado na fogueira, não há melhor forma de se matar um vampiro ou imortal de segunda classe. Nós, entretanto, só morremos se a ligação entre nosso cérebro e coração for interrompida bruscamente. Separe nosso corpo da cabeça, é o modo mais rápido e seguro.
Então, eu não entendia como um lugar assim, manchado do horror de nossos semelhantes, podia servir de abrigo para o encontro daqueles dois... mas, pensando bem, o Augustus sempre teve gostos esquisitos. Eu evitei pensar nos horrores que aquilo me trazia à mente, como, por exemplo, a minha fuga de Pest há dois mil e trezentos anos. Os gritos daquelas pessoas atacadas por renegados, e o que antes era apenas uma suposição se mostrava agora real, Hakkinen estava por trás de tudo. Com um suspiro, emendei em seguida:
— Está brincando?
— Não... — Ela mexeu no cordão ao redor do pescoço de onde pendia uma opala em forma de Lótus. — Eu não brinco com um beijo daquele. Não mesmo! — Encarou-me cínica e completou: — E você sabe, ele é noivo da Sophie. Não há realmente algo sério entre nós dois, mas eu gosto de estar com ele. E, além do mais, aproveitar minha imortalidade me é imprescindível — piscou-me o olho enquanto gargalhava.
Eu não consegui me impedir de rir da cara dela. Meus medos se perderam nas risadas de Inês. Eu percebia que nós éramos muito parecidas em muitas coisas...
...xxx...
— Edmund — a voz soou atrás dele, no corredor, fazendo seu olhar perscrutar o dela.
— O que houve Sophie? — Ele lhe sorriu, voltando-se para a irmã.
— Desculpe-me... — Ela se inclinou e esticou-lhe as mãos, onde um pequeno embrulho jazia sob fitas vermelhas. — Feliz Natal! — Girou nos calcanhares no mesmo minuto em que Edmund tomava o presente entre os dedos. Num gesto também rápido, ele segurou o pulso dela e respondeu com um sorriso:
— Obrigado, Sophie.
Os olhos dela arregalaram de susto, eu podia ver pela fresta da porta que eu não tive coragem de abrir. Aquela cena aliada ao olhar do ano anterior, que eu presenciara, fazia meu sangue acelerar. Sentia que havia algo mais ali e minhas pernas não se moviam. Nenhuma parte do meu corpo me obedecia e meu cérebro teimava em registrar aquela imagem com uma avidez incrível.
Ainda o vi retribuir-lhe o Feliz Natal, antes de obrigar-me a fechar a porta e me acalmar. Não queria estragar minha semana perfeita com Edmund naquele inverno. Não com coisas que estavam só na minha mente, disse para mim mesma. Precisava acreditar nisso com todas as minhas forças, porque tinha certeza que para ele isso era desconhecido, e assim deveria ser para mim também. Fechei os olhos, tentando afastar Sophie dos meus pensamentos.
... xxx...
Minhas mãos estavam mais frias do que de costume. Em meus três anos de namoro com Edmund, aquela era a primeira vez que, mesmo livre da presença de Victor, eu tinha todos meus sentidos em alerta. Mais ainda do que o cheiro do sangue dele costumava me deixar.
— Sua mão está tão fria — ele observou ao tomá-la entre a sua enquanto descíamos uma escadaria enorme. Meu pé falseou no primeiro degrau quando percebi que já passara por ali.
— Edmund, onde estamos indo? — indaguei quando a escuridão se avolumou a nossa volta. — Tudo aqui parece tão mais frio — confidenciei ao arrepiar.
— É sua imaginação, Elise. — Ele parou no degrau abaixo do meu e me segurou pela cintura. — Eu não iria te levar a lugar nenhum que você não se sentisse bem — os castanhos dele brilharam nos meus castanhos, intensos.
— Eu sei, não estou com medo, é uma sensação diferente.
Ele sorriu e me beijou nos lábios levemente, voltando a descer a escada. Dois lances depois, e parávamos em frente a uma porta dupla de madeira. O archote na parede crepitava ferozmente, lançando nossas sombras sobre ela. As paredes eram ainda mais frias. Pedras sobre pedras, em desenhos retilíneos... sulcos de terra. O silêncio quebrado apenas pelos nossos passos que transpuseram o portal assim que Edmund a abriu com um toque leve. O cheiro de vela entremeado pelas notas do sangue dele, que ganhava um efeito avassalador sobre mim e entorpecia minha mente. Por que me sentia mais inquieta diante dele do que o de costume?
