Ao passar pelas grandes colunas de pedra que rodeavam todo o vale, construídas para proteção de possíveis seres mais fortes do que os Gigantes, mas mais consideradas como obras de arte, Adwig começava a ouvir sons, urros de dor. Percebia um avermelhado no ar e fuligem que parecia indicar um grande incêndio. Mais adiante, podia ter a visão do Vale inteiro, as enormes construções incríveis e no centro da cidade um grande mar de fogo. O cheiro de carne queimando, vindo de um lugar que ainda estava distante e a fumaça escura não eram bons sinais. Adwig acelerou o passo permanecendo furtiva, procurando não ser notada, mas estranhamente as ruas, que pela sua lembrança eram repletas de gigantes em qualquer horário do dia, fossem, trabalhando, fossem comemorando, seres com grande disposição o tempo inteiro, estavam vazias. Podia escutar, em alguns momentos, murmúrios e ruídos vindos das casas. Os olhos de Adwig se arregalaram com o pensamento do que poderia estar assustando daquela forma os Gigantes.
Eles tinham grande resistência contra a magia das fadas, as habilidades élficas eram quase inúteis contra eles e a incrível força dos coraces não se comparava com a dos gigantes, mesmo eles sendo mais ágeis. Numa grande guerra, mesmo se acontecesse algo impossível, como a união das três raças contra os Gigantes, ainda assim eles não seriam vencidos facilmente. Mas com certeza não ficariam assustados e reclusos diante de algum perigo.Adwig acreditava que o único lugar que encontraria Mantelar, se ele estivesse no Vale dos Gigantes seria ao Norte da cidadela, perto do encontro dos riachos. Poderia utilizar um caminho mais rápido, mas acreditava que precisava ir até o Centro, saber o que acontecia e quem sabe ajudar.Quanto mais se aproximava, mais alto ficavam os gritos de dor dos Gigantes que começavam a se confundir com lamúrias e mal dizeres. Num primeiro momento, Adwig acreditava que eles haviam sido atacados por alguém, mas agora, sentia que não se tratava de um confronto, se assemelhava com um sentimento de entrega, de reconhecimento de derrota com a morte.Ao chegar na Grande Praça, local magnífico, onde os Gigantes costumavam fazer feiras livres de dia e grandes apresentações artísticas à noite, seu choque foi incomparável com qualquer outro que possa ter sentido nos seus séculos de vida. Alguns gigantes utilizavam trajes que pareciam vedar completamente dos pés a cabeça e manipulavam grandes seringas com agulhas, injetando algo nos braços de outros gigantes, amarrados. Após todos ali, aproximadamente uns 20, serem alvejados pelas agulhas, eles foram desamarrados e levados para a outra ponta e outros tantos ocupavam seus lugares vagos. Os que saíram iam sendo levados pro ponto de onde o fogo vinha, uma chama muito alta. Num determinado ponto precisavam ser praticamente carregados. Eles, então, se lançavam às chamas. Queimavam vivos! A enorme chama se fazia de corpos de gigantes. Alguns, das rodadas anteriores, ainda gritavam lá de dentro, quando mais outros entravam e usavam suas últimas forças para gritarem de dor.O primeiro impulso de Adwig foi usar seu poder e fazer algo. Ela quis voar para o meio da Praça, apagar as chamas e parar com toda aquela loucura. Mas, em primeiro lugar, ela não queria ser notada, quem dirá poder ser reconhecida. Depois, ela não sabia exatamente o que significava tudo aquilo. Algum motivo muito sério, os Gigantes tinham para m****r seus entes queridos para uma morte dessas. E tantos...Adwig estava desolada, mas resolveu chegar logo até onde achava que podia encontrar Mantelar. Quem sabe se ele não teria respostas.Quando Adwig, seguindo o Riacho Seis, chegou ao encontro deste com o Riacho Cinco, evento que causava um espetáculo visual, repleto de cores e movimentos sincronizados das águas, as lembranças acenderam em sua cabeça, trazendo até alguma coisa que ela nem sabia que tinha dentro dela ainda: lampejos de felicidade.As cidades dos Gigantes conseguiam unir bem modernidades tecnológicas e belezas arquitetônicas, preservando a vida da natureza, mas as periferias eram menos habitadas e mais ricas em fenômenos naturais. Aquele ponto em particular era menos frequentado pelos Gigantes, pois