O CONDADO DE SZOLNOK era localizado cerca de 100 km da capital húngara Budapeste e tive trabalho para encontrar o sobrado de esquina onde a amante de meu irmão devia estar escondida. Após frequentar o bordel onde ela trabalhava e interrogar algumas das prostitutas casualmente acerca do sumiço de Hajna, eu havia descoberto através de minha telepatia que Shirley, a magricela que eu havia abordado mais visceralmente, era a melhor amiga da loira dançarina de czardas. O endereço que ela havia me fornecido de maneira indireta era preciso e eu invadi o local pelo telhado, ouvindo a pulsação acelerada da garota no quarto a fazer as malas.
— Está indo viajar, prostituta?
Os olhos verdes de Hajna se arregalaram quando ela me viu despencando do telhado frágil logo em cima dela, começando a comprimi-la contra o chão rústico do quarto de pouco mais do que cinco metros quadrados.<
O ESCRITÓRIO DE ANTROPOLOGIA Social onde Gavril trabalhava ficava localizado numa das últimas salas de um corredor mal iluminado e abandonado nos fundos do Museu Nacional de História. O aspecto em seu interior era tão caótico quanto parecia do lado de fora e um sem número de bugigangas e manuscritos volumosos se empilhavam em estantes pessimamente organizadas. Enciclopédias de capa dura brigavam por espaço com quinquilharias de todo tipo e perdi um tempo observando as divisórias de madeira entulhadas em três das quatro paredes do local que mais parecia um depósito para objetos obsoletos. Logo que entrei, meu olfato foi agredido por um odor acre de mofo proveniente do acúmulo de papel velho naquela sala e o rapaz me indicou uma poltrona desgastada largada num canto enquanto ele se dirigia até a estante à direita da porta de entrada.— Deve estar aqui em algum lugar. Me d&ecir
A SEGUNDA SEMANA sem notícias de meu irmão foi a mais cruel de todas e de repente, comecei a acreditar que não conseguiria mais salvar Costel das garras de seus raptores passado tanto tempo. Eu conhecia bem o que era ser torturada e queimada viva por bruxos malignos que tentavam dobrar minha vontade psíquica e sabia também que as defesas mentais de meu irmão podiam não ser tão fortes quanto as minhas. Adon e Iolanda tinham tentado ferrenhamente dominar minha mente com o auxílio de sua magia arcana e eu só tinha conseguido sair com vida daquele porão por causa da ajuda de Alejandro. Eu tinha passado horas sob o jugo dos dois e carregava até aquele momento as cicatrizes que o amuleto incandescente havia me causado na pele. Costel já estava preso há uma semana. Os danos agora podiam ser irreversíveis. “Oh, meu irmão. Aguente firme, por favor! ”.Al
NA SEMANA SEGUINTE, meus talentos como empresária foram requisitados em uma mina de carvão na Rússia e eu tive que viajar para Moscou para representar a Rassvet mais uma vez. Agora que Costel havia desaparecido, todas as funções de supervisão da empresa tinham recaído sobre mim, o que me manteve ocupada por um bom tempo no país gelado. Era inverno na Europa e apesar de aquilo significar cada vez menos luz solar e menos desconforto durante o dia, a neve abundante que caía naquela época do ano dificultava bastante o transporte entre as cidades mesmo com trens e automóveis à disposição.Eu estava na sede da Rassvet em Moscou resolvendo algumas pendências jurídicas da mineradora quando recebi um telegrama endereçado a mim escrito por Gavril. Ele e a Teia haviam encontrado enfim o paradeiro de meu irmão e a mensagem me mandava embarcar imediatamente para Don
HAVIAM MUITAS VOZES e ecos no interior do galpão atrapalhando meus sentidos e demorei a me sintonizar com Gavril. Sua mente era um caos e as frases “vai dar tudo certo” e “estou fodido” se repetiam diversas vezes em mesma proporção. Ele havia guardado o revólver .38 entre as pernas, certo de que não seria revistado ali na entrada, e assim, ele passou facilmente por um irmão da seita que estava fazendo trabalho de guarda para todos que chegassem ao prédio. Gavril não sabia precisar, mas havia quase uma centena de outros irmãos no interior daquele lugar, todos devidamente trajados com a mesma toga vermelha que os doze membros usavam no prédio em Subotica. Ele encontrou Piotr logo que adentrou o saguão principal e o rapaz, que tinha a mesma idade que ele, o levou em direção a um totem onde uma espécie de cuia com um líquido espesso e vermelho os esperava.