Eu interrompi meus passos tão logo a porta se fechou às nossas costas enquanto assistia a ele se afastar... Como num sonho. Tão lento e tudo a minha volta se tornava mais escuro e borrado de vermelho. Eu conhecia aquele lugar, já tinha estado ali antes, na noite em que fugi de Pest. Por que eu tive que partir? Minhas memórias estavam voltando. Nós fugimos porque éramos os únicos que sabíamos onde os Ernöyi ficariam hibernados. Meus olhos se alargaram ao me lembrar da explicação de papai quando cheguei ao final do túnel... O túnel que havia atrás de alguma daquelas paredes. Eu pisquei ao pensar que o havia protegido esse tempo todo. Que ironia! Eu tremi.
O vermelho das velas, do meu sangue que rastejava ainda mais incandescente nas minhas veias, serpenteando longamente pelo meu corpo... Intenso. Os meus olhos, agora rubros, que o focavam junto ao manto de pele branca... Branco como a neve, imerso nas pétalas de Flor de Lis lançadas displicentemente sobre ele... As flores que eram as minhas favoritas, com suas pétalas azuladas e que nunca ultrapassavam o verão. Rendiam-se ao manto branco que a tocava, tão delicadas. Seria isso um sinal? Eu também me renderia a ele? Desapareceria sob aquela pele alva?
Como podia pensar tal coisa? No entanto, aquela atmosfera me seduzia, meu sangue borbulhava e o que havia dentro de mim ganhava forças sem hesitar. Branco contra o vermelho. Imaculado contra o pernicioso. Lis e sangue, minha perdição. Eu arrepiei ao fechar os olhos e sentir todo meu corpo estremecer diante da minha mente, do gosto que brincava entre meus lábios sem se provar, a imortal em meus sentidos. Por que minha necessidade de mordê-lo vinha à flor da pele? Brincava com meus pensamentos e os tornava indignos? Leviana, eu protestei sem conseguir me mexer, nem falar, e ele retirava o casaco lentamente, num movimento sincronizado ao desejo dela... dentro da minha cabeça, como se fizesse aquilo apenas para inebriar ainda mais minha mente, sob o comando dela. Eu não posso estar realmente vendo aquilo, meus sentidos estão me pregando uma peça, argumentei comigo mesma. Mas ela sim — contrapus em pensamento, me tirando o ar e me obrigando a abrir os olhos, fitando-o em rubros. Na posse dele, vendo-o à minha frente, perigosamente igual às imagens anteriores, sem o casaco... Meu corpo reagindo à presença dele sem que eu o controlasse. Os meus olhos rubros brilharam nos dele, sentindo o sangue dele ferver pelo meu, que respondia em igual intensidade como um fogo incansável. Era essa a sensação de pertencer a um sangue puro? Ser chamada e domada pelo cheiro dele?
— Isso é para você. — Ele retirou do bolso um cordão de ouro com uma ametista em flor, em forma de Flor de Lis. — No inverno elas nunca florescem, mas esse sempre foi o único momento em que tive você para mim.
Será que ele sabia o que fazia comigo? Como me roubava de mim mesma e me calava, deixando apenas aquele ser em mim, sobre o qual eu não tinha o mínimo controle? O beijo quente selou nossos lábios frios, cessando minhas dúvidas; os braços rodearam meu pescoço, atando a corrente ao seu redor e deixando os dedos sobre minha pele num carinho. Tomando cada pedaço da minha boca, envolvendo minha língua, me queimando por dentro. Minhas veias latejavam por todo meu corpo no compasso ditado pela sua boca na minha, dona de mim, da minha vontade. Fazendo com que me abandonasse completamente nas mãos dele que corriam meu corpo, na sede de mim. Não adiantava lutar contra o que eu sentia... Queria aquela loucura, estava no meu sangue e pedia para vir à vida pelas mãos dele.