as árvores eram mais baixas, tinha uma vegetação hostil, que crescia por conta de uma chuva constante, gerada pelo encontro das águas, que favorecia esse tipo de vegetação. Para Mantelar, que não era tão grande como a maioria dos Gigantes, era perfeito e foi ali que ele construiu sua morada, apesar dele, em boa parte de sua vida, ter sido um nômade.Aquele lugar era repleto de histórias para Adwig, momentos tão únicos que viveu em situações tão diferentes umas das outras. Parecia reviver uma a uma, enquanto chegava até o local onde Mantelar deveria estar. Debaixo de algumas árvores, na entrada do que seria sua casa, realmente estava Mantelar. Ele utilizava uma espécie de luneta, mirando para o céu e apertava alguns botões que disparavam uma luz para o espaço. Falava sozinho, de uma forma que lembrava uma espécie de oração. Adwig se aproximou e Mantelar caiu para trás num tropeço de susto. Quando se recuperou do desequilíbrio, não pôde acreditar que era ela mesma quem estava à sua frente. Adwig, para Mantelar, não era só uma grande amiga. Era sua rainha, ama, mentora, tutora, protegida e protetora, companheira de batalhas, colega de pesquisas científicas... Era seu pensamento durante todo o dia, durante toda sua vida. Sua grande paixão, seu grande amor, por quem morreria, se ela permitisse.- É... É você mesmo? - Gaguejava o meio-gigante, que nesse momento se apequenava diante de sua musa. - Acho que realmente o mundo está acabando, então, não é mesmo? - Completou com um sorriso meio bobo, meio sem saber o que dizer ou o que fazer.- Mantelar! - Adwig só conseguiu pronunciar o nome dele e o abraçou, chorando copiosamente. Há muito tempo que lágrimas não saiam de seus olhos, possivelmente Mantelar nunca a tivesse visto chorando, pelo menos nada mais do que uma pequena lágrima em olhos marejados. - Não sei mais o que pensar. Meu irmão veio até mim com uma história de meu pai. Vi o que está acontecendo com os Gigantes e agora vem você com essa história de "mundo acabando", isso tudo misturado com a nostalgia que é para mim estar aqui... - Adwig falava entre soluços, já se acalmando do choro, num desabafo de quem dá última vez, se despediu para sempre, num adeus tão triste para ambos.Depois de um silêncio estranho entre os dois, Adwig saiu dos braços de Mantelar, se recompôs e pediu:- Por favor, primeiro me diga o que está acontecendo com os Gigantes.- Um vírus é o que está acontecendo. Uma doença maldita, muito contagiosa e incurável, que está dizimando o povo - Contava Mantelar, se lamentando. - Seria irônico se não fosse trágico, um ser microscópico acabar com os Gigantes. Após o contágio, a morte é certa. Os Gigantes morrem aos poucos, mas rapidamente, as mãos e os pés caem, os olhos saltam para fora, o cérebro vai se tornando gelatinoso e começa a vazar pelas orelhas em pedaços. São tantos os efeitos pré-morte, que anestesiar-se é se jogar ao fogo, parece ser até tranquilo. Não há, como você sabe, outra forma dos Gigantes morrerem facilmente, o fogo também garante que os corpos não contaminem outras pessoas. Ainda assim, a espécie corre o risco de extinção. Fiquei recluso, pesquisando vacinas e curas aqui no meu laboratório, até que um dia senti a existência de um portal e a sensação da passagem de seu pai por ele. Você sabe que tenho o poder de sentir esse tipo de coisa, não sabe? - Questionou Mantelar para uma cética Adwig. - Seu pai disse a todos que mesmo sem ter mais poderes, nunca mais sairia desse planeta e que, a pedido dele, um novo portal só se abriria...- Se a profecia estivesse se cumprindo - disse Adwig ao mesmo tempo que Mantelar - Eu sei, mas você sabe como ele é... - continuava ela.- Eu sei Adwig, mas também sei que ele, apesar de tudo, é uma pessoa de palavra, mesmo que fossem palavras duras - dizia Mantelar, se justificando para os olhares julgadores de Adwig. - Bom, desde então tenho tentado usar as ferramentas de contato, que em outros tempos permitiram que nos comunicassemos com ele, quando ele esteve você sabe aonde... Tenho certeza que se lá estivesse, ele se comunicaria de volta comigo. E os sinais da profecia... Estão por todos os lados. Adwig, você está aqui, você sabe que chegou a hora de reunificar os reinos e retomar seu trono, não sabe? - questionou Mantelar num misto de esperança e medo da resposta.