A PRIMEIRA GUERRA havia causado um impacto gigantesco ao redor do planeta, o que enfraqueceu de maneira drástica a economia mundial após seu término sobretudo nos países da Europa. A Grande Depressão de 1929 encontrou os alicerces europeus bastante estremecidos colaborando assim para um período longo de recessão que só teria fim próximo ao final da década de 40. A chamada Crise de 1929 abalou o sistema capitalista causando altas taxas de desemprego, diminuição na produção industrial e queda no preço das ações em medidores de atividade econômica pelo globo. Por onde se andava, seja lá qual fosse o idioma nas ruas, todos só falavam no mesmo assunto.Quatro anos após a missão de resgate em Donetsk, eu fixei residência em solo russo devido os negócios com a Rassvet, e por ali, era como uma manhã ensolarada de
APÓS A BATALHA EM DONETSK, a Teia tinha perdido completamente o rastro da Ordo Ignis Veni e passamos muito tempo apenas correndo atrás de fantasmas. Todas as pistas que seguíamos davam no máximo em dissidentes da Ordem ou membros da seita que haviam abandonado o mundo da feitiçaria para sempre. Em Bratislava, hoje a capital da Eslováquia, interrogamos um ex-membro que nos contou por intermédio de tortura que a Ordo estava reunindo os maiores magistas do mundo a fim de abrir um portal para uma dimensão que eles chamavam de limbo. Adon e os seus seguidores — pelo menos uma parte deles — haviam sobrevivido à explosão na Ucrânia e agora estavam reclusos, juntando forças para abrir uma fenda no tecido da realidade para esse tal mundo dos mortos. Segundo as pesquisas de Gavril, aquela era só a primeira de uma série de incursões que os ocultistas planejavam fazer pelos mundos que existiam paralelamente à nossa Terra e que quando eles aprendessem o caminho para o inferno, nada seria capaz de
EU NÃO SEI QUANTO tempo passei submersa após a destruição do portal da Ordem Negra com os nazistas, mas quando acordei, o meu corpo estava a muitos pés de profundidade no interior do rio Reno. Por um breve instante, achei que havia morrido mais uma vez, mas quando cheguei à conclusão que sentia dor demais para estar morta, reuni forças para nadar e emergir. Enquanto estava desmaiada, eu tinha sido arrastada por mais de duzentos quilômetros de Düsseldorf até a cidade de Mannheim, e quando saí da água, tive que buscar abrigo imediatamente. Fazia um dia muito ensolarado. No trajeto até uma igreja de arquitetura gótica, a minha pele foi quase totalmente queimada e quem me viu passar correndo desesperada, provavelmente, imaginou que eu fosse uma tocha humana. A sacristia da igreja era o local mais escuro e longe do sol que eu podia encontrar naquele momento, e decidi ficar ali até que a noite caísse mais uma vez. Envenenada por quatro balas de prata e queimada pela luz solar após ficar po
EU NÃO SABIA NA ÉPOCA, mas quando cheguei à fronteira perto da Floresta Negra, um destacamento das tropas do general francês Charles de Gaulle estava em conflito armado contra insurgentes alemães que brigavam para manter o seu território. Eu fui apanhada no calor da batalha. Um tanque Panzer havia encurralado soldados franceses e belgas num bairro pobre da cidade alemã enquanto um Tiger desfilava barulhento pelas ruas disparando da sua base a esmo contra casas e prédios da já devastada vizinhança. Por mais forte que fosse, eu sabia que ainda não estava em condições de enfrentar dois tanques de guerra praticamente indestrutíveis, e naquele momento, percebi que aqueles soldados aliados estariam por conta própria. Quando um disparo atingiu a marquise de um prédio acima da minha cabeça, fui obrigada a me esconder dos destroços que despencaram pesados e ruidosos na calçada onde eu andava. Ainda era o meio da tarde daquele dia e mesmo com o céu encoberto por nuvens espessas, o sol por trás