Fui eu ou ele quem começou aquilo? Apenas me lembro dos beijos longos, da língua morna e dos tecidos que se rendiam aos nossos dedos, expondo nossos corpos aos escarlates. A pele clara contra a minha, num primeiro contato do meu corpo com o dele, sem barreiras. Eu o encarava com olhos arregalados, sem saber como impedir os arrepios cada vez mais intensos que corriam sob minha pele diante do desejo dele, expresso nos olhos rubros que me admiravam. Nos toques dos dedos cálidos, lentos, como se descobrisse um mundo novo igual a mim. Cada parte da minha pele explorada pelos movimentos dele, longos e precisos, me fazendo fechar os olhos e senti-lo, mesmo que meu rosto queimasse de vergonha, ela desejava mais daquilo e eu me entregava às mãos dele, sempre gentis.
— Você é perfeita, Elise. —Eu arrepiei sem querer fitá-lo, com medo de não conseguir segurar a intensidade do meu olhar no dele. — Não só no seu cheiro — sussurrou ao meu ouvido —, mas na pele — eu não me pertencia, não ditava regras ao meu corpo que tocava o dele insanamente. Meus seios empinaram no simples roçar dos lábios que deslizaram pelo meu pescoço na direção do meu colo, ansiando pelo seu toque — e no gosto... — Atendeu ao pedido deles, envolvendo-os com a língua.
O cheiro de sangue presente em tudo, nas minhas unhas que lhe arranhavam as costas, o ventre, conforme ele prosseguia em suas carícias. Era eu mesma quem fazia aquilo? Como consentia que a língua dele me tomasse para si daquela forma? Minha vontade de tê-lo era ainda maior, vibrava em vermelho, nas minhas veias e na minha mente... em uma doce tortura. Minhas presas instintivamente se pronunciaram, procurando pelo pescoço dele, eu precisava calar aquilo.
Velas, Lis e sangue... O dele.
As mãos fortes que mantinham meu corpo seguro e não davam trégua nos carinhos sempre mais insanos; abraçavam-me e me abandonavam, rendiam-me à vontade dele. Eu o queria em cada parte de mim, queria prová-lo. Queria me perder naqueles toques, no sangue do príncipe. Príncipe, a palavra me fez recuar.
— Não tenha medo — segredou, a boca aberta sobre a minha enquanto prendia meu rosto entre os dedos e vermelhos me pediam para não voltar atrás quando os fitei.
— O que está acontecendo comigo? — murmurei já sedenta dos toques dele, do gosto pronunciado na minha boca, do calor do sangue dele que ainda não sentira nos meus lábios. Fosse o que fosse aquilo, meu corpo queria mais, minha alma reclamava a posse dele. O que ia ser de mim quando aquela loucura tivesse fim?
— Desejo... — Não podia ser tão simples, tão intenso. Eu negava aquilo em mente e aceitava em corpo. — Você me deseja assim como eu a você... Uma vez que eu provei do seu sangue e me entreguei a você isso invariavelmente aconteceria.
— Alteza — resfoleguei e fui calada por um novo beijo, apaixonado, urgente. As mãos que me retiraram do chão me deitaram no manto branco, minutos depois, sem abandonar meu corpo, envolvendo-o.
— Eu esperei isso por anos, Elise... E por muitos deles você esteve me protegendo. — Tomou meus lábios uma vez mais, prendendo-os entre os caninos por longos momentos. — Quando sua mãe me despertou, eu jurei ter visto você. — Escorregou os lábios sobre minha garganta, murmurando: — Eu queria que fosse você ali.
Seus olhos vermelhos que voltaram aos meus, ternos. Deveria ter vergonha de sentir aquilo? De estar nua? Não, minha sede dele era mais forte que meus pudores. Eu não os tinha mais, não os queria. Guiava meus dedos por suas costelas, pelos músculos do abdome, e o fazia gemer o meu nome entre meus cabelos. Eu era a fêmea entregue à libido, lasciva sob a boca que me domava a fome.
Ele consumia meu corpo com seu desejo, minha mente com seu desespero, meu sangue com seu veneno. E não me bastavam mais os toques, os beijos; eu sufocava, eu ardia. As veias pulsavam rápidas pela falta do sangue dele. Não agora, supliquei mentalmente, por favor. A língua sobre minha pele, delicada, e eu implorando pela mordida. Os olhos vermelhos nos meus, brilhantes.
