03

ZOE MONDEGO

Faltavam menos de duas horas para o meu encontro e até agora o dia estava sendo tranquilo, ao chegar, a primeira coisa que pedi a Kate foi a encomenda de um café da manhã decente, ou ao menos o suficiente para eu não sentir fome até chegar o horário do almoço.

E em respeito a Christine, tudo menos algo proveniente de qualquer lanchonete.

E para tentar distrair a minha cabeça, procurei concentrar as minhas forças no trabalho, mas minha paz durou muito pouco tempo.

O celular fixo que descansava em minha mesa tocou.

— Srta. Mondego, o Sr. Lecos pretende falar consigo — Kate informou.

O que o Hugo quer comigo hoje?

— Claro, pode transferir a chamada — autorizei e a linha ficou silenciosa por alguns instante, e quando estou prestes a desligar ela voltou a falar:

 Não, Srta. Mondego, o Sr. Lecos está aqui na recepção — informou e eu desliguei na mesma hora.

Levantei de forma urgente e respiro e inspiro até ter a certeza de que estava bem o suficiente para prosseguir com tudo aquilo, abri a porta da minha sala, me deparando em seguida com o meu melhor amigo barra superior, de pé apoiado ligeiramente no balcão da minha secretária.

Hugo Lecos é um homem completamente charmoso, gosto de comparar a sua beleza e características físicas ao de Alexandre Nero, um ator brasileiro. O homem é alto e com um físico atlético visível mesmo em baixo dos seus costumeiros ternos sociais, olhos negros que parecem duas bolinhas de gude pretas, cabelos negros que sobressaem várias mechas grisalhas e barba sempre por fazer completamente grisalha.

Enfim, um homem belo e charmoso, tenho que admitir.

Entretanto, Hugo apesar de ser bastante bonito também é bastante irritante, e pior, ele me conhece tão bem quanto o seu puzzle de cinco mil peças.

— Ora, ora, Srta. Mondego, como é bom vê-la — cumprimentou com ironia sem se afastar da bancada da Kate. — Quase pensei que estivesse fugindo de mim.

— Mesmo se eu quisesse, você arranjaria um jeito de me perturbar — revirei os olhos e fiz sinal para que ele entrasse.

— É sempre um prazer conversar contigo, Kate — elogiou ele antes de passar por mim e entrar na minha sala.

Apesar de meu chefe, Hugo é bastante educado, jamais se senta sem que eu o convide, por isso, indiquei que ele se sentasse na cadeira defronte a mim enquanto dou a volta à mesa para me sentar também.

— Ao que devo a tua maravilhosa presença, Sr. Lecos? — perguntei evitando olhar em seus olhos e fingindo que estou organizando os papéis que descansam em minha mesa.

— Minha visita veio em sinal de amizade, estava com imensas saudades de você já que tem me ignorado nessa última semana por uma razão que eu realmente desconheço. — diz com ironia.

Nunca fui boa em mentir, especialmente em pessoas que me conhecessem com a palma da mão, e repito, Hugo me conhece tão bem quanto o seu puzzle de cinco mil peças.

— Claro que não, eu sinto que você está sendo apenas melodramático — respondi ainda evitando olhar em seu rosto. — E você sabe como tem sido essas últimas semanas próximas do grande evento, têm sido bastante corridas.

— Zoe, olha para mim — ele ordenou e eu precisei largar os papéis novamente na mesa para o encarar.

Eu estou dançando em uma corda bamba, prestes a suar.

— Que noivo é esse que eu não sei da existência? — perguntou ele cruzando os braços. — Nos conhecemos há sete anos e jamais vi você sequer namorando desde o sucedido com o seu ex-noivo — acusou.

— Bom, eu conheci ele em uma boate em que fui com a Louise, simples — eu disse mais para mim mesma do que para ele.

— Você está mentindo — acusou em uma risada. — Você conhecendo pessoas em uma boate? Duvido.

— As coisas mudaram — tentei desviar mas ele continuou a rir.