- Eu ouço essa história desde sempre, mas a fase de acreditar nela passou quando eu ainda era uma criança. - A resposta de Adwig foi mais simples do que a esperada por Mantelar.- Então, talvez seja hora de finalmente você recuperar um pouco da sua fé que tinha quando criança - respondeu, Mantelar.Mantelar usa um argumento que deixa Adwig pensativa. O que ela pretendia fazer? Ela sabia onde ia. Não teria sequer saído de sua reclusão se realmente não soubesse que ia pagar pra ver e retornar a terra dos elfos. Depois de ter chegado até ali, ela simplesmente voltaria para o seu retiro? Depois de ter visto o que estava acontecendo, pelo menos superficialmente? Ainda não confiava em seu pai, mas sentia que o certo a ser feito era voltar ao Castelo onde tudo começou. Provavelmente o que ela sentia era medo. Isso a afligia, pois qual seria o motivo dela ter esse medo? Era imortal, quer dizer, praticamente imortal. Já tinha passado por quase tudo em sua vida. Conhecia todos os lugares do planeta, todas as raças, tinha tido as mais diferenciadas experiências. Quando foi a última vez que sentira medo? O conflito do passado ser uma novidade para ela era completamente inesperado e assustador.- Quando vamos? - perguntou Mantelar para Adwig
O meio-gigante pediu um Átrio, que era uma bebida muito comum, verde, gosmenta, servida muito gelada. Tinha um sabor extremamente doce. Quando passava pela garganta, algumas borbulhas estouravam e você tinha a sensação de algo indo diretamente para seu cérebro. Não era só a sensação, realmente um gás era liberado dessas bolhas e uma substância química se ligava a corrente sanguínea, pegando o caminho do cérebro. Você literalmente esfriava a cabeça. A sensação temporária era de que não existiam problemas. Diferente de outras drogas, ela não causava a sensação inversa, mesmo quando seu efeito gradativamente passava. Também não tinha compostos viciantes. E por fim, ainda servia como alimento, tinha os principais compostos enérgicos que recarregavam e regulavam o funcionamento do organismo. Não substituía uma boa sharkera, que era um bom prato de folhas da Sharka, uma árvore típica dos Elfos, mas ainda assim, ajudava. Apesar de Adwig não
Adwig estava muito dividida. Ainda assim, quando Athos estendeu a mão, ela aceitou o convite e estendeu seu braço de volta. Ouviu ainda, antes de fechar os olhos, a voz do outro elfo que estava com Athos, dizendo que alguém estava chegando.Quando abriu os olhos estava em outro lugar completamente diferente. O céu era escuro, com uma pequena luz avermelhada. Parecia uma espécie de Sol. Estavam em outro planeta. Aos seus pés, apenas terra. Ao seu redor não havia nada além de algumas estruturas rochosas, lama, uma espécie de lago negro mais a frente. Ela sentia arrepios com uma mudança brusca de temperatura entre ventos gelados e baforadas incandescentes.- Aqui é Tânatos. Eu vivi aqui por milhares de anos. Preso, sozinho. Eu podia sofrer, de inúmeras formas, mas não podia morrer. Descobri que isso é uma espécie de inferno. Um planeta, perto do final da sua condição de vida, se torna um inferno. Porém, a noção de tempo para o universo
Na manhã seguinte, enquanto Adwig contava tudo a Mantelar tudo que ele perdeu enquanto dormia, o Reverendo Verto foi realizar os preparativos para uma reunião, como ele prometeu, com seus fiéis, com o povo. Mantelar ia fazendo caretas variadas e movimentos engraçados com as mãos a cada nova revelação de Adwig. - Como é que, enquanto eu dormia, você conseguiu fazer uma viagem para outro planeta? Não estou acreditando. Como posso querer te proteger se eu durmo e alguém te leva pra outro lado do Universo? - Mantelar se mostrava desolado. - Adwig, a assembleia está cheia. Será que podemos conversar com os fiéis? Você viria? - Disse, o Reverendo, interrompendo os chiliques de Mantelar. - Você acha uma boa ideia fazer isso depois de ontem? - Perguntou o meio-gigante. - Se eu pretendo ser Rainha, acho que não posso ter medo de conversar com o povo, não é mesmo? - Respondeu, Adwig, terminando de se arrumar e saindo pela porta.