Ele me abraçou, me trazendo para o seu colo. Minhas mãos enterradas nos cabelos dele, levando aqueles lábios aos meus.
— Me devore — eu sublinhei com um sorriso.
— Elise... — Meu nome num fio de voz, as mãos espalmadas nas minhas costas, me sustentando em cima dele.
— Por favor, Edmund — eu pedi. Os olhos cerrados, sentindo minha pele queimar por ele. — Eu preciso de você em mim — completei suavemente.
— Meu amor — o carinho das palavras ao descer meu corpo sobre o dele, com cuidado, admirando cada linha de dor e prazer que provocava, abafando os gemidos que escapavam dos meus lábios com beijos. As duas palavras repercutindo na minha mente enquanto ele se movimentava dentro de mim, devagar, e me ensinava a dar-lhe prazer.
Era meu o corpo dele, preso entre as minhas pernas, se perdendo no meu toque. As presas que deslizavam no meu pescoço e ferviam meu sangue, ansioso pela dor da mordida.
Sangue e prazer juntos. E ele bebia da minha inocência derramada, tomando o meu corpo em êxtase e fazendo-o tremer sob o seu.
— Edmund — rosnei baixinho.
Meu prazer humano, o prazer daquele corpo, ainda não aplacava a ardência insuportável nas minhas veias, que clamavam pelo sangue dele. O animal despertado em mim só reconhecia o amor em sua essência primitiva e foi a vez das minhas presas roçarem de leve a pele branca quando ele abandonou a minha.
— Isso, beba — as palavras ditas em cumplicidade, entre aquelas paredes maculadas por nós dois, me chamando. Cegas no cheiro do sangue dele, consumando um amor proibido.
A mão dele me guiou pela nuca enquanto me oferecia o pescoço e me fazia rebolar sobre seu quadril mais intensamente. Sem razão, movida apenas pelo instinto... O instinto da imortal em mim, do animal que eu era. Bebendo do sangue do meu mestre, sorvendo-o longa e deliciosamente, sentindo-o pulsar dentro de mim incontido, tão entregue quanto eu ao prazer que era me preencher duplamente de si mesmo... Misturado ao meu sangue, ao meu corpo, nas nossas pernas entrelaçadas.
Doce era o pecado que cometíamos.
Ele voltou aos meus lábios quando ainda tremíamos sobre nós mesmos, onde o sangue dele ainda jazia, me fitando em vermelhos intensos.
— Eu te amo, Elise — disse-me docemente, num carinho deixado sobre meu rosto, no braço que ainda me mantinha sobre ele. — Sempre seremos um só... Sempre.
Não havia mais inocentes naquele quarto; no lugar onde ele me perdera um dia, eu o encontrei. Não havia volta para o que fora dado e tomado. O manto branco estava manchado de sangue.
...xxx...
Eu estava sozinha na sala quando Victor entrou; os passos que ainda deslizavam para o meu lado quase que silenciosamente e aos quais eu não queria dar atenção. Entretanto, como me impedir de sentir isso? Eu estava estranhamente só ali dentro, Inês fora patinar com Sophie e Edmund saíra com papai, meu tio e Augustus. Não restavam muitas alternativas, e tinha certeza de que se me levantasse e saísse, seria ainda pior. Eu conhecia meu irmão muito bem.
A almofada cedendo ao peso dele bem do meu lado me alertou para o inevitável. Uma conversa que certamente não nos levaria a lugar algum, ou o levaria para uma nova tentativa de me beijar. Eu já formulava mentalmente minha fuga, já que dessa vez qualquer ajuda estava há um raio de quinhentos metros longe de mim. O cheiro forte de absinto fazia minhas têmporas latejarem, tudo o que queria sentir naquele momento era a proteção do meu imortal, o cheiro doce dele... os braços a minha volta como ele havia prometido para mim, me levando para longe dos olhos amarelos. Por que Victor tinha que chegar justamente no único dia da semana em que Edmund não estava em casa?
Eu me encolhi na outra ponta do sofá, sem desviar os olhos do livro, minha mente procurando refúgio nas lembranças da noite em que me tornara amante do meu primo.
