---AliceSaímos como um foguete daquele restaurante, sem olhar para trás. Damares até tentou puxar conversa comigo durante todo o tempo, mas, do jeito que eu estava irritada com ela, se abrisse a boca seria unicamente para soltar todos os cachorros em cima dela. Então, compreendendo perfeitamente o que estava acontecendo, ela se calou e me deixou em paz, para que eu pudesse, enfim, colocar as ideias no lugar. Ainda por cima, havia o fato de que eu sentia que estávamos sendo seguidas, mas, ao olhar para todos os lados, não via nada — nenhum rosto conhecido, apenas carros e pessoas indo e vindo da praia. Obviamente, não revelei minhas suspeitas, porque, do jeito que ela é, faria um escândalo e tentaria me arrastar até uma delegacia para pedir proteção. Aí sim tudo desmoronaria de vez, e nossas vidas se transformariam em um verdadeiro inferno.Droga!Eu só tinha aceitado vir a esse lugar porque imaginei que, enfim, me divertiria um pouco e esqueceria dos meus problemas. Mas tudo o que c
--- Alice Enfim, chegamos ao Morro da Fé. E era essa palavra, fé, que ainda me mantinha de pé diante de tantas provações que enfrentei nos últimos meses. Enquanto subíamos a ladeira, olhares curiosos nos acompanhavam. Talvez pela roupa — ou melhor, pelos micro pedaços de pano que usávamos no corpo. Mas quem sabe nos observavam pelo que aconteceu entre Damares e o monstro do Jamal antes de irmos à praia. E por falar naquele louco, pelo visto ele percebeu o papel ridículo que estava fazendo e decidiu desaparecer. Graças a Deus. Até que enfim, um momento de paz em meio a tantas tribulações. — Alice, vamos passar na padaria? Tô cheia de fome. — A voz de Damares me tirou do transe. — Novidade. Você vive com fome. — Revirei os olhos. — Agora tô comendo por dois, esqueceu? — Damares falou baixo para que ninguém ouvisse a novidade sobre o bebê e passasse o telefone sem fio direto para aquele bicho do Jamal. — Quem esqueceu disso foi você, quando decidiu nos meter naquela encrenca. — Fui
---Alice— E aí, professora... Satisfação! — disse o homem me encarando, como se tivesse alguma intimidade comigo, com um sorriso carregado de ironia enquanto se aproximava.Maldição!Quando terei paz?— Satisfação? Santo Deus, era só o que me faltava para fechar o dia com chave de ouro — respondi quase num sussurro, enquanto passava a mão no cabelo, tentando parecer indiferente. Mas meu corpo inteiro estava em alerta. — Vem cá, eu te conheço? — questionei, e o sujeito apertou os olhos, abrindo um sorrisinho de canto, como se quisesse me intimidar.Damares, ao meu lado, apertava o copo vazio de suco como se fosse sua âncora. Mas eu sabia que ela estava tão apavorada quanto eu. Mal saímos de uma situação difícil, e a vida nos joga em outra ainda pior. Que sina, viu!— Geral do quadro te conhece... Tu é famosa nessa favela. Sabia disso, não? — Ele estreitou os olhos, me avaliando como um predador faz com a presa. — Mas, pra deixar as paradas nos conformes, eu me apresento: Renato... Vu
---AliceTerminamos o nosso lanche e seguimos direto para casa. Eu me sentia exausta, não fisicamente, mas mentalmente, e principalmente, emocionalmente. Minha vida não tem sido nada fácil, mas parece que depois que cheguei no Rio de Janeiro tudo piorou, e tudo virou de ponta a cabeça. Até Joel, que sempre foi um grande amigo, se afastou de mim. Sinto tanta falta dele, das nossas conversas e de como ele me compreendia... Aí meu Deus, até quando vou viver nessa situação? Parece que quanto mais o tempo passa, maiores são as provações. Permaneço em silêncio, e Damares da mesma forma. No caminho continuo pensativa, ainda sem compreender como consigo me envolver em tantos problemas em um curto espaço de tempo. — O que houve, amiga? — Damares pergunta-me observando — Nada. Só estou um pouco cansada, só isso. — suspiro desanimada — O dia de hoje foi pesado mesmo. — ela dizia também desanimada— Não falo apenas por hoje, mas por tudo o que tenho vivido desde a morte da minha mãe. Só tenh
