Passos apressados. Isso além de ser incomum ali, significava um mal presságio. Era uma caverna, cuja entrada parecia um calabouço na parte mais sombria de um bosque desabitado. Sem flores, sem frutos, repleto de uma vegetação traiçoeira, espinhosa, gosmenta, venenosa. Uma surpresa fazer parte de um território elfo, que normalmente era o oposto disso. Mas ao aprofundar naquela caverna, não só a beleza elfa tradicional surgia, com sua luz e brilho, mas também outros detalhes tão espantosos, enigmáticos e grandiosos que nem pareciam daquele mundo. Os túneis pareciam se tornar corredores de um castelo imponente, enfeitado por aspectos naturais, que confundiam arquitetura inteligente com vida pulsante. Naquele local, passos de quem quer que fosse não eram comuns, muito menos apressados. A Rainha que vivia ali, apesar de ser a Rainha de direito daquele povo, hoje era mais tratada mesmo apenas como uma lenda para os que não sabiam que ela era real, ou como uma bruxa para aqueles que sabiam que alguém vivia ali. Poucos fiéis seguidores antigos a visitavam, trazendo notícias ou levando conhecimento para alguma causa generosa.
Adwig é uma das imortais daquele mundo, talvez a única ainda com tal nível, que não se deixou contaminar pelo poder. Milenar, acabou sucumbindo pela ignorância que, com a evolução, dominou a política dos elfos.Passava pela cabeça dela a ironia que era alguém correndo em sua direção em relação ao tempo que ela já tinha vivido e que ela ainda iria viver. Nada poderia ser tão urgente.E se quem corresse e surgisse frente Adwig fosse outro imortal, alguém que ela não via há centenas de anos? Seus olhos arregalaram quando ela percebeu de quem se tratava.- Chegou a hora, irmã! A profecia está se cumprindo. Um raio trouxe um portal para levar nosso pai de volta. Temos que nos preparar.Uma figura tão parecida com ela, mas a qual ela já quase não se lembrava de sua memória de tempos tão remotos, seu irmão gêmeo, parado à sua frente. Alto, pálido, magro, longos e lisos cabelos de um loiro acobreado, olhos escuros como a noite. Era como se ela se olhasse no espelho e não se reconhecesse mais.- Isso é só uma história de criança, meu irmão! Depois de tanto tempo, você vem me procurar dizendo isso? - Respondeu, incrédula.- Não, Adwig, chegou a hora de sairmos das cavernas e voltarmos a ser quem éramos.- Teleret, não quero parecer pouco sentimental, mas todas as vezes que me visitou trazendo notícias de grandes acontecimentos, ou não eram verdadeiros, ou eram super valorizados. - Adwig disse, fitando o irmão. Reparava agora que ele estava mal vestido, roupas rasgadas, com a aparência de sujo, de quem não se cuidava a muito tempo, muito tempo mesmo. - E o que tem acontecido contigo? Por que está assim?- Irmã, não podemos demorar. Você sabe que a passagem de tempo no planeta de nosso pai é diferente. Ele passa anos lá, mas aqui são poucas horas. Você sentiu que ele voltou, não sentiu? Eu o acompanhei desde então e ele disse que dessa vez só voltaria a entrar num portal se fosse chamado pela profecia. - Teleret realmente parecia muito transtornado, enquanto contava toda a história.- Eu imaginei que pudesse ter sido ele mesmo. Da mesma forma que ele não fez questão de vir me ver, eu também não fui atrás dele. E sobre essa tal de profecia que nunca aconteceu, quem sabe não é outro amor que ele encontrou novamente em algum planeta? Outra mentira, outra cena, outra criação dele. - Adwig não demonstrava em sua feição, nem em seu gestual a mágoa e indignação que tinha com o pai, que trazia em suas palavras.- Sei que você virá, mais cedo ou mais tarde. Preciso reunir os elfos! Se preferir, procure Mantelar, ele está no Vale dos Gigantes. Sei que nele você irá confiar. - Teleret saiu da mesma forma como surgiu.Adwig voltou para suas escrituras. Continuava escrevendo suas memórias. Mas a cada palavra, a cada ideia, a cada lembrança, a voz de seu irmão voltava à sua cabeça. E se seu pai realmente tivesse sido chamado pela profecia? Ela foi preparada por toda sua infância para aquele momento. Finalmente poderia salvar seu povo. Finalmente poderia rever seus entes queridos que se foram. Finalmente a morte e talvez uma vida de verdade.Adwig sabia que era incrivelmente linda dentro do padrão de beleza do seu mundo e isso era algo perto do absurdo, por serem os elfos, como um todo, muito parecidos. Mas ela ainda assim se destacava, praticamente brilhava. E ainda era imortal. A mais admirada das admiradas. Mesmo com tudo isso, sentia-se uma aberração. Era assim, justamente porque ela não era como todos os outros. Ela perdia as pessoas, que, diferente dela, envelheciam e morriam. Tinha mais poderes, era filha de um Deus, que