Não tinha noção de quanto tempo ficara naquele cômodo, o quanto nos provamos, nem tampouco as inúmeras vezes em que eu havia sido possuída por ele. O mundo se resumia ao calor dos nossos corpos entrelaçados sobre o manto de pele, e nenhum de nós dois parecia querer quebrar a magia do momento, apesar da certeza de que nosso relacionamento era muito frágil diante de tudo que aquela porta de madeira escondia por detrás de sua aparente resistência. Ela nos separava de uma realidade assustadora, que podia nos envolver e nos roubar um do outro a qualquer instante, ainda que soubéssemos que lutaríamos contra aquilo.
Mesmo entre imortais a traição é crime, e nós traímos nossa família por sermos incapazes de trair nossos corações. Isso era tão errado assim? A voz dele, no entanto, sussurrada em meu ouvido, com carinho, me trazia calma, me fazia acreditar que nós, um dia, poderíamos vencer aquela tradição da família de casar irmãos com irmãos, mantendo nosso sangue imaculado por gerações. Eu nunca pertenceria daquela maneira ao Victor, e jurei isso para mim mesma naquele dia. Para mim, e para ele...
— Por que não tenta virar a página do livro? — usou de sarcasmo ao se aproximar do meu ombro, me arrancando dos meus pensamentos. — Ao menos fingiria melhor que está lendo.
— Achei que voltaria junto com papai e o titio — eu disse simplesmente, sem fazer o que fora sugerido.
— Sabe, eu nem os vi no Chateau dos Hakkinen — ele sussurrou mais próximo, afastando a mecha do meu cabelo e roçando os lábios sobre meus ombros. Eu fechei os olhos, contendo minha vontade de chorar e o ouvi sibilar enquanto arranhava minha pele com suas presas: — Eu queria lhe fazer uma surpresa.
— Pare — pedi baixo, não adiantava gritar, ninguém viria em meu auxílio, nem mesmo mamãe. Ela descansava no andar de cima, e eu não tencionava aborrecê-la. Não daria esse gostinho a ele. — Por favor.
Ele continuou por um pouco mais de tempo, me fazendo retesar ainda mais entre seus dedos enquanto deixa os lábios longamente sobre minha pele.
— Sabe — ele sorriu sobre mim —, eu não esperava nada tão providencial quanto nós dois sozinhos nessa sala.
Eu estava perdida. Aquilo certamente significava perigo. As mãos apertadas nos meus braços deslizaram sobre eles, me mantendo colada ao corpo dele.
— Diga o que quer de mim, Victor — exigi, presa aos braços que não me deixariam sair dali facilmente, não sem ter o que viera buscar, mas eu me sentia mais forte em rebatê-lo, precisava mantê-lo longe de mim.
Ele me apertou ainda mais forte contra seu peito, um sorriso no rosto, sádico, que eu não precisava ver para sabê-lo ali.
— De onde veio toda essa sua petulância em me evitar? — Ele se inclinou sobre mim, tomando meu queixo entre os dedos, com força, e levando meu rosto ao alcance da língua dele, que passeou pela minha bochecha. — Você anda muito próxima de Edmund, não é? — Eu segurei a mão sobre meu rosto com a minha, mas não tinha tanta força para detê-lo, e fui reprimida pela mão livre dele que segurou as minhas fortemente, torcendo-as para trás do meu corpo num único movimento. — Tsc... Você não era assim, Elise.
O que eu ia fazer? Estava entregue àqueles dedos sujos que escorregaram pelos meus braços e alcançaram a minha cintura, afrouxando a fita do corpete entre os ilhoses enquanto a língua brincava em meu pescoço, em meio às rendas da gola. Maldito! Eu não lhe dava esse direito! Porco, imundo!
— Eu não lhe permito tal intimidade, Victor! — Forcei minhas mãos contra o peito dele. — Pare!
— Tamanho recato não combina com o que somos, princesa. Além do que, eu lhe avisei que seu príncipe não iria estar sempre por perto para proteger-lhe. — Torceu ainda mais meus pulsos, me fazendo gemer baixo. — Não há papai, mamãe... Nem mesmo Inês. — As lágrimas escorreram por dor e ódio e, suavemente, ele tocou meus lábios com os dele. Um mero contato revidado por mim com uma mordida, deixando um veio de sangue escapar pelo canto de sua boca. Os olhos vermelhos dele brilharam nos meus enquanto enxugou o sangue com o dorso da mão e sorriu, murmurando: — Aprendeu a morder, minha cara? — Meus olhos vidraram na raiva dos dele. — Então, eu vou te ensinar o que é dor... E como ela pode ser prazerosa.
