Alice O tempo não parava de correr e com ele aumentava a minha aflição. Eu não sabia exatamente que horas eram, mas era evidente que faltava muito pouco para amanhecer. Eu sequer havia pregado os olhos, mas naquele momento tudo o que eu menos tinha era sono, parecia que a adrenalina do meu corpo havia jogado o cansaço para bem longe. O doutor se preparava para iniciar a cirurgia, mas o pavor em seus olhos era visível e deixava bastante claro que aquela era a primeira vez que passava por algo assim. Naquela sala minúscula, além do PG, só estavam o médico, Nocaute e eu. Ainda não conseguia acreditar que tudo aquilo estava realmente acontecendo, minha ficha ainda não tinha caído e eu me imaginava vivendo uma cena de filme. Homens fortemente armados cercando todo o barraco, o chefe do morro baleado e com grandes chances de morrer. Um médico trêmulo com medo de algo dar errado e ele pagar com a própria vida pelo erro cometido. E eu ali, parada com a roupa lavada de sangue, com os olhos a
AliceMais agitada do que nunca, sigo meu caminho e dou passos firmes em direção à casa da dona Olga. Estava com a roupa lavada de sangue e precisava urgentemente tomar um banho para ir trabalhar. Mesmo sem ter tido tempo para descansar, eu preciso cumprir com minhas responsabilidades, e a creche era uma delas. Com as mãos nos bolsos da minha calça e pensativa caminho por algum tempo. As ruas da comunidade já estavam movimentadas, moradores descendo para iniciar mais um dia de trabalho e outros subindo após longas horas trabalhando a noite. Os comerciantes pouco a pouco abrindo suas portas para mais um dia agitado. Eu continuava a minha caminhada, cumprimentando alguns e sendo observada por outros. Estava distraída e sequer percebo que tinha alguém ao meu lado seguindo meus passos, até o mesmo abrir a boca e quase me matar de susto.— Sobe ai mulher maravilhaque te deixo em casa. Era Nocaute em cima de uma moto, sem camisa e com sua arma à mostra.— Que susto! Quer me matar? — falo
AliceSem responder a minha pergunta, Joel fica de pé, e com passos rápidos se aproxima de mim. Seu olhar era de espanto, com toda certeza por ver o estado que eu me encontrava, sem falar na minha roupa que estava imunda. Mas algo estava estranho, primeiro pelo fato dele estar aqui tão cedo e segundo pelo seu olhar que a princípio era assustado, mas logo depois ficou distante, e confesso que isso não me agradou e muito menos me trouxe boas sensações. Só espero que minha intuição esteja errada, assim não corro o risco de ter problemas por um bom tempo, porque minha cota de aborrecimentos e estresses já tinha ultrapassado o nível máximo nesses últimos dias.Tento fechar a porta e entrar em casa, mas sou impedida por Joel que fala:— Você está bem, princesa? — Joel pergunta aflito segurando a minha mão e ao mesmo tempo com o olhar examinava o meu corpo de cima abaixo — Sim. Estou bem, na medida do possível. — respondo sem ânimo e um pouco preocupada com a situação do PG. Enfim consigo
AliceDeixo o cartão em cima da pia do banheiro e entro no box para tomar um banho. Enquanto a água fria caía sobre meu corpo, eu tentava esquecer as imagens difíceis e todo medo que senti nessa madrugada. O som dos trovões seguido pelo estrondo da queda de PG, ainda ecoava em minha mente, e a sensação de impotência diante do sofrimento dele me assombrava. Fechei os olhos, deixando que a água levasse embora a angústia e a sujeira, mas sabia que algumas manchas não se apagam com facilidade.Após o banho, procurei por uma roupa para ir trabalhar, mas tudo o que eu tinha era uma blusa branca de algodão, então o jeito era ir até o quarto da Damares e usar alguma roupa dela. Não vejo a hora de receber o meu pagamento e assim poder comprar algumas coisas pra mim, porque ficar usando roupas da Damares para sempre não dá. Não que ela se queixava, muito pelo contrário, desde o início me recebeu de braços abertos, mas nada é tão maravilhoso do que pouco a pouco ir conquistando as coisas pelo pr