---PGTinha um tumulto do caralho acontecendo uma quadra depois da padaria do seu Geraldo, praticamente no meio da rua. Se tem uma coisa que eu odeio é confusão na minha área, e geral estava ciente disso, mas parece que algum otário teve amnésia e está precisando de um bom esfrega para as ideias voltarem pro lugar. Assim, entenderia de uma vez por todas que uma ordem dada por PG tem que ser cumprida. Principalmente, que no meu espaço não admito desordem.Parece que a lição que Jamal recebeu tempos atrás não foi de muita serventia, porque, por muito menos que isso, ele ficou marcado para sempre. Mas estou aqui, de pé, firme e forte, para mais uma vez pôr as coisas no seu devido lugar. E agora será definitivo.Não é só porque fiquei acamado por alguns dias que a comunidade estava largada. Quem pensou isso está muito errado. Estou de pé, sem paciência e muito pior do que antes com quem vacila comigo.Ainda não sei como Nocaute não viu uma porra dessas acontecendo, mas com ele eu levo um
---PGContinuo parado por algum tempo, com uma dor forte pra caralho no peito, observando Alice desaparecer da minha visão. Ela estava magoada, eu sabia disso. Mais uma vez errei tentando acertar. Tudo o que eu queria era protegê-la, mas consegui exatamente o contrário: coloquei-a em risco confiando nessas merdas que se diziam meus soldados fiéis. Por muito pouco, ela foi agredida, e, se isso acontecesse, eu não me perdoaria. Ela já sofreu muito nas mãos daquele velho nojento do Filadélfio, que já foi tarde para a terra dos pés juntos. Depois de tudo o que passamos, eu fiz uma jura: enquanto eu respirasse, nunca mais a deixaria passar aperto ou sofrer. Eu falhei. E vou ter que consertar essa situação o mais rápido possível, antes que a perca para sempre. Ela é muito importante pra mim e, se eu não a tiver ao meu lado, pra que viver? Eu preciso dar um jeito nisso e, enfim, conquistar o coração dela e trazer para o meu lado a mulher que tanto amo.Sim.Eu a amo. Não posso mais negar a
---AliceEstou trancada no quarto. Não quero ver, ouvir ou conversar com ninguém. Minha cabeça está a ponto de explodir, e ainda não consigo acreditar no que acabou de acontecer. A imagem do Laranjinha caído no chão, com a mão sangrando, está martelando na minha mente. Mas, por outro lado, a sua mão erguida, disposta a acertar o meu rosto, também está grudada em minhas lembranças. Se PG não tivesse aparecido e me livrado daquele sujeito, sabe lá Deus o que teria acontecido comigo. Eu poderia ter recebido apenas um tapa, que, vindo de um homem, já seria algo desesperador, mas também poderia ter sido espancada violentamente, tendo um fim muito pior.E tudo isso aconteceu no meio da rua, diante de várias pessoas, que simplesmente se omitiram, ficaram caladas e não esboçaram nenhuma reação. Se Laranjinha tivesse chegado às vias de fato, ninguém tomaria partido ao meu favor. Só de imaginar isso, sinto um vazio. Um sentimento de impunidade me domina, e a vontade de chorar se apossa de mim.
AliceAlgumas horas depois...Depois de tanto chorar, acredito que minhas lágrimas até secaram, porque, por mais que eu tentasse, nenhuma gotícula caía dos meus olhos. E também, se chorar resolvesse alguma coisa, hoje minha situação seria muito diferente, e, ao invés de me sentir tão sufocada, estaria feliz ao lado do homem que amo. Novamente me pego suspirando e pensando no PG. Ele até agiu de maneira intempestiva, mas, agora, parando para pensar friamente na situação, devo ser grata por ele ter me livrado de mais uma situação difícil.— É, por mais que eu tente esquecê-lo, já percebi que não seria possível, porque em cada lugar que vou, tudo o que vejo e o que penso me levam diretamente a ele: o meu amor impossível. — Suspiro desanimada.Agora, muito mais calma, terminava de tomar o chá que Damares trouxe, enquanto conversávamos um pouco sobre o que aconteceu.— Está mais tranquila? — Damares pergunta, me observando atentamente.— Estou, amiga. — Dou a última golada no chá. — Obriga