Adwig percebeu a chegada dos três companheiros de Athos. Silency tentou correr para ajudar, colocou a mão sobre a testa de Teleret, tentava recuperar suas energias, curar ferimento, mas seu olhar desesperançoso, seguido da retirada da mão foi o veredito final para ela. Silency deu alguns passos para trás, enquanto Adwig continuava inconsolável. Ficaram assim por algum tempo até que Athos chegou. Sem sequer olhar para ele, ela grita:- Você prometeu que me ajudaria no momento certo.- Eu, em nenhum momento, vi seu irmão, se eu tivesse previsto isso, teria evitado. O momento em que eu te ajudarei ainda está por vir e não é aqui, não está ligado aos elfos. - Athos respondeu, mas Adwig não se importou.- Eu quero pedir pra vocês irem embora! - Disse, ela, num tom de voz mais baixo.- Eu sei o que você es
Um grande tumulto transformou a comemoração que se iniciava pela cura em conflito. Muitos gigantes queriam agredir seu líder por ele ter sido omisso durante toda a crise. Outro grupo, mesmo pensando o mesmo, tentava impedir a ofensiva por acharem que não era momento pra isso. Houve troca de socos, empurrões, um gigante foi arremessado longe por outro, o que gerou a destruição da parede de uma casa, que criou uma nova confusão. Amerer foi agarrado e seria espancado não fosse Adwig usar uma rajada de vento, jogando todos pra longe, separando-os.No meio de todo esse caos, Adwig percebe uma movimentação estranha junto a sua equipe de ajuda. Aparentemente um grupo de fadas estava sequestrando alguém que estava desacordado. Pode perceber que não se tratava de um elfo. Tentou se aproximar da situação, mas não teve tempo. Rapidamente já tinham adentrado à floresta.- O que aconteceu? - Perguntou, ela ao grupo.- Um grupo de Fadas atirou um dardo no rapaz que também era
A floresta lembrava muito o local onde Adwig passou os últimos anos. Com uma fauna e flora bastante diversificada, principalmente de pássaros, insetos e pequenos animais. Árvores frondosas repletas de frutos e árvores rasteiras que dificultavam muito o caminhar. O grupo era muito grande e diverso. Os maiores não conseguiam passar por trechos estreitos e precisavam tentar destruir e cortar árvores galhos. A floresta parecia ser viva e aparentemente respondia. Era como se as árvores atacassem de volta, com quedas de troncos e buracos camuflados. Os menores ficavam presos, precisavam ser carregados constantemente. Alguns sugeriram a Adwig que utilizasse seus poderes e abrisse um caminho na floresta, mas ela explicou que não era certo em situação nenhuma destruir qualquer ser vivo se não fosse o último recurso. Seria ainda pior estar em um território que era preservado por outros a tanto tempo e simplesmente destruir para conseguir passar. Fadas viviam ali há séculos e a natureza sempre
Existia uma primeira muralha de ataque, com lançadores de pedras gigantes, as quais Adwig havia destruído e havia uma segunda muralha, essa sim, muito alta que ia desde as estruturas rochosas do oceano ao final da praia até um horizonte a se perder de vista do outro lado.A Rainha tinha receio de que existissem armadilhas em cima da muralha e que não só os Pégasos mas mais membros do grupo se ferissem gravemente. Existia um único acesso, uma enorme rampa que passava por baixo dela, em um determinado ponto. A estrutura repleta de mecanismos que se fechavam e se abriam era complexa e admirável. O acesso à essa rampa se dava por meio de um pedido que podia ser feito por uma pequena passagem de som.Frempor sugeria à Rainha que usasse os Coraces que seguiram com eles como interlocutores para solicitar e acesso, mas Adwig imaginou que entrar de surpresa com todo aquele grupo, enganando-os, seria uma demonstração de guerra e o conflito não era a primeira opção dela.Resolve