Eu iria protestar, mas não conseguia me mover. Como ele fazia isso?
— Sem fala, chérrie? — ele segredou enquanto me deitava no sofá e corria os dedos pela pele do meu colo, afastando o tecido fino da chemise com um sorriso. — Está vendo como sempre foi fácil para mim ter o que quero? Em qualquer momento? — Eu estava apavorada com as mãos que tateavam meus seios sobre a blusa, calmamente. — Eu não queria que fosse assim, Elise — debruçou-se sobre mim e me beijou a testa —, mas você não me deixou alternativas. Não me deu chance de provar que poderia ser diferente e envolver amor. — Riscou um novo sorriso cínico nos lábios ao se afastar e pôr a mão no bolso da calça, tirando de lá uma caixinha parda. Eu tremi, o que seria isso? Outra perversidade dele? Ele a abriu calmamente, retirou algo de lá e devolveu-a ao mesmo lugar.
Então eu vi o brilho vermelho entre os dedos dele. Ele tomou minha mão e escorregou um anel pelo meu dedo, dizendo cínico:
— Pronto, isto servirá para que não se sinta tão maculada quando terminarmos nossa brincadeira. — Ele riu sobre mim. — Os humanos católicos fazem assim ao tomar uma noiva para si, e já que você gosta de se manter fiel às regras deles de comportamento, eu faço questão de lhe prestar esse mimo. — afastou o cabelo do meu colo, e eu pude ver o olhar dele escurecer diante da visão da corrente de ouro, oculta até então sob o tecido do vestido. — O que é isto? — Tomou a ametista em forma de Lis entre os dedos, analisando-o. — Alguma coisa que a mamãe lhe deu? — Desviou o olhar para mim e voltou a sorrir, aquele sorriso maléfico que me arrepiava. — Também não funciona contra meu poder, doçura. — Ele se debruçou novamente sobre meu corpo, lambendo-me o pescoço. — Eu tomo de você o que quiser. A hora que eu quiser... — desfez totalmente o laço do meu corpete, dando-lhe total acesso ao tecido fino logo abaixo — E da forma como eu desejar.
Pânico. Eu estava em pânico.
— Não na minha casa — a voz de meu tio chegou grave até nós, detendo-o e fazendo-o romper o contato visual comigo, livrando-me da sua posse. Colocando-o de pé, numa curta reverência.
— Desculpe-me, Ernöyi — sibilou ainda inclinado na direção do nosso tio enquanto eu tentava ajustar novamente meu corpete, trêmula, coberta de vergonha. Não precisava olhar para saber que o Edmund estava em pé do lado do pai, e o sangue dele borbulhava de ira por sua impotência diante da cena. Mas eu... eu me sentia indigna até mesmo de estar ali.
— Nunca mais faça isso, Victor — meu tio o recriminou severamente. — Mesmo que ela seja sua noiva, um Ernöyi não toma uma mulher contra sua vontade. Nem usando de seus poderes. Fui claro?
— Sim, alteza.
— Elise, está bem? — ele se dirigiu a mim, preocupado, mas eu não conseguia falar, minhas lágrimas escorriam impunemente. Antes de mais qualquer pergunta, ou de encarar Edmund, eu deixei a sala em passos rápidos sob o olhar atento dos quatro homens.
— Sophie? Inês? — Eu o ouvi chamar pelas duas sem obter resposta e completar vencido: — Edmund, vá ver como sua prima está, não a quero sozinha até uma das meninas aparecerem — o pedido dele chegou aos meus ouvidos enquanto eu descia o corredor, enxugando minha vergonha que desabava sobre mim na forma de mais lágrimas.
...xxx...
— Elise — a voz dele soou assim que entrei no quarto, fazendo-me paralisar e erguer o olhar. Ele saiu das sombras na minha direção. Como eu queria chorar ainda mais ao ver o semblante preocupado dele.