— Pelo amor de Deus, Zoey, você é bem melhor do que isso, em nenhum momento você me apresentou o cara ou mencionou um aspecto sobre ele, é muito conveniente só ter dito sobre a existência dele em um momento bastante delicado para a tua carreira — acusou novamente e isso me irritou.

— Eu só não disse nada porque tudo que acontece comigo em questões de relacionamento são estragados por pessoas que eu considerava amigas — retruquei, mas não demorei nenhum segundo para perceber que eu havia dito algo de muito mal gosto.

A expressão de Hugo murchou e o olhar de decepção que ele lançou para mim me fez querer bater com a cabeça na mesa e me questionar onde eu havia guardado o meu bom senso.

— Bom, não sabia que isso se aplicava também a mim, e se é assim que você se sente, também acho certo não teres dito nada — disse descruzando os braços e já se preparando para levantar.

— Não, Hugo, por favor, eu peço desculpa — pedi e ele apenas fez um sinal indicando que eu não me preocupasse.

Mas eu estava me sentindo culpada e com razão, portanto não medi esforços em gritar em alto e bom som antes que ele chegasse à porta.

— Você tem razão, você tem toda razão do mundo! — gritei e ele virou-se bastante confuso. — Você tem toda em relação ao meu noivo, ele não existe — libertei.

Hugo voltou a fazer o seu caminho até mim, e se sentou na cadeira e olhou sério para mim, mas não demorou muito para ele relaxar e dar um belo sorriso.

Maldito.

— Eu sempre soube, só estava querendo confirmar diretamente da tua boca — disse ainda rindo e eu voltei a revirar os olhos. — Mas acredito que você deu um jeito de arranjar um noivo para esse sábado, certo?

— Sim, contratei um acompanhante de luxo — confessei tranquilamente, retornando ao meu trabalho de organizar todas as papeladas.

Mas isso não caiu nada bem no Hugo porque começou a tossir bastante como se tivesse se engasgado com a própria saliva.

— Você fez o quê!? — gritou indignado, respirei fundo e voltei a lhe encarar.

— Contratei um acompanhante de luxo, e aliás, daqui a pouco terei que ir lhe conhecer — dou uma breve olhada no relógio. — Não te preocupes, Hugo, vai correr tudo bem — afirmei.

— Correr tudo bem? Com certeza vai ter que correr tudo bem, deve correr tudo bem porque é o teu emprego que está em risco, Zoe, esquece a Penthouse e esquece o carro, você terá que voltar para o teu estado natal. — alertou já furioso. — Você quer isso? Eu duvido bastante.

— Eu sei, eu sei disso tudo, Hugo, farei funcionar — afirmei confiante.

— Ah, eu espero que você faça mesmo para compensar o teu capricho em querer sacrificar tudo aquilo que conquistou em pró de apenas uma mera promoção — ameaçou já se levantando. — Nos vemos no jantar, Zoe, boa sorte. — desejou ele já se levantando para sair da sala.

Observei o homem caminhar até a saída e depois desaparecer pelo corredor porque deixou a porta aberta de propósito.

Sorri em um suspiro.

Pelo menos tenho certeza que se tudo der errado Hugo estará lá me consolando ou provavelmente me atazanando acerca do meu plano, enfim, espero que eu não precise descobrir isso.

...................

Ouvi o barulho irritante do alarme do meu celular assim que bateu onze horas e meia, o que além de significar o horário próximo do meu almoço também implicava que precisaria conhecer o meu "noivo" e tentar perceber se valeria a pena tudo o que eu estava arriscando.

Que foda-se, claro que vale a pena isso tudo.

Me apressei em arrumar a minha bolsa e sair da sala. Ao passar pela recepção, Kate também arrumava as suas coisas e um funcionário da limpeza entrou no meu escritório para o organizar.