não queria ser um Deus. Que diferente do que os elfos acreditavam em sua religião, contavam e cantavam em seus cultos, não era onipresente, não era onipotente, não era onisciente. Nem de longe. Apesar de ser criador da vida naquele planeta. Apesar de ser o único que podia se teletransportar para outros planetas e que conhecia outras formas de vida. Se lembrou também de Mantelar. Ele era um Tryper. Os Tryper eram descendentes miscigenados de elfos, fadas, gigantes e coraces, as 4 raças daquele mundo. A combinação das raças não era comum, tendo em vista que, depois da ruptura geológica do planeta, os povos eram geograficamente distantes uns dos outros e quando se aproximavam, guerriavam. A existência de um único rei ou rainha dos povos, a muito tempo era impossível e fazia parte dos acervos de lendas que acompanhavam as histórias de Deus, que também, aos poucos iam se perdendo com o tempo, sendo substituídas por histórias de outros deuses que surgiam no imaginário dos povos, que buscavam uma identificação mais próxima com seus deuses. E nesse contexto, os Trypers, rejeitados, foram se unindo, marginalizados, diferentes, inclusive entre si. Adwig se identificou com eles e os acolheu. Mantelar era ainda uma criança quando conheceu Adwig, que, nessa época, tentava se mostrar mais como uma bruxa boa do que uma elfa. Ela se passava por uma Tryper poderosa, mas não demonstrava todo seu poder. Mantelar via Adwig como uma heroína, seu grande exemplo a ser seguido e, quando mais velho, mais forte e mais poderoso, se tornou o protetor dela. Ela realmente não precisava de um, mas o papel era bem ocupado por ele e isso fazia bem não só a ele, como também a comunidade que se orgulhava do quase gigante, com aparência de elfo.E, sem perceber, enquanto pensava nisso tudo, Adwig já estava chegando no Vale dos Gigantes. Porém, ela mal podia imaginar o que ia encontrar.Ao passar pelas grandes colunas de pedra que rodeavam todo o vale, construídas para proteção de possíveis seres mais fortes do que os Gigantes, mas mais consideradas como obras de arte, Adwig começava a ouvir sons, urros de dor. Percebia um avermelhado no ar e fuligem que parecia indicar um grande incêndio. Mais adiante, podia ter a visão do Vale inteiro, as enormes construções incríveis e no centro da cidade um grande mar de fogo. O cheiro de carne queimando, vindo de um lugar que ainda estava distante e a fumaça escura não eram bons sinais. Adwig acelerou o passo permanecendo furtiva, procurando não ser notada, mas estranhamente as ruas, que pela sua lembrança eram repletas de gigantes em qualquer horário do dia, fossem, trabalhando, fossem comemorando, seres com grande disposição o tempo inteiro, estavam vazias. Podia escutar, em alguns momentos, murmúrios e ruídos vindos das casas. Os olhos de Adwig se arregalaram com o pensamento do
Mantelar usa um argumento que deixa Adwig pensativa. O que ela pretendia fazer? Ela sabia onde ia. Não teria sequer saído de sua reclusão se realmente não soubesse que ia pagar pra ver e retornar a terra dos elfos. Depois de ter chegado até ali, ela simplesmente voltaria para o seu retiro? Depois de ter visto o que estava acontecendo, pelo menos superficialmente? Ainda não confiava em seu pai, mas sentia que o certo a ser feito era voltar ao Castelo onde tudo começou. Provavelmente o que ela sentia era medo. Isso a afligia, pois qual seria o motivo dela ter esse medo? Era imortal, quer dizer, praticamente imortal. Já tinha passado por quase tudo em sua vida. Conhecia todos os lugares do planeta, todas as raças, tinha tido as mais diferenciadas experiências. Quando foi a última vez que sentira medo? O conflito do passado ser uma novidade para ela era completamente inesperado e assustador.- Quando vamos? - perguntou Mantelar para Adwig
O meio-gigante pediu um Átrio, que era uma bebida muito comum, verde, gosmenta, servida muito gelada. Tinha um sabor extremamente doce. Quando passava pela garganta, algumas borbulhas estouravam e você tinha a sensação de algo indo diretamente para seu cérebro. Não era só a sensação, realmente um gás era liberado dessas bolhas e uma substância química se ligava a corrente sanguínea, pegando o caminho do cérebro. Você literalmente esfriava a cabeça. A sensação temporária era de que não existiam problemas. Diferente de outras drogas, ela não causava a sensação inversa, mesmo quando seu efeito gradativamente passava. Também não tinha compostos viciantes. E por fim, ainda servia como alimento, tinha os principais compostos enérgicos que recarregavam e regulavam o funcionamento do organismo. Não substituía uma boa sharkera, que era um bom prato de folhas da Sharka, uma árvore típica dos Elfos, mas ainda assim, ajudava. Apesar de Adwig não