— Edmund — minha voz embargou e corri até ele, me abrigando nos braços que me apertavam com força contra seu corpo, deixando um beijo carinhoso entre meus fios pretos.
— Eu quis matá-lo — segredou, acariciando meus cabelos. — E um dia ainda faço isso, Elise. Eu juro. — Ele ergueu meu rosto até o dele. — Ele te machucou?
— Não.
— Eu não me perdoaria se algo pior tivesse acontecido. — Fitou-me com carinho, inclinando o rosto sobre o meu. Meu sangue fervia, meu corpo cedia ao dele. — Eu não o deixaria vivo.
Os polegares passearam pelas minhas bochechas gentilmente enquanto o restante dos dedos enterrava-se nos cabelos sobre a minha nuca e levavam meus lábios até os dele, num toque doce. Beijando-os aos poucos, num provar carinhoso de gosto suave. Trazendo-me nas pontas dos pés para enlaçá-lo pelo pescoço, aprofundando o beijo. Deixando minha língua envolver a dele num bailado sensual enquanto me tirava do chão e me abraçava colada ao seu corpo, tomando minha boca com desejo e nos roubando o fôlego.
A porta foi aberta e a exclamação da Inês quase nos tirou o chão:
— Lise! — Os olhos azuis surpresos sobre nós dois, que nos separamos rapidamente enquanto ela encenava ainda do corredor. — O titio pediu para que eu viesse vê-la. — Fechou a porta, passando a chave. — Ora, ora, Lise e sua alteza... Tão lindos. — Ela nos deu um breve sorriso, voltando a ficar séria em seguida. — E se fosse Sophie? Ou a mamãe?
— Desculpe-me, Inês. — Ele deixou os olhos castanhos sobre mim. — A culpa foi minha, eu deveria ter sido mais cuidadoso para não expor sua irmã. Isso não vai se repetir.
Inês assentiu levemente com a cabeça e se virou para mim exclamando:
— O titio disse que você passou mal? — Ela franziu o cenho, incrédula. — O que aconteceu para eles se trancarem na biblioteca a essa hora? Você me parece bem...
Corei ao me lembrar do que acontecera e não me senti bem em ter que falar sobre isso na frente de Edmund. Era óbvio que a cena presenciada por todos falava por si só, mas revivê-la na presença dele só geraria mais desconforto em nós dois. Desviei meu olhar para ele, que leu minha inquietação com os olhos e, compreensivo, me beijou a testa.
— Vou deixar você com sua irmã — disse baixo e tomou a direção da porta.
— Sério... — ela recomeçou quando a porta foi fechada — Você está louca de beijá-lo aqui?
— Não, eu sei que foi um erro, Inês, mas o titio o mandou ver como eu estava, já que nem você nem Sophie atenderam ao chamado dele. — As imagens do Victor sobre mim vieram uma a uma na minha mente e eu tremi.
— O que foi, Lise? Por que o titio me mandou vir até aqui? — ela disse agitada. — Fala logo!
— O Victor... — Aqueles olhos amarelos nos meus, rajados de malícia e determinação, pareciam tão reais que as lágrimas vieram. As mãos que me tocavam ainda estavam ali, sobre minha pele. Eu arrepiei, enterrando as unhas nos meus braços e caindo de joelhos no chão.
— Lise! — Ela se ajoelhou na minha frente e me abraçou, acarinhando meus cabelos. — Calma. Não precisa me contar nada — sussurrou ao meu ouvido. — Vai ficar tudo bem.
Eu a abracei com toda força que tinha, escondendo-me entre os cabelos dela. Desculpe-me, Inês, deixar esse peso sobre você... Desculpe-me.