Geralmente Kate me acompanha nos almoços, ou seja, sempre almoçamos juntas no restaurante pago pela empresa, só que hoje não dará por motivos óbvios, e apesar de gostar e confiar na minha secretária, tenho certeza que se quiser seguir de forma tranquila com esse plano, o melhor é ninguém saber além de Louise e Hugo.

— Hum, Katherine — a chamei já próxima do balcão, ela levantou os seus olhos amendoados para me olhar.

— Sim, Srta. Mondego? — perguntou. — Precisa de alguma coisa antes de nós irmos?

— Não, não te preocupes, hoje não poderei almoçar contigo, preciso resolver uns assuntos particulares — mencionei e ela apenas movimentou a cabeça, concordando. — Até logo e bom apetite — despedi-lhe em um aceno e caminhei até o elevador.

Assim que saí da empresa percebi que o sol estava escondido devido as nuvens pesadas, deixando o céu com uma aparência mais acinzentada, ameaçando dessa forma uma forte chuva.

E constatando isso, é óbvio que não dispensei ir ao restaurante — que fica apenas um quarteirão da empresa segundo o endereço que me foi passado pela Moulin Lounge — com o meu Mercedes classe C.

Ao chegar, pude constatar que eles têm certamente um bom gosto, porque o restaurante tem uma aparência bastante sofisticada. O edifício tem uma aparência do século XXVII e é um hôtel paticulier com fachada de arquitetura clássica em pedra calcária, cheia de ornamentos e destacada pelos guarda-corpos de ferro forjado. O acesso é feito por uma Passage Cochere que leva a um pátio interno, para onde se abre o restaurante, parecendo uma imitação do restaurante da marca Ralph Lauren em Paris.

Ao chegar na recepção do restaurante, me aproximei do balcão para me identificar e saber qual era a mesa de reserva.

— Perdão, Sra. Mondego, mas não tem nenhuma reserva em nome da Moulin Lounge — a mulher me olhou meio desconfiada ao recitar o nome.

Não sei se é por ela saber que tipo de serviços a empresa presta ou se por ela achar que eu simplesmente quero furar a fila de reserva. De qualquer das formas, eu não me lembrava do nome do homem para perguntar se a reserva está em seu nome ou não.

Maravilhoso.

Peguei o celular já pronta para procurar o número do acompanhante de luxo entre as chamadas, mas fui interrompida ao ouvir uns murmúrios femininos atrás de mim. Olhei para trás disposta em saber qual era o problema e percebi então que nem sequer estavam prestando atenção em mim e sim para algo à frente de mim.

Havia um homem caminhando em direção a receção, e seus olhos em momento algum desviaram de mim, o que me incomodou de certa forma.

Ele possuía curtos cabelos loiros de um tonalidade escura, quase morena, mas que evidenciavam as suas íris verdes e a barba por fazer que assentavam perfeitamente ao seu queixo.

O homem é alto, bastante alto até para mim que sou uma mulher também alta, ele tem um porte atlético, braços fortes e aparentemente másculos, bem como seu peitoril, ombros largos e pernas torneadas.

As suas formas estão perfeitamente ajustadas ao seu elegante terno preto que acompanha um sobretudo escuro.

Agora é fácil perceber os murmúrios atrás de mim e que não sou a única mulher atordoada pela beleza do homem.

Próximo o suficiente de mim, ele não sorriu mas chamou a atenção da recepcionista com um gesto.

— Quando eu cheguei, pedi para que a mulher que se designa-se por Zoe Mondego tivesse logo a passagem liberada, e que deveria ser trazida diretamente para mim, certo? — perguntou a encarando seriamente e ela apenas assentiu, e antes da mulher tentar retornar a falar, eu a cortei sem querer.

— Christian Mcnegro? — perguntei e os olhos esverdeados caíram em mim com forma bastante inexpressiva.

— É um prazer conhecer-lhe, Srta. Mondego — estendo minha mão e ele a captura, depositando um beijo nela sem desviar o olhar um segundo sequer.

O meu nariz inala o seu perfume amadeirado, e isso é o suficiente para me deixar atordoada.

Jackpot.

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