Alice— Oi, Alice! Como você...Não o deixo terminar.— Eu perguntei, o que você faz aqui? — falo seria, fria e pausadamente, para que ele pudesse compreender de uma vez por todas, que tanto a sua presença quanto a de seu irmão não eram bem vindas nem aqui ou em outro lugar que eu estivesse presente.Se tratava do Rubens, tio da Sophia e irmão do tal Saulo, que era uma das pessoas que eu não gostaria de ver na minha frente em momento algum. Ele estava encostado no carro e caminha em minha direção tentando compreender o que estava acontecendo. Mas ele chegou no pior momento da minha vida, eu estava exausta tanto fisicamente quanto emocionalmente e psicologicamente, portanto conversar com um desconhecido estava totalmente fora das minhas possibilidades. Odeio ser grosseira com quem quer que seja, mas tem momentos, como esse, que precisamos mostrar o nosso pior lado ou então as pessoas não entendem quando estão sendo inconvenientes. E esse era o caso do Rubens, que já estava se tornando
AliceEnfim mais um dia termina e junto com a noite o cansaço das longas horas acordada chega com força total. Todas as crianças já haviam sido liberadas e eu apenas terminava de guardar meus materiais na sala dos professores para seguir o meu caminho. Feito isso me despeço de todos que encontro pelo caminho e por último falo com seu José. — Até amanhã seu José! — falo e dou um leve aceno com as pontas dos dedos— Até amanhã! Vá com Deus! — ele se despede, amável como sempre Seguro forte nas alças da minha inseparável mochila e a passos largos sigo pela calçada. O caminho até a comunidade era longo, mas eu já tinha acostumado e depois do que passei de jeito algum procurarei pelo caminho mais curto. Já basta de problemas.O carro de Joel não estava mais no estacionamento sinal de que já tinha ido embora sem sequer se despedir de mim. Até agora não acredito que tivemos aquela discussão, ou melhor ele discutiu comigo, sem motivo algum. Não sei de onde ele tirou que existe a possibilid
AliceEmilie segura minha mão e sem me dar tempo para nada, sai me arrastando para dentro da casa. Nocaute nos segue sem nada dizer e com certeza só aguardava ansioso pelo que aconteceria logo em seguida com essa ideia fixa da Emilie de me juntar ao tio dela. Crianças viu, quando colocam algo dentro da cabeça vão longe, e só Deus para fazê-las mudar de ideia. Já dentro da casa bato de frente com dona Olga, que descia a escada com uma bandeja nas mãos. Ela me olha estranho como se minha presença naquela casa fosse algo de outro mundo, na realidade ela tinha mesmo razão por reagir dessa maneira, até porque PG e eu nunca fomos exemplo de bons amigos ou nada amáveis um com o outro.Ela se aproxima e ainda segurando a bandeja fala:— Alice, filha, aconteceu alguma coisa? — ela pergunta e troca olhares com Nocaute que estava ao meu ladoAcho aquilo estranho, mas nada falo à respeito. — É que estou aqui para visitar o PG, fiquei sabendo que ele não está reagindo muito bem a cirurgia e por
AliceDona Olga me olha e sorri agradecida pelo que acabou de acontecer. Mas eu na realidade não havia feito nada, apenas me deixei guiar por Deus e pelo sentimento de compaixão que existe dentro de mim. Olho para Nocaute que observava tudo em completo silêncio e também parecia não acreditar em tudo o que acabou de ver. Pelo visto essa família está muito perdida e distante do amor de Deus, por isso tantas confusões e problemas entre eles. Por isso que dizem que dinheiro pode proporcionar muitas coisas, menos a verdadeita felicidade, pois essa só através do amor de Deus é que conseguimos. Respiro fundo e então encarando Nocaute falo:— Será que pode cuidar da Emilie enquanto vou até o quarto do PG?— Posso sim. Pode subir de boa que eu fico com ela até você voltar. — Nocaute diz um pouco emotivo, pelo visto ele sentia algo pela Patrícia, pois a preocupação que ele demonstrou por ela é apenas de alguém que tem um sentimento verdadeiro dentro de si— Obrigada! — agradeço e só então me l