Adwig estava muito dividida. Ainda assim, quando Athos estendeu a mão, ela aceitou o convite e estendeu seu braço de volta. Ouviu ainda, antes de fechar os olhos, a voz do outro elfo que estava com Athos, dizendo que alguém estava chegando.Quando abriu os olhos estava em outro lugar completamente diferente. O céu era escuro, com uma pequena luz avermelhada. Parecia uma espécie de Sol. Estavam em outro planeta. Aos seus pés, apenas terra. Ao seu redor não havia nada além de algumas estruturas rochosas, lama, uma espécie de lago negro mais a frente. Ela sentia arrepios com uma mudança brusca de temperatura entre ventos gelados e baforadas incandescentes.- Aqui é Tânatos. Eu vivi aqui por milhares de anos. Preso, sozinho. Eu podia sofrer, de inúmeras formas, mas não podia morrer. Descobri que isso é uma espécie de inferno. Um planeta, perto do final da sua condição de vida, se torna um inferno. Porém, a noção de tempo para o universo
Na manhã seguinte, enquanto Adwig contava tudo a Mantelar tudo que ele perdeu enquanto dormia, o Reverendo Verto foi realizar os preparativos para uma reunião, como ele prometeu, com seus fiéis, com o povo. Mantelar ia fazendo caretas variadas e movimentos engraçados com as mãos a cada nova revelação de Adwig. - Como é que, enquanto eu dormia, você conseguiu fazer uma viagem para outro planeta? Não estou acreditando. Como posso querer te proteger se eu durmo e alguém te leva pra outro lado do Universo? - Mantelar se mostrava desolado. - Adwig, a assembleia está cheia. Será que podemos conversar com os fiéis? Você viria? - Disse, o Reverendo, interrompendo os chiliques de Mantelar. - Você acha uma boa ideia fazer isso depois de ontem? - Perguntou o meio-gigante. - Se eu pretendo ser Rainha, acho que não posso ter medo de conversar com o povo, não é mesmo? - Respondeu, Adwig, terminando de se arrumar e saindo pela porta.
Adwig percebeu a chegada dos três companheiros de Athos. Silency tentou correr para ajudar, colocou a mão sobre a testa de Teleret, tentava recuperar suas energias, curar ferimento, mas seu olhar desesperançoso, seguido da retirada da mão foi o veredito final para ela. Silency deu alguns passos para trás, enquanto Adwig continuava inconsolável. Ficaram assim por algum tempo até que Athos chegou. Sem sequer olhar para ele, ela grita:- Você prometeu que me ajudaria no momento certo.- Eu, em nenhum momento, vi seu irmão, se eu tivesse previsto isso, teria evitado. O momento em que eu te ajudarei ainda está por vir e não é aqui, não está ligado aos elfos. - Athos respondeu, mas Adwig não se importou.- Eu quero pedir pra vocês irem embora! - Disse, ela, num tom de voz mais baixo.- Eu sei o que você es
Um grande tumulto transformou a comemoração que se iniciava pela cura em conflito. Muitos gigantes queriam agredir seu líder por ele ter sido omisso durante toda a crise. Outro grupo, mesmo pensando o mesmo, tentava impedir a ofensiva por acharem que não era momento pra isso. Houve troca de socos, empurrões, um gigante foi arremessado longe por outro, o que gerou a destruição da parede de uma casa, que criou uma nova confusão. Amerer foi agarrado e seria espancado não fosse Adwig usar uma rajada de vento, jogando todos pra longe, separando-os.No meio de todo esse caos, Adwig percebe uma movimentação estranha junto a sua equipe de ajuda. Aparentemente um grupo de fadas estava sequestrando alguém que estava desacordado. Pode perceber que não se tratava de um elfo. Tentou se aproximar da situação, mas não teve tempo. Rapidamente já tinham adentrado à floresta.- O que aconteceu? - Perguntou, ela ao grupo.- Um grupo de Fadas atirou um dardo no rapaz que também era
A floresta lembrava muito o local onde Adwig passou os últimos anos. Com uma fauna e flora bastante diversificada, principalmente de pássaros, insetos e pequenos animais. Árvores frondosas repletas de frutos e árvores rasteiras que dificultavam muito o caminhar. O grupo era muito grande e diverso. Os maiores não conseguiam passar por trechos estreitos e precisavam tentar destruir e cortar árvores galhos. A floresta parecia ser viva e aparentemente respondia. Era como se as árvores atacassem de volta, com quedas de troncos e buracos camuflados. Os menores ficavam presos, precisavam ser carregados constantemente. Alguns sugeriram a Adwig que utilizasse seus poderes e abrisse um caminho na floresta, mas ela explicou que não era certo em situação nenhuma destruir qualquer ser vivo se não fosse o último recurso. Seria ainda pior estar em um território que era preservado por outros a tanto tempo e simplesmente destruir para conseguir passar. Fadas viviam ali há séculos e a natureza sempre