Hungria — Buda, 1786Durante seis meses daquele ano, Victor se manteve distante do castelo dos Fejéryi, em Buda, provavelmente uma decisão tomada numa das conversas na biblioteca dos Ernöyi, pelos homens da família. E eu me perguntava que motivo forte o levara a se ausentar por tanto tempo; ele não era do tipo que me deixaria livre por aí, nunca fora. Devia ser algo do qual os Ernöyi não abririam mão que Victor cuidasse, e muito provavelmente ele também não... Mas em que o meu irmão poderia ser tão útil? Eu divagava... tolices... Não tinha como negar que me sentia melhor em poder andar pelos corredores sem a tensão de encontrá-lo num
As ruas de Buda estavam cheias, como eu imaginava, não tanto quanto Pest, que tinha mais opções de comércio, mas a recém-restituída capital da Hungria se tornava o centro das atenções naqueles dias. A vinda da família Real sempre causava um certo furor na nobreza e na burguesia local, já que os bailes sucediam-se uns aos outros, numa apologia aos gastos das castas afortunadas húngaras. Qualquer família, com filhas abaixo dos dezoito anos, organizava festas para apresentá-las à Rainha para tentar, quem sabe com um pouco de sorte, tê-la como preceptora delas. Essa era uma das vantagens de ser imortal: meus pais não iriam se prestar a um papel desses para que eu e Inês desfilássemos como protegidas de Maria Theresa nos eventos da Casa d'Austria. Entreta
— Elise — a voz me chamou calma quando eu passei pela porta da biblioteca. — Podemos conversar?— Sim, papai — eu assenti, entrando na atmosfera quente e almiscarada. — Feche a porta, sim? — disse com carinho.Após feito o que me fora ordenado, dirigi-me ao pequeno divã junto à sólida mesa de carvalho ocupada por ele. Os intenso
É certo o que estamos prestes a sofrer?Eu me perguntava sob a luz fraca do sol da manhã, a única hora que nós realmente podíamos sair de casa sem muita preocupação com nossa pele. Não que ela realmente sucumbisse aos raios solares, ou virássemos cinzas, como dizem as lendas por aí... De longe seria um esboço da verdade. Nossa sensibilidade é alta, é fato, e talvez você possa nos comparar nesses termos aos humanos albinos. Então, pode ver que não é nada impossível sair à luz do dia, não é propriamente aconselhável nos expormos muito tempo a ela. Aquele dia em especial, o sol brilhava entre nuvens, ou melhor, quase não o fazia, e eu me deixe
Romênia — Condado de Vaslui, 1786O homem louro nos aguardava em frente à construção de pedra, que, a julgar pelas torres altas, datava da época das Cruzadas. Nosso anfitrião, no entanto, não aparentava mais do que uns vinte e cinco anos e uma ótima forma distribuída nos seus um metro e oitenta de altura e pele clara. O olhar verde caiu sobre mim e Edmund, acompanhado de um sorriso e uma fileira de dentes perfeitamente brancos. Ciganos ou não, eu tinha que admitir, como certamente Inês o faria, que imortais são belos por natureza. Já lhe disse isso, não? —
Confesso que a travessia por terra fosse bem mais atraente do que a marítima... Mesmo que levasse quase um mês e não houvesse trégua para outra coisa que não dormir até a próxima troca de cavalos. Parcas refeições em refúgios improvisados. Celeiros, tavernas, nunca saberei em quantos pontos diferentes eu dormi, ainda que Edmund sempre velasse meu sono e me aninhasse em seus braços. Eu não reclamava, não haveria dificuldade maior no mundo do que viver longe dele, e era disso que eu fugia... Que me apavorava mais do que a visão de Victor. Já estávamos há quinze dias nessa rotina, quando ele intercedeu por um prolongamento da parada, nos trancando durante um dia inteiro dentro do quarto da es
— Milady — eu o ouvi me chamar ao longe. As feições mal delineadas por mais que eu tentasse focá-las. — Elise, o que houve? — a voz dele demonstrava urgência e preocupação quando eu senti as mãos dele sobre as minhas.— Eu... — Meus olhos turvaram ao lembrar-me das palavras do meu tio. — Você estava ca&
Eu não vi András pelas seis horas seguintes até que o jantar fosse servido. Ele entrou em silêncio, como sempre fazia, sentando-se na cabeceira da mesa e me dirigindo um solene “boa noite”. Serviu-se de sua fruta predileta, maçã, e degustou o líquido na sua taça. Somente o som dos talheres nos envolvia, mas eu achava que havia ficado muito tempo remoendo o episódio daquela tarde. Se ele conseguia se manter impassível por dias, o mesmo não se dava comigo. Eu precisava de respostas e já.— Achei que estava com saudade de Pietro — arrisquei sem fitá-lo, cortando o brócolis delicadamente. — Todavia...